Agência Aga Khan para o Habitat
Paquistão · 7 junho 2023 · 1 Min
"Disseram-nos para ficarmos em locais frescos e não nos expormos ao calor", disse Ghulam Hussain, residente em Karachi. “Mas a eletricidade vai e vem. Quando falta a luz, vamos para as mesquitas. Alguns vão para os cais para apanhar um ar mais fresco. Mas para onde poderão ir as mulheres se saírem de casa?”
Um dia em 2015, Ghulam regressou a casa da mercearia e encontrou a sua esposa, Razia Bano, desmaiada. Viria a morrer de um golpe de calor, como mais de mil outros moradores de Karachi nesse ano.
As ondas de calor são mais fortes nas cidades, onde a energia usada pelos edifícios, os veículos e até a concentração de pessoas geram calor. Aqui, a vegetação absorvente de água, típica das áreas rurais, é substituída por superfícies duras e muitas vezes escuras, como betão e asfalto, que refletem os raios do sol na forma de calor. A concentração de edifícios reduz a circulação do vento e, em conjunto com uma maior humidade na forma de vapor de água, retém o calor e os poluentes perto do solo à noite, em vez de permitir que estes subam para a atmosfera. Como resultado, as temperaturas nas cidades podem ser cinco graus mais elevadas do que nas áreas circundantes. O calor e a poluição não só causam golpes de calor como aumentam as taxas de problemas cardiovasculares e respiratórios.
Este efeito de ilha de calor urbana estende-se para lá da cidade. A temperatura favorece a presença de insetos portadores de doenças, e a água mais quente que corre para outros rios prejudica as espécies de peixes de águas mais frias. Os incêndios, os sistemas energéticos sobrecarregados e a perda de horas de trabalho contribuem para a redução da produtividade a nível nacional.
O Banco Mundial prevê que até 2050 quase 70% das pessoas irão viver em cidades, duplicando a população urbana atual e agravando o problema.
Dr. Vishal Garg, Reitor para o Ensino e a Investigação da Universidade de Plaksha
O Dr. Afsheen Ehtisham trabalha nos centros de saúde geridos pelos Serviços Aga Khan para a Saúde em Rahimabad e Salimabad, em Karachi. Durante Maio e Junho, cerca de metade dos seus pacientes apresentam sintomas relacionados com o calor, desde erupções cutâneas, dores de cabeça e tonturas, até vómitos intensos e temperaturas de 40,5 °C ou desmaios.
“Se for necessário, encaminhamo-los diretamente para um hospital terciário. Caso contrário, baixamos a temperatura corporal, usando ventiladores, compressas de gelo e uma linha intravenosa, se necessário. Devemos educar as populações através dos centros comunitários de toda a parte antes do início da estação quente. As empresas que contratam trabalhadores também devem receber formação para não obrigá-los a trabalhar ao ar livre durante os períodos de maior calor. Temos de trabalhar para sobreviver, mas podemos tomar medidas como esta para evitar os golpes de calor.”
O Dr. S. M. Talha Arshad, do Centro de Saúde Aga Khan de Karimabad, em Karachi, diz que, em Junho e Julho, a temperatura no sul do Paquistão ultrapassa os 50 °C, com mais de 2000 mortes por desidratação registadas todos os Verões em todo o Paquistão:
“A prevenção é muito importante. O Hospital da Universidade Aga Khan tem uma campanha muito ativa nas redes sociais e os AKHS também colocam cartazes às portas das clínicas. Eu uso qualquer oportunidade de contacto com os pacientes para lhes dar dicas – não sair entre as 11h e as 16h nem passar muito tempo dentro do carro, não usar roupas escuras, apertadas ou sapatos pretos, beber água e sumos, usar óculos escuros e guarda-sóis – e dizer-lhes quando devem entrar em contacto com um profissional de saúde. É benéfico não só para eles como também para as famílias.”
A Agência Aga Khan para o Habitat também está a levar a cabo programas de sensibilização para a proteção contra ondas de calor, formando voluntários nas comunidades para ajudarem a espalhar a palavra. Mas a mitigação do calor urbano, em vez de uma mera adaptação ao fenómeno, exige trabalhar com a paisagem.
