Fundação Aga Khan
Madagáscar · 25 julho 2024 · 6 Min
Sandra espalha um lençol colorido no chão da sua casa antes de dispor pratos, utensílios e panelas. O marido, Jean Aimé, e os filhos, Andoniaina, de 10 anos, e Mirindra, de cinco, também se sentam no lençol, aguardando pacientemente a sua vez de lhes ser servido o almoço.
No menu de hoje: uma sopa de vegetais substancial feita de cenoura, cebola, batata, feijão-verde e curgete, acompanhada de arroz.
Comer uma refeição nutritiva como esta é algo relativamente novo para os Randrianjatovos, que vivem nos arredores de Ambatolampy, uma cidade localizada nas Terras Altas Centrais de Madagáscar. Tal como 80% das famílias no país, os Randrianjatovos são agricultores. Com padrões climáticos imprevisíveis devido às alterações climáticas, a colheita da família – e, em consequência, as suas dietas – têm sofrido um impacto negativo.
Até há alguns meses, Sandra raramente incluía vegetais nos seus cozinhados. Isso mudou depois de participar numa sessão de formação em que aprendeu a cultivar vegetais num clima cada vez mais imprevisível, permitindo à família cultivar mais vegetais e melhorar a sua nutrição. A formação também incluiu demonstrações de cozinha nas quais Sandra aprendeu a incorporar mais alimentos ricos em nutrientes nas refeições da sua família.
Desde que passaram a diversificar a sua dieta, Sandra diz que os seus familiares estão mais enérgicos. "Eu vi as mudanças", diz Jean Aimé. "Anteriormente, os nossos filhos costumavam adoecer, mas desde que passámos a comer vegetais com mais frequência, vemos que estão de boa saúde."
Arroz, segurança alimentar e alterações climáticas
O arroz é cultivado em Madagáscar há séculos. É um pilar na dieta de crianças e adultos. Apesar do seu valor nutricional limitado, é normal comer o grão amiláceo três vezes ao dia. As proteínas como frango ou carne são inacessíveis para a maioria e, tradicionalmente, os vegetais raramente são cultivados e consumidos.
Como consequência, Madagáscar tem a quarta maior taxa de subnutrição crónica a nível mundial, afetando mais de metade das crianças do país. De acordo com a Organização Mundial da Saúde, quase metade dos óbitos de crianças com menos de cinco anos se deve à subnutrição. Um estudo publicado no início deste ano pela Universidade de Cambridge classifica isto como uma emergência.
A situação tem sido exacerbada pelas alterações climáticas. Nos últimos anos, Madagáscar tem experienciado temperaturas mais elevadas, défices de precipitação durante as estações agrícolas, épocas de escassez mais longas e choques climáticos ao longo de todo o ano. Os ciclones, cheias e tempestades de areia estão a aumentar em frequência e gravidade, levando a colheitas abaixo da média. De acordo com o Fundo Monetário Internacional, uma em cada três pessoas (8,8 milhões de pessoas) sofre de insegurança alimentar.
Demonstrações de cozinha focadas na nutrição
Nos últimos meses, Sandra e outras mulheres da sua aldeia têm participado em demonstrações de cozinha para aprenderem a preparar alimentos ricos em nutrientes, como sopa e leite de soja. Estas fazem parte de uma iniciativa liderada pela Fundação Aga Khan (AKF) – através da sua filial local Organisation de Soutien pour le Développement Rural à Madagascar (OSDRM) – que visa combater a subnutrição e apoiar as comunidades a desenvolverem a sua resiliência face às alterações climáticas pelas quais estão a passar.
Em 2022, a AKF começou a trabalhar com voluntários de saúde comunitária para oferecer formação nutricional nas aldeias. Depois de ensinarmos a outras pessoas os aspetos teóricos da nutrição e da diversificação alimentar, “pomo-la imediatamente em prática”, diz Léa Raharinomenjanahary, uma das voluntárias, acerca das demonstrações.
“Aqui no meio rural, as pessoas podem comer batata-doce como refeição, ou podem combiná-la com inhame, que lhes dá nutrientes semelhantes." “Dizemos-lhes que deve haver um mínimo de três ingredientes em cada refeição e recomendamos que consumam cinco ingredientes diferentes durante o dia.”
