Quénia · 28 fevereiro 2023 · 6 Min
Waseema Khawaja, Diretora do Infantário da Academia Aga Khan de Nairobi, conta-nos o que mudou ao longo dos seus 26 anos de ensino, com foco nas ambições das raparigas e na importância de saírem das caixas em que são colocados tanto rapazes como raparigas.
Enquanto a filha mais velha de uma família numerosa, Waseema cresceu a ajudar os irmãos mais novos com os trabalhos da escola. Começou a ensinar mesmo antes de iniciar a sua licenciatura, dando explicações a crianças após as aulas. Especializou-se em educação nos primeiros anos na Universidade da África do Sul e levou o Infantário a tornar-se a primeira escola no Quénia autorizada a usar o Programa de Ensino Primário da International Baccalaureate (IB). A par com a sua função principal, é diretora do workshop da IB, liderando ainda as visitas de avaliação dos programas em escolas IB.
Quando era criança, sentiu alguma restrição ou atitude negativa em relação às raparigas que estudavam ciências, tecnologia, engenharia e medicina (STEM) durante a escola ou no ensino superior?
Supunha-se quase sempre que as mulheres deveriam fazer escolhas de carreira “mais simples”, como professoras, cozinheiras ou assistentes sociais, já que as carreiras em STEM foram criadas e eram dominadas por homens. Ninguém queria ferir o ego de um homem através da extrema inteligência de uma mulher. As mulheres tiveram de esconder a sua inteligência para se encaixarem na ideia de “mulher” que a sociedade havia criado para elas. É um estereótipo irracional; uma pessoa não tem de falhar para que outra tenha sucesso.
Estes estereótipos ainda persistem?
Até certo ponto, esta ainda é uma questão extremamente prevalente. Com cada vez mais raparigas a tornarem-se engenheiras, matemáticas e químicas, é seguro afirmar que tem havido um extremo desenvolvimento das mentalidades. No entanto, ainda vemos as mulheres que tiram estes cursos a serem consideradas pessoas audaciosas. Ainda que seja excecional as raparigas poderem fazer esta escolha, a sua decisão de quererem tirar estes cursos tem de ser normalizada.
As culturas, crenças e origens desempenham um papel importante nas expectativas profissionais de rapazes e raparigas, e muitas vezes estas crenças são-lhes impostas, independentemente da sua escolha pessoal. São dadas oportunidades às raparigas, mas a sua apreciação está ensombrada, pois existe ao mesmo tempo a expectativa de que têm de ser muito bem-sucedidas porque estão a fazer uma manobra “ousada” e a forte pressão social para serem pessoas polivalentes. Por isso, já foram levantadas as barreiras, mas ainda há um longo caminho antes de serem totalmente erradicadas.
Como é que a Academia continua a levantar as barreiras?
Nos infantários, quase não há consciência do significado de género e, portanto, existe uma inclusão a todos os níveis. Asseguramos que as profissões são ensinadas segundo uma abordagem não-baseada no género. Todas as crianças podem imaginar-se a serem chefs, atores, médicos ou engenheiros.
Os estereótipos entram em jogo a partir dos sete anos. Nessa altura é fundamental concentrarmo-nos ainda mais em fazer com que rapazes e raparigas entendam a importância de sair das caixas em que estão colocados; a tolerância há muito existente face aos estereótipos de género é o que acaba por criar uma fratura nas mentes dos jovens.
Os administradores escolares e os professores também se devem esforçar para propiciar estes ambientes no ensino secundário, sem preconceitos na linguagem usada ou na abordagem ao ensino, nem qualquer inferência subtil no sentido de estas disciplinas serem mais apropriada para rapazes. A criação de mais feiras de ciências para as raparigas participarem, e mais oportunidades para explorarem estas opções, como viagens a empresas de STEM, faz com que tudo pareça possível.
É importante que a questão do género seja retirada da equação no que diz respeito à inteligência, competências e capacidade de ter sucesso, e a única maneira de fazer isso é ter uma representação igualitária de género para tornar esta área o mais inclusiva possível. Quando uma mulher consegue trabalhar numa área profissional que é predominantemente masculina, isso mostra que o sistema pode ser reconstruído. Quando uma jovem olha para a presidente de um banco, ela não vê aquilo que as mulheres não devem poder fazer, mas sim aquilo que são capazes de fazer. E quando as jovens veem uma mulher como piloto, não sentem que é algo pelo qual terão de trabalhar excecionalmente mais, mas simplesmente uma carreira pela qual terão de trabalhar de forma igual em comparação com qualquer homem.
A minha coisa favorita no trabalho com as crianças é ser capaz de desenvolver as suas mentes e o seu pensamento para serem o mais diversificados e abrangentes possíveis. Podemos incutir-lhes bravura, audácia e força, de modo a moldar os indivíduos que serão no futuro. Nenhum outro trabalho nos cria este desafio, ao mesmo tempo que nos proporciona uma imensa alegria. É um trabalho onde aprendemos com as crianças tanto quanto elas aprendem connosco.
Que tipo de mundo imagina que será criado pelos seus atuais alunos?
Esta geração de crianças vai reinventar o significado de ser humano. A ideia de serem colocadas em caixas é algo que irão erradicar completamente. Isto ocorre porque a exposição atual que elas têm às redes sociais, as conversas que têm com os pais, as interações com os amigos e muito mais criam nelas uma consciência do mundo em que vivem, e elas percebem que este mundo não têm lugar para elas. O mundo que eu imagino a ser criado pelas crianças de hoje em dia é um mundo que permite a expressão livre, aberta e igualitária de personalidades e preferências. Elas irão criar a sua própria compreensão do mundo e criar empregos para si mesmas, uma vez que poderão não se encaixar nas posições que já existem.
Quais serão os desafios das crianças? O que lhe faz ter esperança nelas?
Acho que a maior força delas pode ser também o seu maior desafio. As crianças são capazes de encontrar o botão “ignorar anúncio” no YouTube antes de conseguirem falar claramente. A sua exposição às redes sociais fazem-nas ter mais curiosidade para saberem mais, falarem mais, terem mais. Isto cria muita pressão, pois na internet tudo parece desprovido de falhas. Elas podem sentir-se sozinhas por não terem a vida “perfeita” que veem e sentem que têm de atingir a excelência para se destacarem. Sentirem-se capazes e adequadas serão emoções difíceis de alcançar.
Contudo, o que me dá esperança para elas é saber que já não estão comprometidas com a identidade que o mundo criou para elas – estão a reinventar as suas próprias identidades. Também me dá esperança ver que o mundo acolhe a sua curiosidade e valida os seus pensamentos. Isto irá incentivá-las a pensar mais, aprender mais e partilhar mais.
Considero-me afortunada e honrada por estar numa área onde posso ver claramente as crianças que moldamos a tornarem-se os líderes de hoje e a estarem prontas a enfrentar o amanhã.