Pakistan · 14 abril 2020 · 6 Min
"As pessoas irão esquecer-se daquilo que disseste, irão esquecer-se daquilo que fizeste, mas nunca se irão esquecer de como as fizeste sentir." Maya Angelou, poetisa vencedora do Prémio Pulitzer.
Azra Fatima*, uma profissional de saúde em Umerkot, no Paquistão, deixa escapar um audível suspiro quando bate à porta da sua décima casa do dia. A casa traz de volta uma lembrança desagradável da sua visita anterior, que terminou com uma repreensão severa por parte da sua chefe, Naima*, uma supervisora de saúde, por estar atrasada no objetivo de atingir as 100 casas por semana.
A chamada deixou-a desmotivada e com ansiedade em visitar a próxima casa. Apesar do abalo na sua moral, Azra perseverou, mas recorda ter sentido que o telefonema apenas tornou o seu trabalho ainda mais desafiante. Uma queixa comum feita pelas profissionais de saúde como Azra é que se sentem sobrecarregadas com trabalho e sem apoio por parte das supervisoras.
Para além disso, a insistência no cumprimento dos objetivos levou a uma cultura de culpabilização profundamente enraizada, com cada equipa a responsabilizar as outras pelos problemas do sistema. "Há uma grande peça em falta no sistema das mulheres profissionais de saúde, que é a compaixão", diz Muneera Rasheed, instrutora sénior em pediatria e saúde infantil na Universidade Aga Khan e diretora para a experiência de assistência do paciente na linha de atendimento do Hospital Pediátrico do Hospital da Universidade Aga Khan.
“O desempenho tornou-se mais importante do que as pessoas e as profissionais de saúde sentem-se com apenas um meio para atingir um fim. Isto afeta a motivação para cumprir os objetivos mais globais do programa.”
O problema é transversal ao todo o sistema, uma vez que as supervisoras, que gerem as profissionais de saúde, também se queixam de falta de motivação. Naima, a chefe de Azra, está sujeita à mesma pressão de cumprir objetivos e acredita que não conseguirá alcançar nada se não for severa com as profissionais que tem sob a sua alçada.
"Ainda que possamos não ser capazes de reduzir a carga de trabalho das supervisoras e profissionais de saúde, a adoção de uma abordagem compassiva pode mudar a perceção delas acerca do seu trabalho", explicou Rasheed. “A atenção e a empatia podem transformar o dia de uma pessoa e uma equipa motivada de trabalhadoras e supervisoras em saúde pode realizar de forma mais efetiva os programas fundamentais de porta a porta capazes de dar resposta aos problemas do Paquistão no sector da saúde.”
Depois de receber um subsídio do Banco Mundial, a Sra. Rasheed aproveitou a sua experiência no trabalho com enfermeiras pediátricas no Hospital da Universidade Aga Khan para desenvolver uma intervenção-piloto que viria a ajudar a alcançar dois objetivos:
Iniciar uma intervenção combinada
Os primeiros três anos de vida de uma criança representam um período fundamental para o desenvolvimento do cérebro e o sucesso da iniciativa de EAP depende da capacidade das profissionais de saúde de criar um vínculo com as mães que as leve a alterar o seu método parental. A criação deste vínculo não seria possível sem abordar as questões do envolvimento da força de trabalho no programa das mulheres profissionais de saúde, de acordo com Rasheed.
A intervenção combinada levou à colaboração entre responsáveis distritais de saúde e supervisoras e profissionais de saúde que trabalham nas mesmas localidades nos distritos de Umerkot e Tharparkar. Eles reparam em algo invulgar na primeira sessão do programa: Apesar de trabalharem juntas há anos, a maioria das pessoas na sala nunca se tinham encontrado. Para além disso, os poucos que se conheciam só tinham estado em contacto em contexto formal.
Desenvolver empatia, gratidão e coragem
Depois de os membros da equipa se terem ficado a conhecer pessoalmente, Rasheed e a sua equipa realizaram um exercício de dramatização em que os supervisores trocaram de lugar com os subordinados, com outros membros a interpretar os papéis de uma mãe e do seu filho. Depois de encenarem uma série de desafios quotidianos com que as profissionais de saúde se deparam em casa, os formadores notaram uma mudança na atmosfera da sala. Uma supervisora ficou surpreendida com a experiência e afirmou que não tinha a noção de como era desafiante o trabalho de uma profissional de saúde. Da mesma forma, uma das profissionais de saúde observou que esta foi uma das poucas vezes em que se sentiu mais confiante do que receosa por ter de falar com a sua supervisora.
