Afghanistan · 19 fevereiro 2020 · 5 Min
Jurjen van der Tas descreve a história dos jardins islâmicos, o modo como estão a ser adaptados para uso moderno e o percurso de 20 anos do Fundo Aga Khan para a Cultura na criação e restauração de jardins paradisíacos em todo o mundo islâmico.
Por Jurjen van der Tas
Os Jardins do Paraíso têm como inspiração a expressão em persa antigo pairi dezi, que significa "cercado por um muro". Transliterados para o grego como paradeisos e, a partir de então, conhecidos como Jardins do Paraíso, são essencialmente refúgios circunscritos para a flora e a fauna, sendo os humanos os seus guardiões e principais utilizadores. O ambiente seco predominante no Médio Oriente e no sul da Europa fazem com que seja essencial que estes jardins tenham acesso a uma fonte permanente de água.
The view along the water channel at the heart of the central axis of Babur’s Gardens, Kabul.
AKDN / Christian Richters
Por isso, a presença de água corrente esteve sempre intimamente associada aos Jardins do Paraíso. Este conceito de jardins encontrava-se já amplamente difundido no mundo clássico, como se confirma pelos pátios com elementos aquáticos das luxuosas vilas romanas construídas há mais de 2.000 anos. Historicamente, os Jardins do Paraíso foram sempre vistos como algo exclusivo, permitindo, na melhor das hipóteses, um acesso limitado ao público em geral.
O Jardim de Chihilsitoon, com 12,5 hectares, é o maior jardim público histórico de Cabul, e também foi restaurado pelo Fundo Aga Khan Trust para a Cultura.
Para além da mudança de conceito que surgiu com a transliteração do persa para o grego, a associação que estes jardins murados e isolados têm com a nossa noção de paraíso é também um resultado direto da expansão do Islão a partir do século VII. Existem inúmeros versículos no Alcorão que se referem ao paraíso como um conjunto de jardins com árvores de fruto e rios de água, leite, vinho e mel. Os quatro jardins e rios mencionados no Alcorão deram origem ao conceito persa de Chahar Bagh, ou Quatro Jardins, que se espalharam para Oriente durante o império mogol. Os jardins do Taj Mahal e do Túmulo de Humayun na Índia, os Jardins de Babur em Cabul e os principais monumentos mogóis de Lahore são os exemplos mais destacados.
O aumento dos níveis de sofisticação na conceção dos Jardins do Paraíso ao longo do tempo levou à criação de terraços e à construção de canais de água que correm ao longo de um eixo central, utilizando o declive natural para criar um fluxo. Entre os acrescentos que se foram seguindo ao longo do tempo, para além dos pavilhões construídos para fins específicos, estão um elemento conhecido como chador, uma rampa feita de pedra decorada através da qual um fluxo de água acelerado produz uma onda branca.
Este ambiente sereno, combinado com a limpeza e a segurança que o jardim oferece, convida desde logo à reflexão e ao relaxamento - contribuindo assim para uma parte essencial da nossa qualidade de vida. Em essência, poder-se-á afirmar os jardins foram criados exatamente com a finalidade de proporcionar um espaço para o relaxamento e a reflexão.
Com esse objetivo em mente e com os elementos de base dos Jardins do Paraíso em mãos, o Fundo Aga Khan para a Cultura iniciou há vinte anos um percurso que visa melhorar alguns aspetos da qualidade de vida das pessoas que vivem num restrito número de cidades. O objetivo principal passa por permitir ao público o acesso a espaços verdes abertos com a mais alta qualidade. O primeiro projeto consistiu na criação de um parque com 36 hectares na periferia leste do centro histórico do Cairo, ao longo da muralha aiúbida do século XI. O Parque Al Azhar, erigido num antigo aterro sanitário informal com 50 metros de altura, foi construído ao longo de seis anos e teve um custo de final de mais de 30 milhões de dólares.
Ainda que se trate de uma criação recente, muitas das características do parque evocam elementos tradicionais associados aos Jardins do Paraíso, como terraços, pavilhões e um canal central de água com um chador. Para além disso, foram introduzidos elementos totalmente novos, como um anfiteatro, restaurantes, espaço para exposições e um parque infantil.
Em contraste com o passado, quando o acesso por parte do público em geral os Jardins do Paraíso só era possível por convite ou durante dias específicos, o Parque Al Azhar e os outros oito parques criados pelo Fundo desde então não impõem nenhuma restrição ao nível do número de visitantes que podem entrar no parque. Os mais de 2 milhões de visitantes anuais causam um grande dilema no funcionamento de parques como o Al Azhar: a serenidade que um Jardim do Paraíso deve oferecer pode ficar comprometida pelo grande número de visitantes que entram diariamente. Uma solução parcial para este problema pode passar por uma compartimentação das secções mais pequenas de um parque, recuperando desta forma um elemento de privacidade. Isto aplicar-se-ia particularmente a secções do jardim com um forte significado histórico. O Forte de Lahore, no Paquistão, um dos projetos mais recentes do Fundo, teria muito a ganhar com esta abordagem. Os antigos jardins privados criados pelos diferentes governantes mogóis nos pátios quadrangulares poderiam ser parcialmente recriados na sua forma (através da recuperação da noção da segmentação em pontos fundamentais) e no seu espírito (através da regulamentação e gestão do fluxo de visitantes em números controláveis).
O facto de os nove jardins restaurados ou recém-criados e geridos pelo AKTC desde 2005 terem atraído mais de 50 milhões de visitantes ao longo dos últimos 13 anos é a prova de que o conceito de Jardins do Paraíso está ainda bastante presente no contexto atual. Uma vez que se espera que o número de visitantes venha a aumentar à medida que forem adicionados mais parques, é essencial que possam ser mantidos os princípios sobre os quais foram construídos e geridos os Jardins do Paraíso, para que estes possam continuar a ser exemplos para o futuro.
e um vídeo acerca dos vários jardins da Rede Aga Khan para o Desenvolvimento
Artigo adaptado a partir de um artigo publicado originalmente no site da Fundação Aga Khan Reino Unido.