Fundação Aga Khan
Madagáscar · 10 julho 2024 · 5 Min
Há dias em que Randriamitantsoa se pergunta quando é que irá chover. Noutros dias, a chuva é abundante – algo que também pode ser um problema.
“No dia seguinte, o solo vai estar muito seco. Não sabemos porquê”, diz o agricultor de arroz de quarta geração que vive nas Terras Altas Centrais de Madagáscar.
O agricultor de 56 anos, que trabalha na agricultura desde a infância, tem assistido a mais mudanças no clima ao longo dos anos do que aquelas que é capaz de recordar, tendo criado um impacto devastador na sua família de seis pessoas, para quem o dia-a-dia já era um desafio.
“Somos filhos de agricultores e vivíamos com dificuldades. Não arranjávamos comida suficiente para comer”, afirma, revelando que a dieta da família consistia normalmente numa refeição de arroz por dia. “Tentámos encontrar soluções para melhorar a nossa vida, para lutarmos contra a pobreza.”
Tal como Randriamitantsoa, os agricultores de Madagáscar têm tido problemas em adaptarem-se naquele que é o quarto país mais vulnerável do mundo às alterações climáticas, de acordo com a ONU.
Randriamitantsoa
"Existem grandes mudanças ambientais", diz Randriamitantsoa. “Quando era criança, ocasionalmente caía um pouco de granizo. Hoje em dia, pode cair granizo ao longo de todo o ano.”
O aumento das temperaturas, as secas recorde e os choques relacionados com o clima – incluindo uma média de três ciclones por ano – deixaram extremamente vulneráveis as comunidades mais carenciadas do país. Em Madagáscar, 80% da população é muito pobre e 85% tem na agricultura a sua principal atividade de subsistência, uma intersecção que evidencia a relação entre os problemas na agricultura e a pobreza.
Etienne Andriamampandry, Diretor de Parcerias da AKF em Madagáscar, que trabalha através da agência local Organisation de Soutien pour le Développement Rural à Madagascar (OSDRM), explica que as condições climáticas do país, incluindo a pluviosidade irregular, contribuem para uma estação de escassez prolongada – um período de baixa produção de colheitas – a qual representa um “enorme obstáculo” à produtividade dos agricultores, levando a rendimentos baixos.
Randriamitantsoa sentiu-o na pele. Embora a sua família tenha acesso a água de poço para uso doméstico, a família "espera pela chuva" para regar os seus 10 hectares de terrenos agrícolas. Nos últimos anos, a estação das chuvas tem chegado atrasada até um mês, o que afeta a dieta, a saúde, o rendimento e a segurança da família.
Implementar a agricultura regenerativa
Para ajudar os agricultores a enfrentar os efeitos climáticos, a AKF codesenvolveu o Sistema Zanatany de Arroz orgânico em conjunto com pequenos produtores de arroz em Madagáscar através de experimentação repetitiva. O sistema promove soluções baseadas na natureza para o cultivo, a pecuária e a silvicultura que restauram os solos e a água, e melhoram a biodiversidade, ao mesmo tempo que aumentam os rendimentos.
Didier Van Bignoot, Conselheiro Global da AKF para a Agricultura, Segurança Alimentar e Resiliência Climática, explica a importância de uma abordagem colaborativa da base para o topo no desenvolvimento destas técnicas agrícolas regenerativas.
“Os cientistas ou investigadores não são os únicos especialistas. Os agricultores estão na vanguarda das alterações climáticas – são os nossos mentores. Nada teria sido possível sem eles”, diz.
O sistema, lançado em 2017, é uma alternativa ao Sistema de Intensificação de Arroz (SIA) mais comum e intensivo ao nível da mão-de-obra. Através do sistema Zanatany, os agricultores semeiam diretamente as plantas de arroz na terra, em vez de transplantar mudas cultivadas em viveiros, permitindo uma colheita duas a três semanas mais cedo. O sistema usa menos 80% de sementes, ajudando a reduzir os custos e o trabalho, particularmente para as mulheres que normalmente gerem os viveiros e transplantam as mudas.
