Kenya · 27 novembro 2019 · 4 Min
Diz-se que os primeiros 1000 dias da vida de uma criança lançam as bases para todo o seu futuro crescimento. Quando as crianças recebem o “comer, brincar e amar” que o seu cérebro precisa para se desenvolver, têm uma maior probabilidade de crescerem para se tornarem adultos saudáveis e produtivos que contribuam significativamente para as suas famílias e comunidades.
Mas existem frequentemente muitas barreiras ao desenvolvimento na primeira infância. Questões como os rendimentos, género e a falta de acesso e apoio por parte da comunidade podem impedir que muitas crianças atinjam todo o seu potencial humano.
Conversámos com Amina Mwitu, Diretora do Programa da AKF de Madraças na Primeira Infância para a África Oriental, acerca da importância do desenvolvimento na primeira infância.
Ser um modelo para as crianças
Amina Mwitu conhece na primeira pessoa as barreiras à educação. “O meu pai conseguiu terminar o ensino primário, mas como eram muito pobres, não pôde ir para a escola preparatória. A minha mãe deixou a escola quando andava no sexto ano." Contra todas as probabilidades, os seus pais incentivaram os seus sete filhos a concluírem os estudos. Amina tornou-se a primeira da sua família e comunidade a terminar a universidade.
De seguida, ingressou no Programa de Madraça, em 1998. “Para mim, [o programa] representava uma plataforma na qual eu poderia envolver-me com os pais e trabalhar diretamente com os professores e com as crianças. Tornei-me um modelo na minha própria comunidade local, alguém sempre disponível para responder às perguntas da população. Consegui provar-lhes que a educação não muda quem nós somos, mas abre-nos a mente a todas as possibilidades.”
“Posso falar com eles e dizer-lhes: não sou diferente de vocês. Eu também cresci sem sapatos. E estou aqui hoje. Posso sentar-me deste outro lado e dizer-vos que podem tornar-se naquilo que querem ser na vida.
Mudar a formar de pensar dos pais
Parte do trabalho do Programa de Madraça passa por garantir que os pais compreendem e apoiam a aprendizagem inicial em casa e na comunidade. Mas numa área onde o ensino pré-primário não é a norma - onde as crianças podem ir para a escola primária de forma gratuita aos 7 anos, mas tem de pagar pelo pré-escolar -, isso pode não ser fácil. Por isso, Amina e a sua equipa usam uma analogia que faz sentido para as comunidades predominantemente agrícolas em que atuam:
Põem as sementes no sementeiro. Regam-nas. Cuidam delas. E quando estão prontas, levam-nas para a principal produtora agrícola. É a mesmo coisa com a aprendizagem inicial. É um período em que queremos cuidar deles para poder prepará-los para o mundo. Eles têm de estar equipados a todos os níveis, não apenas cognitivamente, mas também física, social e emocionalmente, para poderem ter sucesso no mundo.
Amina, há mais de 20 anos envolvida no projeto, testemunhou na primeira pessoa a forma como as comunidades e a vida da população são transformadas por estas intervenções.
“O programa já tem mais de 30 anos. Alguns dos [anteriores] beneficiários do ensino pré-primário são hoje ginecologistas, banqueiros, advogados... e quando falamos com eles, eles partilham sempre essa experiência da pré-primária. Atualmente, estes [ex-alunos da pré-primária] chegam às centenas de milhares em todo a África Oriental. Alguns teriam provavelmente abandonado a escola primária, mas hoje têm uma escolarização secundária e universitária. Esta é uma história poderosa, e sabemos que irá trazer muitas mudanças às suas famílias e comunidades.”
Transformar a vida dos professores
O Programa de Madraça também transforma a vida dos professores que atravessam as suas portas, dando formação aos atuais e futuros professores.
O programa faz face à lacuna existente ao nível de educadores qualificados com formação em abordagens práticas, interativas e centradas na criança que contribuem para o desenvolvimento holístico da criança.
Mas a formação dos professores não beneficia apenas a criança, beneficia também os professores e as suas famílias.
"Após a formação e a orientação, estes professores ganham a capacidade de trabalhar na sala de aula com uma maior eficácia", diz Amina. “Eles são capazes de interagir com as crianças. São felizes naquilo que fazem. Ganham um salário que serve para sustentarem as suas famílias. Descobriram uma vocação. Alguém que seja uma dona de casa ou tenha desistido da escola vê-se de repente com uma carreira na vida. Para mim, isso também é muito poderoso.”
The Madrasa Programme has trained thousands of new and in-service pre-school teachers in Kenya, Tanzania (photo) and Uganda, helping them to engage more effectively with their young learners.
AKDN / Lucas Cuervo Moura
Insistir na liderança das mulheres
O Programa de Madraça tem transformado vidas na sala de aulas, mas tem também estimulado as mulheres na comunidade.
“Quando o programa começou, nós insistimos, através dos nossos critérios, que pelo menos 30% das nossas comissões escolares fossem compostos por mulheres”, diz Amina.
“Hoje, mais de 60% são mulheres. E não estão lá apenas como membros cooptados. São presidentes, vice-presidentes, tesoureiros... e para lá do programa, são também líderes noutros grupos. Elas têm uma voz. Elas podem lutar pelas mudanças que desejam ver na comunidade. Para mim, isso é algo muito poderoso.”
Embora considere um sucesso a obra desenvolvida pelo Programa de Madraça para a Primeira Infância ao longo das últimas três décadas, Amina diz que o seu trabalho ainda agora começou.
“Sim, conseguimos muito, principalmente nas províncias onde trabalhamos, mas isto é realmente apenas uma gota no oceano. Em algumas províncias, conseguimos trabalhar apenas com 15% ou 50%, por isso ainda há trabalho a ser feito. É preciso apoio."
Esta história foi publicada originalmente no site da Fundação Aga Khan Canadá.