“Para garantir um melhor futuro para a próxima geração, é imperativo que os educadores a nível mundial – e as fortes perspetivas que trazem das várias salas de aulas – sejam colocados no centro dos nossos esforços globais e locais de realizar uma reforma na educação”, dizem Nafisa Shekhova e Dr. Andrew Cunningham, Codiretores Globais para a Educação da Fundação Aga Khan (AKF).

Nesta entrevista, Nafisa e Andrew discutem as principais estratégias que a AKF e os seus parceiros estão a procurar implementar para continuar a apoiar a influência, inovação e autonomia dos professores em alguns dos ambientes de aprendizagem mais desafiantes e refletir acerca da forma como nós, enquanto comunidade educativa global, podemos fazer mais para enfrentar a crise global da aprendizagem se colaborarmos mais intensamente com os educadores de todo o mundo.

Em resposta à crise global na educação, o Secretário-Geral da ONU organizou no ano passado a Cimeira para Transformar a Educação (TES) na Assembleia Geral da ONU. Esta proporcionou uma oportunidade única de colocar a educação no topo da agenda política global e motivar ação, ambição, solidariedade e soluções para recuperar as perdas na aprendizagem relacionadas com a pandemia e criar condições para transformar a educação num mundo em rápida mudança. Qual a sua opinião acerca da Cimeira?

Dr. Andrew Cunningham (AC): A Cimeira foi um momento histórico para a comunidade global de educação. Foi-nos dada permissão política por parte de todos os membros da ONU para “pensar fora da caixa” relativamente à melhor forma de promover a inovação na educação, especialmente junto dos alunos mais marginalizados. Por isso, ficámos maravilhados em constatar que o nosso principal programa de educação, o Escolas2030, foi selecionado pela ONU durante a Cimeira como uma solução globalmente reconhecida para a promoção da influência, inovação e autonomia dos professores.

Como sabemos, a maioria dos educadores está afastada dos esforços de reforma na educação. Na sessão do Escolas2030 no âmbito da Cimeira TES, isso foi diferente, pois tivemos um Ministro da Educação e um professor do mesmo país, lado a lado com outros parceiros do Escolas2030, a partilharem o mesmo palco global e a delinearam estratégias-chave sobre a melhor forma de promover resultados de aprendizagem holística através de inovações lideradas por professores, com decisões tomadas a partir da base até ao topo da hierarquia organizacional, em vez do contrário. Como podemos apoiar mais momentos como este?

Porque se sentem tão convictos de que os professores têm de estar no centro de uma reforma na educação?

Nafisa Shekhova (NS): Muitos sistemas educacionais, a nível local, nacional e global, muitas vezes ignoram os professores enquanto potenciais elementos inovadores ou líderes na aprendizagem, o que é um erro significativo. Embora possa ser útil providenciar aos professores planos de aula e ferramentas de avaliação, a rigidez dos padrões curriculares rígidos pode limitar a sua autonomia. É essencial destacar a importância da flexibilidade e do espaço que os professores precisam e merecem, permitir que estes experimentem, façam ajustes e partilhem a sua opinião relativamente à eficácia destes recursos. Infelizmente, os professores são frequentemente instruídos a usar estes materiais sem que lhes seja pedida a opinião acerca daquilo que funciona melhor ou pior e as razões para isso. A ausência de uma troca de opiniões significa que não podemos tirar proveito das perspetivas locais e de base, as quais são vitais para uma reforma educacional bem-sucedida. Ao incorporar estas perspetivas e opiniões, podemos fazer com que as reformas na educação alcancem mais facilmente os resultados desejados.

AC: Afinal, as nossas crianças passam a maior parte do dia com os professores. Isto é incrivelmente importante para aquilo que nós, enquanto sociedade, vemos como o nosso investimento coletivo no futuro. Os educadores não são apenas responsáveis pelo desenvolvimento académico das crianças, mas também desempenham um papel fundamental no apoio aos alunos no sentido de desenvolverem a criatividade, a empatia, o respeito pela diversidade e competências sociais elementares. Num mundo que parece estar a ficar cada vez mais dividido e incerto a cada dia, os professores são, na nossa sociedade, aqueles que estão a preparar de forma incansável a próxima geração para que valorizem as diferenças, se tornem cidadãos participativos e “aprendam a aprender”, não apenas agora, mas ao longo das suas vidas.