O Sistema Zanatany de Arroz, que inclui o uso de 100% de matérias-primas locais e naturais, minimiza a perturbação dos solos e maximiza a biodiversidade através de táticas que incluem associações complexas de culturas. O sistema já chegou a mais de 116 000 pessoas em Madagáscar, mais de metade das quais são mulheres, ajudando os agricultores a poupar uma média de 20% dos seus gastos com matérias-primas. Até 2030, a AKF planeia apoiar até cinco milhões de agricultores em África na adoção de princípios de agricultura regenerativa.
A flexibilidade do Sistema Zanatany de Arroz, eficaz em qualquer tipo de terreno, permite que os agricultores “escolham o que querem fazer primeiro e que o vão melhorando gradualmente. [Os agricultores] podem começar com um ou dois princípios e irem-se desenvolvendo a partir daí”, partilha Van Bignoot.
Produtividade aumentada, meios de subsistência melhorados
À medida que Randriamitantsoa foi praticando os princípios do sistema Zanatany, como incorporar biochar no seu adubo para melhorar o solo, ele reparou que as suas plantas de arroz estavam a tornar-se viçosas e saudáveis. Começou a fazer os seus próprios biofertilizantes e biopesticidas em vez de depender de produtos químicos. “O solo foi-se tornando mais fértil à medida que foi absorvendo mais nutrientes e os nossos rendimentos começaram a aumentar”, diz. Depois de ter deixado de usar produtos químicos, Randriamitantsoa observou também uma melhoria na saúde da esposa.
Através do sistema Zanatany, os agricultores como Randriamitantsoa reforçam a sua adaptação às alterações climáticas, que é um dos principais objetivos da política nacional do país para 2030 ao nível do combate às alterações climáticas.
Embora os agricultores da aldeia de Randriamitantsoa plantassem habitualmente o arroz espalhando sementes à mão, ele aprendeu que plantar arroz em filas seria mais eficiente. Assim que as plantas de arroz estiverem suficientemente maduras para que os campos possam ser drenados, podem ser cultivadas ao lado do arroz uma série de outras culturas, incluindo vegetais.
“Antes de nos juntarmos ao projeto, cultivávamos apenas arroz, batatas e alguns feijões numa pequena parcela de terreno. Agora, [também] cultivamos milho, soja, alho-francês, feijão-verde, cenoura e beringela", diz Randriamitantsoa.
O aumento na produtividade das colheitas de Randriamitantsoa e a diversificação das culturas resultaram num incremento acentuado dos seus rendimentos. Anteriormente, Randriamitantsoa ganhava 500 000 ariaris malgaxes (cerca de 102 euros) por ano com a venda do arroz e dos legumes que sobravam depois de alimentar a sua família. Atualmente, ele ganha esse valor num trimestre. Para além disso, poupa 400 000 ariaris malgaxes (cerca de 82 euros) por ano, dado que já não compra pesticidas químicos. Face ao rendimento per capita de 538 dólares em Madagáscar, estes excedentes de rendimento e estas poupanças mudam a vida dos agricultores.
"Anteriormente, tínhamos dificuldade em pagar as propinas da escola, mas agora já não temos esse problema", diz Randriamitantsoa. “Como temos algum dinheiro, mudaram as coisas com as quais acompanhamos o arroz. Podemos comprar carne ou peixe. O dinheiro que gastávamos em produtos químicos gastamos agora em alimentos.”
Saiba mais sobre os princípios do sistema Zanatany de agricultura regenerativa.
Por Jacky Habib, jornalista freelancer sedeada em Nairobi que faz reportagens sobre justiça social, e questões humanitárias e de género. O seu trabalho já foi publicado na NPR, Al Jazeera, VICE, Toronto Star e outros.