Tajiquistão · 6 julho 2020 · 6 Min
Daler Jumaev, Diretor Geral da Pamir Energy no Tajiquistão (parte do Fundo Aga Khan para o Desenvolvimento Económico), discursou no Congresso Mundial de Energia Hidroelétrica 2019 em Paris acerca da missão de levar energia limpa e acessível até ao Tajiquistão e ao vizinho Afeganistão.
Eram 18h57 do dia 9 de Setembro de 2018. Ligámos a eletricidade no município de Murghab. Em dois minutos, uma onda de celebração invadiu as ruas, assim que os candeeiros públicos se acenderam pela primeira vez. Observámos e ouvimos do outro lado do rio, no local onde a central hidroelétrica está localizada. Foi mágico. Foi um daqueles momentos em que senti que se morresse, morreria em paz.
Para aqueles que nunca ouviram falar de Murghab, este é um distrito no Extremo Oriente do Tajiquistão, na fronteira com a China e a República do Quirguistão. Representa 27% da superfície do Tajiquistão, mas apenas 0,2% da população. É uma zona montanhosa, seca e a mais de 3600 metros acima do nível do mar. Parece a Lua. As pessoas aqui vivem da criação de vacas e iaques, e dependiam de estrume seco para aquecerem as suas casas no inverno. Não havia eletricidade para cozinhar, para ver à noite ou para estudar. E não havia Netflix. É um lugar difícil para se viver.
A empresa Pamir Energy está sediada nas altas montanhas do leste do Tajiquistão, onde os invernos costumam ser inclementes e com cada vez mais terramotos, avalanches e deslizamentos de terras. A zona é também socialmente complexa, fazendo fronteira com a China, a República do Quirguistão e o Afeganistão.
AKDN / Christopher Wilton-Steer
Estou a começar com esta história porque, em tudo o que fazemos, por muito complicado ou técnico que seja, é fundamental que nos lembremos porque estamos a fazê-lo e aquilo que mais importa: as pessoas que servimos.
Há dois aspetos importantes que a nossa experiência nos ensinou. O primeiro é que as operações hidroelétricas de pequena escala não devem ser subestimadas, especialmente em comunidades rurais e remotas. O segundo é que o sector privado pode desempenhar um papel integral em tudo isto. Podemos ser dinamizadores, ou podemos ser a cola que permite uma forte colaboração entre parceiros de desenvolvimento e o governo. Através destas parcerias, também podemos abordar todos os aspetos dos sistemas de energia - da geração à transmissão e distribuição - e garantir sistemas eficientes e sustentáveis para toda a gente.
Em 2002, foi criada a Pamir Energy com o apoio financeiro do Fundo Aga Khan para o Desenvolvimento Económico - o nosso principal acionista - e do Banco Mundial, IFC e SECO, de acordo com um Contrato de Concessão com o Governo do Tajiquistão. Assumimos a gestão e operação de todos os recursos energéticos em Badakhshoni Kuhi, que é a região mais alargada em que se Murghab se insere. Como tal, somos a primeira Parceria Público Privada (PPP) na Ásia Central.
A parte do Tajiquistão Oriental onde trabalhamos é dura - a nível social, político, económica e também ambiental. O Badakhshoni Kuhi faz fronteira com a China, a República do Quirguistão e o Afeganistão. Estamos a operar na alta montanha, onde se verificam terramotos, avalanches, deslizamentos de terras e invernos muito frios. Neste ambiente complexo, também não teríamos sido bem-sucedidos sem o contante apoio e orientação por parte do governo do Tajiquistão e do governo regional de Badakhshoni Kuhi.
Preparar o terreno: Badakhshoni Kuhi é a região menos desenvolvida do Tajiquistão, com 40% da população a viver abaixo do limiar da pobreza. Durante a era soviética, mais de 70% da nossa energia era fornecida por geradores a gasóleo que funcionavam exclusivamente com combustível importado da Rússia. Após a queda da União Soviética, não ficou uma única central energética a diesel em funcionamento. Em 2002, quando a Pamir Energy assumiu as operações, apenas 13% das habitações tinham eletricidade - e mesmo assim, durante apenas 12 horas por dia, com frequentes interrupções.
Hoje, 17 anos mais tarde, a situação está bastante diferente.
A Pamir Energy fornece eletricidade fiável, limpa e acessível, durante 24 horas todos os dias, a 96% da população de Badakhshoni Kuhi, no Tajiquistão Oriental. Reduzimos as perdas de transmissão de 39% em 2006 para 10% em 2018. Implementámos mais de 30 projetos; reabilitámos integralmente a maioria das 11 centrais hidroelétricas, com um total de pouco mais de 44 MW em capacidade de geração; e temos uma 12.ª Central Hidroelétrica (CHE) com capacidade de geração de 11MW a caminho. Através da eficiência e de tecnologias inteligentes, somos capazes de operar todo o serviço de energia a uma tarifa média ponderada de 3,25 cêntimos de dólar [2,9 cêntimos de euro] por kWh para os consumidores finais - a tarifa privada mais baixa do mundo.
