Fundação Aga Khan
Quénia · 9 janeiro 2024 · 6 Min
Quando Teresia Muni Gichobi começou a ter problemas de saúde, a última coisa de que suspeitou foi que os produtos químicos que usava na sua quinta pudessem ser os culpados.
Teresia, de 60 anos, que nunca teve problemas de saúde, começou a sentir uma falta de ar tão grave que a levava a hospital quase todos os meses.
"Eles davam-me medicamentos e aconselhavam-me a não usar produtos químicos", disse.
Depois da morte do marido de Teresia há cinco anos, ela assumiu as responsabilidades agrícolas na quinta do casal com um hectare no condado de Kirinyaga, no Quénia. Para eliminar o aumento da prevalência de pragas e doenças na quinta, Teresia começou a usar pesticidas químicos em quase tudo o que cultivava — café, bananas, abacate, nozes de macadâmia e couve —, mas nem sempre eram eficazes.
Embora o sector agrícola no Quénia contribua com 31% do PIB do país e empregue 80% da população rural, a segurança alimentar e a produtividade agrícola estão limitadas por fatores socioeconómicos, tecnológicos e naturais. A degradação ambiental, exacerbada pelas alterações climáticas, tem levado a padrões climáticos imprevisíveis, secas frequentes, cheias violentas e ao aumento de pragas e doenças.
Muitos pequenos agricultores como Teresia têm dificuldades em fazer face a estes efeitos climáticos. Embora estes recorram habitualmente a fertilizantes químicos e pesticidas sintéticos, este método é insustentável, pois os agricultores têm muitas vezes de aumentar o seu uso ao longo do tempo, levando à destruição ambiental e a riscos para a saúde.
“As minhas plantas nunca estiveram tão saudáveis”
Como resposta a esta situação, a Fundação Aga Khan (AKF) e os Serviços de Promoção Industrial (IPS) / Frigoken lançaram o Projeto Maendeleo. O projeto-piloto de dois anos engloba o apoio a mais de 2000 pequenos agricultores quenianos no condado de Kirinyaga para que melhorem as suas técnicas agrícolas e façam a transição para uma agricultura regenerativa capaz de fortalecer a sua resiliência climática.
Através do Projeto Maendeleo, a AKF já formou 15 Defensores do Ambiente – jovens locais que obtêm as competências necessárias para se tornarem consultores. Estas competências são úteis aos Defensores do Ambiente para lá da vida útil dos projetos Maendeleo, criando oportunidades de emprego de longo prazo e reconstruindo serviços de apoio técnico e extensão agrícola na região para os agricultores. Os Defensores do Ambiente trabalham individualmente com os agricultores e em grupos através de escolas de agricultura para apoiar a sua transição para a agricultura regenerativa.
Um encontro fortuito com um Defensor do Ambiente mudou a vida de Teresia.
Obed Mutenyo ia a caminhar por uma estrada quando reparou numa quinta com milho infetado com lagarta-do-cartucho. Obed bateu à porta da quinta, apresentou-se a Teresia e explicou que poderia ajudá-la a melhorar a saúde das suas plantas, oferecendo-se para regressar com uma solução.
No dia seguinte, Obed voltou à quinta de Teresia com um biospray caseiro para combater as infeções nas plantações causadas por pragas. Ele começou a ensinar Teresia a criar o seu próprio biospray, biofoliar e biofungicida orgânico usando materiais que já tinha na sua quinta. Teresia ficou admirada ao descobrir que podia usar ingredientes como estrume de vaca, açúcar, cinzas, folhas de plantas e ervas-daninhas que cresciam na sua quinta para criar alternativas a sprays químicos caros e prejudiciais.
"Eu já tinha experimentado produtos químicos, mas uma semana depois de o Obed ter cá vindo [e usado o biospray], vi logo as mudanças", partilhou Teresia.
Ela não foi a única a reparar. Um por um, os vizinhos de Teresia começaram a bater-lhe à porta, a perguntar o que é que ela tinha feito para melhorar a saúde do seu milho, uma vez que eles enfrentavam problemas semelhantes.
"Eu sabia que não poderia ensiná-los tão bem quanto o Obed, então disse que ia ligar-lhe para nos encontrarmos todos depois da igreja", contou Teresia.
Em poucos dias, Teresia reuniu os seus vizinhos para um curso vespertino com Obed sobre técnicas agrícolas regenerativas que visam enfrentar os efeitos relacionados com o clima.
Ao longo do último ano, estas práticas têm vindo a melhorar drasticamente a sua produção agrícola. Teresia, que disse que as suas plantas nunca estiveram tão saudáveis, está a observar um aumento nas suas colheitas. Depois de ter produzido 3000 quilos de vagens de café no ano passado, Teresia prevê produzir 5000 quilos este ano.