David Boyer, antigo Diretor Sénior para o Ambiente da AKDN, foi fundamental na integração das prioridades face às alterações climáticas no trabalho da organização. “É bom pensar numa solução global, mas é preciso pensar que demorámos mais de cem anos a chegar aqui. Provavelmente vamos levar mais cem anos a reverter a situação se começarmos a tomar medidas agora.”
David está convencido de que as respostas podem ser encontradas na sociedade civil. “Mal podemos esperar pelos decisores políticos. A vida das pessoas está em perigo neste momento. É importante que as agências de desenvolvimento, as comunidades e as cidades tomem medidas de âmbito local e façam o que puderem para garantir que as pessoas possam sobreviver no futuro.
“É um processo cumulativo de muitas pequenas ações. Derrubámos a maioria das nossas árvores em zonas urbanas para criar espaço para mais estradas e mais desenvolvimento. Mas, ao reinstalar as infraestruturas verdes: telhados ecológicos [cobertos com vegetação sobre uma membrana à prova de água], jardinagem em telhados, refrigeração através da energia solar, podemos tornar as áreas urbanas mais habitáveis. Boa parte do trabalho do Fundo Aga Khan para a Cultura, como o Parque Al-Azhar, integra infraestruturas verdes em áreas urbanas.”
"O Parque Al-Azhar, com uma área de cerca de 33 hectares numa metrópole densamente povoada, oferece um lugar onde os cidadãos podem apreciar uma beleza serena, encontrar um abrigo do calor do verão e respirar ar puro no meio de uma vegetação que sequestra o equivalente a 750 toneladas de dióxido de carbono por ano."
Príncipe Rahim Aga Khan
A AKAH tem vindo a realizar investigações baseadas em ações práticas na Índia no sentido de explorar formas de reduzir o efeito das ilhas de calor urbanas. Já plantou cerca de 35 000 árvores em Rajkot, Junagadh, Bombaim e Jetpur, usando o método Miyawaki rápido, natural e rico em biodiversidade para reflorestar terrenos degradados. As organizações parceiras estão a proteger, a regar e a adicionar mais plantas, algumas das quais já atraíram pavões, falcões e borboletas.
A AKAH também tem experimentado materiais mais frescos nos telhados e mosaicos de porcelana num conjunto habitacional com 3600 residentes em Kompally, Hyderabad, com o objetivo de testar soluções num cenário real, utilizando apartamentos com diferentes padrões de ocupação, designs, orientações, níveis de rendimento e condições no local. Estabeleceu uma parceria com o Instituto Internacional de Tecnologias de Informação de Hyderabad para avaliar os resultados. (Saiba mais sobre os telhados arrefecidos no vídeo abaixo)
Shabnam Gilani, moradora no conjunto habitacional
“A AKAH planeia trabalhar com as cidades de Maharashtra para avaliar a intensidade e os efeitos das ilhas de calor urbanas nas comunidades e demonstrar novas medidas de mitigação. Pretendemos construir um conjunto de provas a partir de uma investigação independente com vista a servir de base e a fortalecer as Diretrizes de Construção Ecológica da AKDN", diz Prerana Langa, Presidente da AKAH Índia.
mais 2 graus = 14 vezes mais ondas de calor
Se a Terra ficar 2 °C mais quente, o Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas espera que ocorram até 14 vezes mais ondas de calor do que as que se verificaram entre 1850 e 1900. Mas com o degelo dos glaciares a causar inundações, as chuvas excessivas a provocarem deslizamentos de terras e a danificarem infraestruturas, as secas a afetarem as colheitas e o nível da água do mar a subir, as ilhas de calor urbanas são apenas uma fração das crises existenciais que as alterações climáticas estão a causar junto de muitas das comunidades com as quais a AKDN trabalha. Há décadas que as nossas agências ajudam as comunidades a adaptarem-se, desde a distribuição de sementes resistentes ao clima até à modernização de edifícios resistentes a riscos naturais.
Projetos como a plantação de árvores para absorver o calor, a instalação de painéis solares para reduzir os gases de efeito de estufa libertados na atmosfera e o desenvolvimento de diretrizes para edifícios ecológicos que trabalhem com as áreas circundantes para reduzir a necessidade do uso de energia visam contribuir para um futuro sustentável. O desenvolvimento deve proporcionar às comunidades uma melhor qualidade de vida, reduzindo ao mesmo tempo as contribuições humanas para as alterações climáticas.