A dramatização é uma forma particularmente útil para melhorar a dinâmica de grupo, pois ajuda a desenvolver empatia e humildade, componentes essenciais de uma mentalidade compassiva, explica Aly Zubairi, do CfC. Acrescenta ainda que a atividade também destacou o impacto desmotivante das críticas em público, e levou os participantes a afirmar que raramente valorizavam as outras equipas e que só comunicavam entre si quando os objetivos não estavam a ser alcançados.
Modelar a humildade, a atenção plena e a autocompaixão
A intervenção também incluiu uma formação e orientação em contexto prático com o objetivo de modelar o valor de uma opinião construtiva. Isto levou as supervisoras de saúde a compreender que repreender ou interromper uma trabalhadora em frente a uma mãe tem impacto na sua credibilidade e na forma como é encarada durante as visitas de acompanhamento. As supervisoras foram orientadas sobre a forma como podem oferecer apoio emocional ou auxiliar as trabalhadoras durante as visitas, algo que pode promover a formação de vínculos com a mãe.
Também houve importantes lições acerca da atenção plena por parte das supervisoras, tendo estas sido lembradas da importância de cuidarem de si próprias, através de uma série de apresentações. Todas as profissionais de saúde têm um conjunto de casas com problemas particulares, e os professores disseram ao público de trabalhadoras e supervisoras em saúde que o facto de se autocensurarem por erros passados, ou deixarem que uma única experiência negativa se transforme em ansiedade em relação ao cumprimento de objetivos, irá afetar a sua capacidade de se relacionarem com as mães de outras casas.
As trabalhadoras foram igualmente incentivadas a prestar muita atenção aos desafios enfrentados por muitas mães que vivem em famílias numerosas. "É comum as mães sentirem-se ofendidas com conselhos parentais, especialmente se estes forem dados por um estranho dentro da sua própria casa", disse Rasheed aos participantes. “Mas quando uma profissional de saúde dedica tempo a ouvir uma mãe e a criar empatia em relação aos seus problemas, vemos que a mãe passa a sentir-se à vontade na sua presença. Uma mãe fica imediatamente mais recetiva às mensagens sobre saúde e muitas vezes imita o comportamento gentil e atencioso da profissional de saúde nas suas interações com a criança."
Estimulação da Aprendizagem Precoce
O segundo componente da intervenção envolveu as trabalhadoras e as supervisoras na aplicação dos elementos de uma abordagem compassiva com o intuito de apresentar os pais à EAP. As profissionais de saúde ficaram a conhecer as melhores técnicas para discutir a importância de interagir regularmente com uma criança e de estimulá-la através de atividades baseadas em brincadeiras. Os participantes assistiram a apresentações sobre como envolver uma criança em atividades enquanto esta toma banho ou come alimentos complementares. As profissionais e supervisoras também aprenderam como utilizar itens domésticos simples, como garrafas e pedras, para produzir brinquedos que captam a atenção de uma criança.
Incorporar uma cultura de compaixão
Desde a primeira sessão, os programas de acompanhamento têm sido realizados a cada dois meses, beneficiando, até ao momento, mais de 320 mulheres profissionais de saúde e 50 funcionários seniores, incluindo supervisoras. Os professores permanecem em contacto com as supervisoras para orientá-las a incorporar os componentes da compaixão nas suas avaliações das trabalhadoras e na atualização das descrições dos cargos de profissional de saúde, para garantir que estas práticas criam raízes no programa, a um nível mais global.
Os primeiros resultados do programa são positivos, com uma das trabalhadoras a notar uma mudança tão significativa na sua supervisora que teve de lhe perguntar se tinha voltado da peregrinação (Hajj).
"O sucesso do programa de mulheres profissionais de saúde reside no facto de os pais se recordarem e reproduzirem aquilo que as profissionais lhes ensinam durante as visitas", acrescentou Rasheed. “Os cuidados de saúde são uma ciência e uma arte, e a compaixão é uma ferramenta vital que pode criar confiança, manter a equipa da linha da frente comprometida com o melhoramento do nosso sistema de saúde e em ajudar a convencer as comunidades de todo o país a mudar as suas vidas para melhor.”
A intervenção ficou concluída em Fevereiro de 2020. O subsídio abrangeu sessões de capacitação em 10 uniões de municípios nos distritos de Umerkot e Tharparkar. A equipa está desejosa de aproveitar o sucesso da intervenção e procurar financiamento para a sua expansão para outras partes do país.
* Os nomes foram alterados para proteger a identidade dos intervenientes.
Este artigo foi publicado originalmente em 18 de Novembro de 2019 no site da AKU.