Holofote
Paquistão: Empreendedorismo verde em tempo de crise
Paquistão · 28 novembro 2024 · 1 Min
Em criança, Salam Hazar e a sua família costumavam relaxar num belo prado perto de Gahkuch, cercado por campos em socalcos verde-esmeralda, amoreiras e amendoeiras. Nadavam e pescavam no rio Gilguite, que atravessa as montanhas circundantes de Caracórum. Era um local idílico. Mas nos últimos 20 anos, diz Salam, a área tem vindo a deteriorar-se.
“Agora não consigo arranjar um espaço para me sentar porque é só sacos de plástico no chão”, diz. “Estou tão frustrado.” Os resíduos plásticos estão a degradar partes de Gilguite-Baltistão, no extremo norte do Paquistão, assim como muitos outros lugares maravilhosos em todo o mundo. Mas a produção industrial de plásticos também está a contribuir para a crise climática. Os empresários paquistaneses empreendedores estão a dar resposta a estes desafios, mas o seu sucesso está a ser altamente afetado pelo ambiente económico do país.
Enfrentar problemas de mercado concretos
A resposta de Salam Hazar aos problemas estéticos, ecológicos e climáticos causados pelos resíduos plásticos foi juntar-se a uma empresa de sacos reutilizáveis, a Lokou Trading, fundada pelo seu primo Zaheer Abbas. Numa fábrica modesta afastada da estrada principal que atravessa a cidade de Singul, a empresa produz anualmente 50 000 sacos de tecido não tecido. Os sacos são distribuídos por todo o país. Para além de proteger a biodiversidade do Paquistão, o negócio de Zaheer está a contribuir para a redução de emissões.
Enfrentar as questões relacionadas com as alterações climáticas é importante para a população do Paquistão. O país é um dos mais vulneráveis do mundo ao aquecimento global. O maior perigo advém das inundações. As inundações catastróficas de 2022 mataram mais de 1700 pessoas e deslocaram ou afetaram cerca de 33 milhões, com danos e perdas económicas de quase 30 mil milhões de dólares. Nas regiões montanhosas, as avalanches, os deslizamentos de terras e cheias provocadas pelo rebentamento de lagos glaciais representam uma ameaça constante. Já as megacidades como Karachi irão provavelmente passar por “ondas de calor mortais” de 49 °C todos os anos até 2050, de acordo com o Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas.
Felizmente, juntamente com a Lokou Trading, há uma série de empresas verdes a emergirem no Paquistão e a transformarem esta crise numa oportunidade. A Kamal Energy é outra empresa promissora. Desde o seu lançamento em 2019, a empresa já instalou cerca de 700 sistemas de energia solar em residências, hospitais, escolas e escritórios em todo o país. O presidente Kamal Uddin explica que o seu negócio está a crescer porque a procura por energia solar está a crescer.
Preços da eletricidade da rede nacional aumentaram 40%
“É uma curva crescente”, diz, “Todos os dias, todos os meses. Temos cada vez mais pessoas a confiar nesta tecnologia.” Embora muitos paquistaneses mais carenciados ainda dependam da queima de madeira para obter energia, existe um número crescente de pessoas a aperceberem-se dos benefícios para a saúde e para o “humor” da energia limpa, diz Kamal.
O preço também é um fator importante: o preço da energia solar é menor hoje do que era em 2019. Isto deve ser tido em conta à luz dos devastadores níveis de inflação do Paquistão, que têm contribuído para o aumento dos preços da eletricidade da rede nacional em 40% desde 2019.
Raza Mohsin é outro empreendedor verde em ascensão, cuja empresa de motos elétricas, a Vlektra, já começou a ganhar tração. Em 2021, a empresa começou a vender bicicletas, com um preço inferior a 2000 dólares, em grande parte no mercado interno.
“Estou a produzir a moto elétrica mais barata do mundo na nossa categoria”, diz Raza. O Paquistão é “um país de motos”, com 1,5 milhões de motos vendidas anualmente e com 25 milhões atualmente em circulação, sendo o quarto ou quinto maior mercado global, acrescenta. A Vlektra vendeu mais de 500 motos nos primeiros 10 meses de laboração. A empresa gerou mais de um milhão de dólares em receitas. Raza está otimista.
Garantir o capital certo é obviamente fundamental para qualquer startup verde. O governo tem procurado apoiar fornecedores independentes de energias renováveis com empréstimos concessionais a taxas de juro mais baixas, chegando mesmo aos 6%. No entanto, estes regimes não se aplicam a todos os sectores, como os veículos elétricos ou a gestão circular de resíduos.
O acesso ao capital é normalmente um desafio no Paquistão. “Se tivermos uma empresa em fase inicial”, diz Naveen Ahmed, especialista em finanças climáticas, “o acesso ao crédito é geralmente muito difícil”.
Ahmed destaca dois condicionalismos. Em primeiro lugar, o governo é um dos maiores mutuários dos bancos comerciais privados, o que efetivamente limita o investimento no setor privado. Em segundo lugar, os bancos comerciais oferecem empréstimos cobertos por garantias, mas estas empresas em fase inicial não podem oferecer facilmente essas garantias (como bens imóveis), não conseguindo cumprir os requisitos para o crédito.
Depois, temos o contexto económico geral do Paquistão, que dificilmente é encorajador para os empreendedores verdes, ao contrário de outros países. “Em matéria de macroeconomia, o governo é pobre”, diz o fundador da Vlektra, Raza Mohsin, cuja formação é em finanças.
“As pessoas praticamente perderam 30% do seu poder de compra no ano passado em virtude da desvalorização da moeda... O governo reduziu os impostos em cerca de 80%, mas continua a cobrar-nos impostos. Na Índia ou na China, eles estão a subsidiar este tipo de empresas.”
Raza Mohsin, fundador da Vlektra
A Vlektra conseguiu obter o financiamento inicial através de alguns investidores privados. Mas a Lokou Trading e a Kamal Energy acederam ao financiamento através da Accelerate Prosperity (AP). A AP faz parte da Rede Aga Khan para o Desenvolvimento, um grupo de agências de desenvolvimento fundado pelo Aga Khan. É um investidor de impacto, o que significa que o seu financiamento não está apenas orientado para a criação de lucros, mas também para a criação de benefícios sociais e ambientais.
A AP também oferece aos seus clientes serviços de coaching empresarial e vincula as startups a conhecimentos técnicos, networking e oportunidades de mercado. Uma das principais vantagens dos empréstimos da AP, no entanto, são as suas taxas de juros. São muito mais baixas do que a maioria dos bancos no Paquistão, os quais podem cobrar 20% ou mais.
Apesar das limitações técnicas no acesso ao capital e dos atuais problemas de inflação no país, o sentimento dominante é que existe uma mudança em curso no Paquistão. As novas empresas verdes estão a enfrentar problemas de mercado concretos, como os elevados custos da energia. Estão a surgir nos sectores da indústria transformadora, energia, transportes e outros. Uma nova geração de consumidores está a aperceber-se dos benefícios associados a estas iniciativas, incluindo poupanças a longo prazo e melhorias na saúde.
Perante a complicada situação atual do Paquistão, estes empreendedores estão a criar novos produtos, serviços e mercados. Estão a reduzir as emissões e a criar empregos. E com tudo isso vem a esperança.
Harry Johnstone é um jornalista freelancer, cujos artigos sobre alterações climáticas e questões de segurança alimentar têm sido publicados no Financial Times, no The Guardian e no The Telegraph.
Fotos da AKDN / Arsalan Haider, Accelerate Prosperity e Anushay Ruba