Ao excluirmos do debate aqueles que estão mais próximos da ação, não podemos ficar surpreendidos por ver a reforma da educação a enfrentar tantos desafios. Para criar uma reforma educacional mais eficaz, os formuladores de políticas e as partes envolvidas no sistema educacional têm de promover um diálogo mais relevante e frequente com os professores. Qualquer processo de reforma deve dar prioridade a esta colaboração, e não se trata apenas de envolver os professores em reuniões ocasionais, mas sim considerar os educadores como os copilotos de uma transformação nos sistemas educacionais para que se tornem mais inclusivos para todos.

Se deixarmos de apoiar a influência, a inovação e a autonomia dos professores, a tendência de declínio na educação irá provavelmente continuar, tornando cada vez mais difícil cativar e preparar a próxima geração de educadores para os filhos dos nossos filhos. Temos de fazer tudo o que pudermos para trabalhar mais de perto com os educadores e repensar aquilo que é possível para as gerações futuras.

Como é que a AKF e os seus parceiros procuram aumentar a importância do papel dos professores?

NS: A AKF dá prioridade ao desenvolvimento dos professores e à autonomia dos professores em todo o seu Portefólio de Melhoria da Educação. Como foi mencionado anteriormente, a nossa iniciativa Escolas2030 é exemplo disso.

O Escolas2030 é um programa participativo de melhoria da aprendizagem com a duração de 10 anos. Estamos a trabalhar em 1000 escolas públicas e centros comunitários de aprendizagem em 10 países.

O Escolas2030 trabalha para fortalecer os professores enquanto líderes, inovadores e agentes ativos de educação. Desenvolvemos um conjunto de ferramentas, recursos e módulos de formação de código aberto com e para os professores, de modo a apoiá-los a avaliar, inovar e apresentar inovações educacionais ao nível da sala de aulas com vista a melhorar a aprendizagem. O Escolas2030 foi concebido como uma abordagem experimental que segue a filosofia de que as melhores ideias surgem das salas de aulas e dos professores.

Por fim, ao colocar os professores no centro da transformação da educação, o que é que a AKF espera alcançar?

NS: Foi há apenas três anos que as escolas de todo o mundo foram encerradas durante a COVID-19. As perdas ao nível das aprendizagens e da interação social teve um impacto profundo na próxima geração de líderes, e os professores percebem isso melhor do que ninguém. Ao colocar os professores no centro do debate acerca das reformas, acreditamos que podemos mitigar de forma mais eficaz os efeitos de futuras pandemias e de grandes perturbações na educação e na aprendizagem.

Para além disso, num mundo cada vez mais polarizado e incerto, acreditamos que, ao apoiar os professores, podemos construir um futuro mais pluralista e sustentável e garantir que os nossos filhos vivem num lugar melhor do que vivemos hoje

AC: É por isso que estamos entusiasmados em coorganizar a segunda edição do Fórum Global Escolas2030 no Porto, Portugal, que vai reunir 250 delegados de 30 países para debater formas inovadoras de apoiar os educadores na promoção de escolas mais inclusivas, sistemas educativos equitativos e sociedades de aprendizagem pluralistas até 2030. Em cada um dos dias, os educadores irão apresentar novas inovações pedagógicas que visam promover resultados de aprendizagem holística para alunos de 5, 10 e 15 anos, e irão participar num diálogo relevante com líderes de todo o mundo do sector da educação nas áreas da investigação, políticas, finanças e práticas.

Convidamos-vos a participarem no debate e a aprender com este movimento crescente através das transmissões ao vivo aqui nos dias 5 e 7 de Junho de 2023. Como disse o Dr. Bronwen Magrath, Gestor Global do Programa Escolas2030, numa entrevista recente: “Todas as nossas vozes isoladamente não podem resolver a crise da educação, mas se nos juntarmos, seremos mais fortes." Esperamos ver-vos a todos em breve para prosseguir com esta importante conversa.