Tudo isto refuta vários estereótipos acerca da energia hidroelétrica de pequena escala. Estas não são meros curativos. As operações em larga escala não são as únicas que irão levar à sustentabilidade. O nosso sucesso demonstra que as CHE de pequena escala podem fornecer eletricidade fiável, limpa e acessível a longo prazo. Na verdade, diria inclusive que as centrais de pequena escala são a melhor solução para a nossa região, dada a sua topografia, distribuição de recursos e isolamento.
Foi igualmente incrível testemunhar o impacto social da eletricidade. As nossas operações criaram milhares de empregos, com o impacto na questão do género a ser ainda maior. A eletricidade reduziu o tempo que as mulheres perdem a recolher lenha e a cozinhar, por exemplo, ficando com cinco horas livres todos os dias que podem usar em outras atividades - seja estudar, iniciar pequenas empresas ou contribuir para a sua comunidade.
Apesar disso, também enfrentamos uma série de desafios. Um dos mais importantes é o clima, sejam as variações ou as alterações climáticas.
As nossas CHE dependem de duas fontes de água: os glaciares e o derretimento da neve. Quando os glaciares atingirem um ponto de fusão crítico, iremos perder o acesso ao seu escoamento. Deste modo, nos nossos esforços de levar aquecimento e luz aos últimos 4% da região - 61 aldeias -, estamos a considerar opções de energia eólica e solar para criar redes híbridas.
Outro desafio é permanecermos financeiramente viáveis. A realidade é que os sistemas maiores de energia hidroelétrica são mais comerciais. As nossas operações nunca terão um grande retorno ou lucro. Ainda que contemos com uma forte combinação de donativos e financiamento de concessão para expandir a rede, o serviço em si cobre as despesas e gera pequenos excedentes para a sua manutenção contínua.
Outro elemento que contribui para o sucesso da Pamir Energy é a forma como o nosso modelo nos ajuda a associar vários parceiros e partes interessadas. Enquanto PPP, podemos apoiar o governo a fomentar o financiamento soberano e, enquanto empresa, podemos fomentar o financiamento não-soberano. Tudo isto contribui para a nossa viabilidade a longo prazo e a nossa capacidade de continuar a aumentar e a melhorar o alcance do serviço.
Portanto, a boa notícia é que já não estamos em crise. Bem longe disso, na verdade. O nosso sucesso permite-nos inclusive exportar excedentes de eletricidade para o Afeganistão, chegando a cerca de 40 000 pessoas na zona fronteiriça, muitas pela primeira vez. A Pamir Energy tornou-se um modelo para a região, generosamente apoiada por parceiros como os governos da Noruega, da Alemanha, através da Fundação PATRIP, da Suíça, através da SECO, e dos EUA.
Esta cooperação regional também abriu novas portas. O governo do Afeganistão convidou-nos a replicar o modelo da Pamir Energy na província de Badakhshan, que levará iluminação e aquecimento a 1,5 milhões de pessoas no norte do Afeganistão.
Numa altura em que toda a gente está a sair do Afeganistão, nós estamos a entrar. E não vamos parar por aí. Também estamos a pensar na melhor forma de estabelecer o modelo da Pamir Energy no norte do Paquistão, onde existe uma enorme crise energética, mas com uns extraordinários 22 000 MW de potencial.
Em tudo isto, as duas ideias principais que vos quero transmitir são as seguintes:
A primeira é que a energia hidroelétrica de pequena escala pode desempenhar um papel fundamental na segurança energética em muitas partes do mundo. Maior nem sempre é melhor.
E a segunda é que o sector privado pode desempenhar um papel incrivelmente importante enquanto agente para a colaboração, parceria e mudança, se for gerido de forma correta. Temos sido um intermediário neutro entre as comunidades e o governo, criando um cenário em que todos saem a ganhar.
Há muita coisa a acontecer em matéria de energia hidroelétrica de pequena escala na nossa região, no nosso cantinho do Tecto do Mundo. É desafiante, mas acima de tudo, estimulante. Estes projetos podem ser considerados de pequena escala, mas para as pessoas que servimos, o seu impacto é enorme - é verdadeiramente transformacional.
E como a maioria de vocês, sinto que há muito a fazer e pouco tempo a perder. Agradeço a vossa atenção hoje e todas as contribuições dos últimos dois dias. É fascinante estar com tantas outras pessoas comprometidas com um futuro limpo, verde e sustentável, e nós na Rede Aga Khan para o Desenvolvimento estamos orgulhosos por trabalhar ao lado de todos vocês por um mundo com energia limpa para todos.