Além disso, Teresia poupou dinheiro ao deixar de comprar sprays químicos, e os seus rendimentos também são maiores, pois a produtividade tem aumentado. Ela usou os lucros adicionais para contribuir para as despesas de educação dos seus netos e comprou galinhas, que são uma fonte de rendimento suplementar.
Um dos impactos mais significativos que Teresia sentiu foi a melhoria da saúde. Ela deixou de ter dificuldade em respirar.
"Estou muito feliz com o progresso que vi... [e] por os meus vizinhos estarem a fazer o mesmo", afirmou Teresia. "Enquanto aldeia, podemos progredir em conjunto."
Competências para toda a vida
Ao fundo da rua de Teresia, o produtor de café Simon Gitari Nyaga também está a experienciar o impacto positivo da agricultura regenerativa depois de anos de problemas agrícolas relacionados com o clima.
"Assisti a muitas mudanças ao longo dos anos", disse Simon, 65 anos, que tem sido agricultor toda a vida.
Devido à alteração dos padrões climáticos, as manhãs no condado de Kirinyaga podem ser frescas, disse Simon. As bagas de café, que são o fruto dos cafeeiros, estão normalmente cobertas de orvalho, o que contribui para infeções fúngicas e bacterianas. Estas infeções tornam as bagas de café castanhas e pretas, em vez de vermelhas, tornando-as impróprias para a colheita.
Em 2019, Simon colheu quase 9000 quilos de bagas de café na sua quinta de 6000 metros quadrados, mas em 2022, colheu menos de 5000 quilos, já que muitas das bagas de café estavam infetadas.
A seca prolongada na África Oriental tem levado à escassez de água e a solos secos. O rio perto da casa de Simon – a sua principal fonte de água – começou a secar. Embora Simon tenha um tanque de água com reserva, muitos dos vizinhos não têm.
"As alterações climáticas estão a ter efeito e está a afetar-nos muito", disse Simon. "Agora precisamos de outras estratégias."
Ele desenvolveu essas estratégias depois de conhecer Dorothy Mwende, uma Defensora do Ambiente que passou pela quinta de Simon e se ofereceu para apoiá-lo na transição para a agricultura regenerativa. Dorothy começou a ensinar Simon a usar materiais facilmente disponíveis para fazer os seus próprios pesticidas naturais e estrume.
De acordo com Simon, o estrume que ele agora produz é mais rico nutricionalmente do que aquele que ela costumava comprar e ajuda as suas plantas a crescer mais rápido. Por ter deixado de comprar estrume e produtos químicos, Simon poupa aproximadamente 150 000 xelins quenianos (cerca de 863 euros) por ano.
De acordo com Elizabeth Maina, Conselheira Regional para a Resiliência Climática da Fundação Aga Khan, o objetivo do Projeto Maendeleo "não é apenas tentar que os agricultores deixem de usar pesticidas".
Ao longo do tempo, a agricultura regenerativa irá restaurar a saúde dos solos e a biodiversidade irá regressar, ao passo que os agricultores irão experienciar impactos sociais e económicos e manter os seus conhecimentos e competências recém-adquiridos para toda a vida, explicou Elizabeth.
Para além do Projeto Maendeleo no Quénia, a AKF está a apoiar a transição dos agricultores da agricultura convencional para a agricultura regenerativa em países como a Índia, o Paquistão, o Tajiquistão, o Quirguistão e a Síria.
"As técnicas de agricultura regenerativa são uma solução que, depois de ser oferecida aos agricultores, não pode ser retirada", disse Elizabeth.
Tal como Teresia, Simon começou a falar aos amigos da agricultura regenerativa. Ele ensinou 10 amigos a fazerem biosprays e biofoliar. Como resultado disso, eles também obtiveram melhorias na saúde dos solos e das culturas, uma melhor nutrição, uma maior produtividade e uma maior economia financeira.
"Com o uso destas soluções baseadas na natureza, sinto que podemos criar uma mudança", disse Simon. "Se todos os agricultores mudarem os seus hábitos e adotarem estas soluções, sinto que podemos reverter as alterações climáticas."
Por Jacky Habib, jornalista freelancer sedeada em Nairobi que faz reportagens sobre justiça social, e questões humanitárias e de género. O seu trabalho já foi publicado na NPR, Al Jazeera, VICE, Toronto Star e outros.
Saiba mais sobre a forma de reforçar a resiliência climática através da agricultura regenerativa no The Learning Hub da Fundação Aga Khan.