Através das demonstrações, Sandra e os outros participantes, como a sua vizinha Perle, ficam a conhecer alguns tipos de vegetais pela primeira vez. Perle ficou desagradavelmente surpreendida ao descobrir o poder das cebolas em fazê-la chorar
."As cebolas atacam os olhos ”, diz ela, com os olhos lacrimejantes enquanto corta uma cebola. "Fazem-nos chorar, mas são muito deliciosas."
Léa diz que as receitas que ensina “nem sempre são a forma tradicional de cozinhar”, mas ao modificar ligeiramente a forma como cozinham, as famílias podem obter ganhos nutricionais significativos ao longo do tempo. Por exemplo, em vez de comer batata-doce cozida ao almoço, Lea ensina as mulheres a cozinharem um ensopado de batata-doce adicionando ingredientes locais simples, como amendoim.
Essa foi uma das receitas que Sandra aprendeu e preparou para a sua família. Jean Aimé gostou tanto que lhe pediu que lha ensinasse, para que ele pudesse também cozinhá-la para a família. Anteriormente, o casal não fazia ideia de que pequenas mudanças como esta poderiam trazer resultados positivos para a nutrição da sua família.
“Sem conhecimento e educação, muitas vezes não conhecemos os benefícios de certas culturas e vegetais que estão à nossa disposição”, diz Etienne Andriamampandry, Diretor de Parcerias da AKF em Madagáscar. “É por isso que estamos a trabalhar com o programa nacional de nutrição em Madagáscar para ensinar as comunidades rurais acerca dos benefícios nutricionais das culturas que já existem nas suas regiões e daquelas que podem facilmente cultivar neste clima.”
Inclusão financeira, fontes de rendimento sustentados
Sandra, que diz que as demonstrações de cozinha mudaram radicalmente a forma como a sua família come, teve acesso a elas através da sua participação num grupo comunitário de poupança (GCP).
Desde 2011, a AKF já apoiou a criação de quase 3700 GCP em Madagáscar. Conhecidos em todo o mundo por vários nomes, como associações de poupança e empréstimo de aldeia ou sociedades cooperativas de poupança e crédito, estes grupos oferecem uma forma alternativa de aceder a serviços bancários para pessoas que normalmente não têm conta bancária. Através destes grupos, que podem ter até 30 membros da mesma aldeia, os indivíduos contribuem com poupanças semanais, das quais podem ser retirados empréstimos – para emergências de saúde, para comprar livros escolares ou para ajudar a criar um negócio, por exemplo – com taxas de juro estabelecidas pelos membros.
Perle – Membro do GCP e do grupo de cozinha
Além disso, os membros dos GCP podem ter acesso a formação valiosa em tópicos que os ajudem na sua saúde e meios de subsistência, uma vez que servem como um ponto de entrada para a AKF ter acesso a pessoas que vivem em extrema pobreza e lhes proporcionar serviços e apoio adicionais.
Por exemplo, Sandra e Perle receberam formação em técnicas de agricultura regenerativa que as ajudaram a passar de produtos químicos para biopesticidas e biofertilizantes caseiros, o que melhorou a qualidade dos seus vegetais e da sua saúde. Elas também aprenderam novas técnicas agrícolas que as ajudaram a aumentar a variedade das culturas que cultivam, incluindo culturas resistentes ao clima, e a melhorar a sua dieta.
“No início, plantávamos apenas arroz no nosso terreno”, explica Perle. “Fomos aconselhados [durante a formação] a cultivar feijão, arroz e milho. Ensinaram-nos a plantar três culturas ao mesmo tempo... Agora podemos ter mais colheitas e de melhor qualidade."
As suas famílias beneficiam não só de uma maior segurança alimentar, mas também de melhores fontes de rendimento, uma vez que vendem o excesso das colheitas nos mercados locais. Para alguns, esta é a primeira experiência que têm de ganhar dinheiro suficiente para comprar carne ou investir na educação dos seus filhos, algo que suporta o desenvolvimento holístico a longo prazo.
"Estou feliz porque posso pagar as propinas das crianças e comprar as coisas necessárias para o nosso dia-a-dia", diz Sandra.
A Fundação Aga Khan implementa programas em Madagáscar através da sua filial local, a Organisation de Soutien pour le Développement Rural à Madagascar (OSDRM).
Escrito por Jacky Habib, jornalista freelancer sedeada em Nairobi que faz reportagens sobre justiça social, e questões humanitárias e de género. O seu trabalho já foi publicado na NPR, Al Jazeera, VICE, Toronto Star e outros. Leia mais em: www.jackyhabib.com