Rede Aga Khan de Desenvolvimento
Afeganistão · 1 agosto 2023 · 6 Min
Os nomes das mulheres presentes neste artigo foram alterados para proteger a sua identidade.
Todos os dias, Zargul chega ao centro básico de saúde de Haidarabad, na província de Bamyan, antes das oito horas para iniciar o seu turno de obstetrícia. “Organizamos o espaço de trabalho e preparamos os medicamentos, equipamentos e registos essenciais para o dia, e depois realizamos uma conferência matinal onde partilhamos problemas e soluções. Levamos a cabo sessões de educação em saúde para clientes antes de iniciarmos os serviços habituais de cuidados pré-natais, pós-natais, partos e planeamento familiar para 15 a 20 mulheres. Depois disso, monitorizamos os pacientes ausentes e as mães perto do final da gestação e preparamo-nos para o dia seguinte.”
Zargul é uma das quase 550 parteiras que trabalham com a AKDN em cinco províncias do Afeganistão. O seu centro de saúde comunitária funciona no âmbito do sistema de saúde da AKDN certificado internacionalmente, que chega a zonas remotas de Badakhshan, Baghlan, Bamyan, Cabul e Takhar, e atende mais de 1,6 milhões de pacientes por ano.
Dr. Ikram Yousufzai, Diretor dos Programas de Saúde Comunitária dos Serviços Aga Khan para a Saúde (AKHS) do Afeganistão.
Como é que Zargul escolheu esta profissão?
“Quando estava na escola, havia famílias muito pobres no nosso bairro. Numa casa, houve uma mulher grávida que morreu devido a complicações no parto, e os seus filhos ficaram desamparados e passaram por inúmeras dificuldades. Tomei uma decisão naquele momento: ‘No futuro, o meu objetivo é tornar-me parteira para poder ajudar as mães durante o parto e, se possível, reduzir a mortalidade materna para que os seus filhos não cresçam sem mãe.’”
Zargul lembra-se de uma ocasião em que logrou alcançar este objetivo. “Dado que Bamyan é uma região montanhosa e as estradas são difíceis de percorrer, especialmente durante o inverno, as mulheres que observo têm menos acesso aos serviços. Ainda existe uma escassez de ambulâncias nalguns centros de saúde para o transporte de grávidas.
“Uma vez, numa altura em que estava muito frio e todas as estradas estavam fechadas, a esposa de um líder da comunidade deu à luz em casa. Ela apresentava retenção da placenta, estava a sangrar muito e estava em choque. Fazendo uso das competências que adquiri no curso de obstetrícia, consegui salvar a vida da mãe.”
Zargul, parteira do centro básico de saúde de Haidarabad, em Bamyan.
As grávidas no Afeganistão enfrentam muitos desafios. Deparam-se muitas vezes com barreiras culturais, geográficas e económicas na procura por cuidados de saúde durante a gravidez. Se conseguirem chegar a um centro de saúde, as restrições ao nível do financiamento, devido à crise económica e à redução do apoio por parte de doadores internacionais, podem afetar os serviços de assistência disponíveis. De acordo com um relatório do Fundo de População das Nações Unidas de 2022, o Afeganistão tem as maiores taxas de mortalidade materna na região Ásia-Pacífico, com 638 mortes em cada 100 000 nados-vivos.
Ao observar estas altas taxas de mortalidade de mães e recém-nascidos, Mehrvash, tal como Zargul, sentiu-se impelida a obter formação em obstetrícia. Ela trabalha no Hospital Provincial de Faizabad, gerido pela AKDN, em Badakhshan, e normalmente atende 30 pacientes por dia, muitos dos quais fazem longas viagens para chegar ao hospital.
Relativamente às principais dificuldades do seu trabalho, Mehrvash observa os atrasos nas pacientes que procuram ajuda, a baixa consciencialização acerca dos serviços de saúde e dos intervalos entre gravidezes entre as mulheres, e uma elevado procura pelos seus serviços. "Através do aconselhamento, podemos reduzir as noções erradas que [as mulheres podem ter] e obter a sua confiança e aceitação", diz. Ela também gostaria de ver as famílias receberem educação em saúde e uma melhoria dos serviços básicos de saúde nas áreas remotas.
Mehrvash, parteira no Hospital Provincial de Faizabad
Naghma é uma enfermeira de cuidados intensivos com uma década de experiência, para além de ser especialista em enfermagem cardíaca e instrutora de obstetrícia. Trabalha no Instituto Médico Francês para Mães e Crianças (FMIC), um hospital de nível terciário gerido pela AKDN. O hospital é uma parceria entre os governos do Afeganistão e de França, a ONG francesa La Chaîne de l'Espoir e a AKDN.
“Quando estava na escola, a minha vizinha era parteira e apoiava as grávidas e os seus bebés nos períodos pré-natal, intraparto e pós-parto. Ela era um modelo para mim, e foi nessa altura que decidi tornar-me parteira. Eu também queria ser enfermeira. A minha família está muito feliz com a minha decisão porque estou a desempenhar um papel vital na minha família e na sociedade, apesar dos muitos desafios que as raparigas e mulheres têm de enfrentar. A minha irmã mais velha também é parteira e a minha irmã mais nova é enfermeira.”
Entre 2012 e 2019, Naghma passou a maior parte do tempo a estudar. Começou com um curso de três anos na Escola de Enfermagem e Obstetrícia da Universidade Aga Khan (AKU) para aprender enfermagem. Em seguida, especializou-se em cardiologia antes de obter formação como parteira. Depois disso, fez um Bacharelato em Enfermagem na AKU, seguido de um Bacharelato de Artes na Universidade de Karachi. “Durante os estudos, enfrentei muitos desafios porque pertencia a uma família com baixos rendimentos e estudava numa escola muito pequena. Inicialmente foi muito difícil, mas depois comecei a saber lidar com os estudos.” Atualmente é membro das Associações de Parteiras e Enfermeiras do Afeganistão, ajudando a desenvolver materiais de aprendizagem, padrões e políticas. Espera obter um mestrado em enfermagem na AKU.
“Quando trabalhava como parteira, costumava atender entre 40 e 50 pacientes por dia no Centro Médico Alemão-DK em Cabul. Falávamos com elas sobre os intervalos entre gravidezes, os cuidados pré-natais e pós-natais e também sobre o tratamento em casos de infertilidade. A parte mais interessante do meu trabalho foi ouvir as histórias das mulheres acerca das suas experiências de gravidez e de práticas de saúde.
“A norma social no Afeganistão é que as pessoas coloquem os interesses das famílias à frente dos seus, especialmente quando se trata de raparigas e mulheres. Isto significa que as responsabilidades familiares tendem a ter uma importância maior do que as necessidades pessoais ou a saúde de uma mulher, levando ao casamento infantil, aos casamentos de troca [onde duas famílias trocam as filhas para casarem] e à gravidez precoce. Isto afeta diretamente a saúde da mulher.
“Algumas famílias não permitem que as mulheres vão ao médico para receber cuidados pré-natais porque não aceitam que as mulheres exponham as suas partes íntimas para serem examinadas.
“Muitos também acreditam que é bom alimentar o recém-nascido com tâmaras e mel.”
Naghma, parteira e instrutora de enfermagem na FMIC
Ao mesmo tempo que desenvolvem os seus conhecimentos e ganham um salário, as parteiras também estão visivelmente a cumprir as suas ambições em prol dos outros. Num país onde sobreviver ao parto não é um dado adquirido, estas mulheres estão a fazer uma grande diferença junto das suas pacientes.
Leia mais sobre o trabalho da AKDN no Afeganistão.