Reino Unido · 30 maio 2023 · 5 Min
A Professora Zayn Kassam, autora de trabalhos que vão desde modelos de desenvolvimento no Bornéu à questão de género no Islão, é também uma professora premiada, uma especialista em filosofia islâmica e indiana medieval e é atualmente diretora do Instituto de Estudos Ismaili e Coordenadora do seu Departamento de Investigação Académica e Publicações. Como é que uma estudante de literatura do Quénia acabou a trabalhar nas intersecções entre o Islão, o género, a filosofia e o ambiente?
Zayn começou a sua vida académica nas Escolas Primárias Aga Khan em Kisumu, Mombaça e Nairobi e na Escola Secundária Aga Khan em Nairobi. Com um sistema educacional herdado da Grã-Bretanha, era dada muita importância ao desempenho em exame. "Isto significava não apenas ter de tirar bastantes apontamentos e prestar atenção nas aulas, como também aprender bons hábitos de estudo e tornar a aprendizagem parte da rotina diária. Se uma pessoa estiver aberta a aprender coisas novas, vai manter-se envolvida, animada e vai aprender ao longo de toda a vida, pensando constantemente em novas formas de fazer as coisas.
“Quando estive lá, senti que essa abertura era estimulada. Em vez de a aprendizagem ser uma tarefa aborrecida, uma pessoa pode pensar: ‘Olha para este mundo incrível que temos – como posso descobrir a sua matemática? A sua física, ciência, estética?’
“Estávamos em aulas mistas com estudantes morenos e negros de todas as religiões. E essa mescla social derrubou a segregação das diferentes raças no Quénia durante o domínio colonial e lançou as bases para começar a erradicar o preconceito racial. A diversidade de credos também era maravilhosa: entre os meus colegas havia siques, hindus, parses, cristãos, sunitas, xiitas Ithna Ashari e ismailis Nizari e Bohra. Tratávamo-nos uns aos outros como amigos, sem nos importarmos se pertenciam a religiões diferentes ou se uns iam a correr descalços para a escola enquanto outros vinham de Mercedes-Benz. Isto promoveu um sentimento de aproximação entre as diferenças.”
Quando Zayn chegou aos anos mais avançados, o currículo já estava a ser descolonizado. “Lembro-me de ler literatura da África do Sul, do Quénia, da Nigéria, e isso era maravilhoso porque nos dava verdadeiramente uma sensação de nos podermos reconhecer na literatura que estávamos a ler.
"Tínhamos um professor fenomenal de inglês, o Sr. Elias. Era uma pessoa elegante, muito segura de si, que entrava na sala de aulas e começava a falar e nós ficávamos hipnotizados. Ele discutia o verdadeiro significado de Caliban e explicava a forma como ocorre a outrização, trazia à baila um poema de Yeats ao refletir sobre a Revolta da Páscoa. Ele ligava-nos a realidades que tinham por base a poesia e tentava ir além delas, de forma a revelar o destemido espírito humano. E o facto de ter começado a aperceber-me dos significados mais profundos foi em parte aquilo que me levou aos tipos de textos que estudei na universidade. Como posso fazer sentido da vida? Qual é a sua base, qual é o seu significado, quais são as suas finalidades e como é que os grandes pensadores pensaram sobre estas questões?"
Depois da escola, Zayn começou a estudar literatura no Canadá. Ao deparar-se com um verso desconhecido de Sylvia Plath, “através de um espelho embaçado”, e o seu professor lhe dizer que era da Bíblia, ela começou a pensar que outras referências lhe poderiam estar a escapar. Ela decidiu mudar para estudos religiosos para enriquecer a sua compreensão da literatura.
“Quando comecei a frequentar os cursos de estudos religiosos, vi que vários dos meus interesses estavam a convergir: o amor pela literatura, porque obviamente os textos sagrados são textos literários; a filosofia, com as questões sobre o sentido da vida que também abordamos nos estudos religiosos; e baseamo-nos na história porque nenhuma ideia surge do nada. A literatura e a filosofia abordam as condições reais em que as pessoas vivem. Concentrei-me na filosofia islâmica para o meu mestrado e depois na filosofia islâmica e indiana para o meu doutoramento.”
Seis anos após a licenciatura, quando Zayn estava a trabalhar no Pomona College, na Califórnia, aconteceram os ataques de 11 de Setembro e ela viu-se a ser cada vez mais solicitada a educar as pessoas acerca do Islão. “Isso levou-me a realizar investigação académica pública e percebi com isso que a sala de aulas também é um espaço de ativismo, onde podemos fazer algo relativamente à ignorância e aos preconceitos que as pessoas têm acerca do Islão e dos muçulmanos.
“Sempre tive interesse pelo ambiente, despertado em parte pela Fundação Bellerive do príncipe Sadruddin. Mas depois do 11 de Setembro, comecei a ler bastante sobre a política do Médio Oriente e o que levou a um ato tão horrível como aquele, e deparei-me com a importância da energia para a produção. E ler sobre o petróleo ajudou-me a perceber que, na verdade, as alterações climáticas e a degradação ambiental são uma ameaça muito maior à preservação da vida neste planeta. Isso levou-me a ministrar cursos sobre religião e ambiente, porque é algo a que temos mesmo de prestar atenção.
"Os estudos ambientais e de género são obviamente onde se encontram mais desigualdades e questões de justiça. Por isso não é surpresa que tenha acabado como Reitora Associada para a Diversidade, Igualdade e Inclusão em Pomona. E depois o Instituto descobriu-me e trouxe-me para cá, dando-me uma oportunidade mais direta de servir a nossa comunidade.
“Recordo os meus dias nas Escolas Aga Khan e penso: Eu poderia facilmente ter sido aquilo a que chamam uma rapariga 'em risco', nascida naquilo que se chamava na altura o ‘terceiro mundo’. Creio que não poderia ter tido o percurso de vida que tive e ter feito as coisas que fiz e ter ensinado numa das melhores faculdades de artes liberais dos Estados Unidos e ter acabado aqui se não tivessem sido as bases muito sólidas que o sistema das Escolas Aga Khan me concedeu. Os meus colegas de turma ensinaram-me a sentir-me confortável entre pessoas provenientes de diversas culturas e classes económicas, e as minhas aulas conferiram-me um amor pela aprendizagem e uma forte ética de estudo. Se não fosse pelas coisas que aprendi dentro e fora da sala de aulas, e pelos professores incríveis que tive, nada disso teria sido possível da mesma forma como foi.”