Índia · 24 abril 2023 · 1 Min
Apesar das suas famílias trabalharem na agricultura há várias gerações, muitos jovens indianos estão a lutar contra estas expectativas, procurando um trabalho formal. Para dar resposta às necessidades em mudança, o programa Yuva Junction estimula a criação de oportunidades de emprego e empreendedorismo entre as populações vulneráveis de regiões negligenciadas.
Um dos momentos mais difíceis na vida de Arvind Kanat foi quando perdeu o emprego durante os confinamentos causados pela pandemia de COVID-19 na Índia.
“Eu não sabia o que fazer”, diz o artista de 31 anos. "Perdi tudo."
Na altura, Kanat trabalhava como professor de arte numa escola privada no distrito de Surat. Depois de ficar desempregado, percorreu 120 quilómetros até à sua terra natal, Dhangdi, localizada no estado de Gujarate, perto da costa ocidental da Índia.
Dhangdi, uma aldeia com 500 pessoas, está coberta por uma floresta densa e faz parte da cintura tribal do país, onde as oportunidades económicas e outras são limitadas.
Kanat, que voltou a morar com os pais, irmão, cunhada e o filho destes, diz que a família – que trabalha na agricultura – sobreviveu à pandemia comendo a que a terra dava, mas teve sérias dificuldades financeiras.
Depois de um ano no desemprego, Kanat encontrou um emprego numa empresa de artesanato de bambu. Nos meses seguintes, ficou a conhecer os prós e contras de gerir uma pequena empresa, desde o design dos produtos à operação das máquinas.
“Eu pensei para comigo: tenho muitas competências em pintura e produtos de bambu. Posso abrir a minha própria empresa.”
AKDN / Mansi Midha
Percebendo que precisava de apoio, Kanat contactou o Programa Aga Khan de Apoio Rural (AKRSP-Índia), que ele sabia que tinha ajudado outros empresários da sua aldeia – incluindo o seu patrão – a arrancarem com os seus negócios.
Pouco tempo depois, inscreveu-se no programa Yuva (juventude em hindi) Junction do AKRSP-Índia, onde recebeu formação em empreendedorismo, e um financiamento inicial para lançar o seu negócio, a AK Painter and Bamboo Art.
A pequena empresa produz produtos em bambu, incluindo suportes móveis e brinquedos, e vende as pinturas de Kanat. Num ano em atividade, Kanat mais do que duplicou os seus ganhos em relação ao seu salário de professor de arte, e contratou quatro funcionários, com planos para contratar mais quatro este ano.
Da agricultura ao desenvolvimento de empresas e competências
A cintura tribal da Índia, que cobre predominantemente nove estados nas regiões oriental, central e ocidental do país, alberga centenas de tribos que estão entre as mais vulneráveis e marginalizadas do país. Vinte por cento da população da Índia vive abaixo do limiar da pobreza, mas nas zonas tribais este número sobe para 40 por cento.
Famílias na cintura tribal da Índia dedicam-se à agricultura há várias gerações. No entanto, isto está a mudar devido ao aumento dos níveis de educação e de ligação à internet e à diminuição dos lucros decorrentes de atividades agrícolas devido à imprevisibilidade das chuvas, secas e ciclones devido às alterações climáticas.
O AKRSP-Índia, que tem vindo a trabalhar nas regiões tribais do país desde 1985, ocupou a primeira fila na resposta às mudanças nas ambições profissionais dos jovens.
“Descobrimos que não aparecia praticamente nenhum jovem nas nossas reuniões porque simplesmente não estavam interessados na agricultura ou na pecuária”, diz Naveen Patidar, Presidente do AKRSP-Índia.
No entanto, ao olharmos para os programas de subsistência oferecidos pelo governo, grupos da sociedade civil e do sector privado, todos eles se concentravam na agricultura, diz Patidar – excluindo os jovens que desejam ganhar a vida através de um emprego formal.
Para dar resposta a esta mudança nas necessidades, o AKRSP-Índia expandiu o seu âmbito. Em 2007, lançou o programa Yuva Junction para apoiar jovens entre os 18 e os 35 anos através do desenvolvimento de empresas e competências.
Para além de apoiar jovens como Kanat a realizar os seus sonhos de empreendedorismo, o Yuva Junction gere 28 centros juvenis em zonas rurais de 10 distritos em Gujarate e Bihar. Os centros providenciam formação em inglês e literacia informática e oferecem competências de vida e de carreira necessárias para trabalhar no comércio, incluindo retalho, hotelaria, hardware de informática, beleza e bem-estar, e costura. Ao concluir o programa, o Yuva Junction vincula os jovens aos empregadores que precisam dos seus conjuntos de competências.
8% da população da Índia está desempregada.
AKDN
Das pequenas vilas para as grandes cidades
Quando Khyali Devaliya, de 20 anos, começou a procurar emprego, lembrou-se de uma jovem da sua terra natal de Talala, no estado indiano de Gujarate, que participou num programa de competências e emprego. O programa não só tinha permitido a essa mulher obter um emprego, como Devaliya observou nela uma curiosa diferença ao nível da confiança.
24% dos jovens estão desempregados.
AKDN
Devaliya, que vem de uma família de agricultores, informou-se acerca do programa – Yuva Junction – e inscreveu-se, na esperança de conseguir um emprego formal.
“Encontrar emprego é difícil”, diz Devaliya. “São precisas competências e experiência específicas e uma rede de contactos.”
De acordo com o Banco Mundial, 24% dos jovens na Índia – ou quase um em cada quatro – estão desempregados, o que é o triplo da taxa de desemprego do país, que é de 8%. Este número também não abrange as dezenas de milhões que têm trabalhos precários e mal pagos, como muitos dos amigos de Devaliya.
Depois de participar no programa de formação de três meses do Yuva Junction e de ser posta em contacto com potenciais empregadores, Devaliya conseguiu um emprego como caixa numa grande superfície. A trabalhar há cinco meses, ganha mais do que os pais.
“O meu pai está particularmente orgulhoso de mim. Ele está confiante de que eu estou apenas a começar e que vou aprender mais e ganhar mais no futuro."
Mas entrar no mercado de trabalho não foi uma adaptação fácil, especialmente porque Devaliya teve de se mudar.
“Os meus pais não estavam prontos para me deixar sair. Tive de convencê-los”, diz Devaliya. “Estavam com medo porque é uma cidade grande, longe deles. Como é que eu m iria orientar sozinha? Onde iria morar? Como iria para o trabalho? Eu também estava um pouco assustada”, admite.
Efetivamente, Devaliya sentiu muitas saudades de casa enquanto tentava adaptar-se à vida na cidade.
“Foi muito difícil – o trabalho novo, mudar-me e estar sozinha. Foi tudo avassalador."
Para contrariar isto, o Yuva Junction criou centros residenciais para que jovens mulheres pudessem viver juntas, recebendo apoio de conselheiros e orientadores. Ao longo de cinco anos, estes centros aumentaram a taxa de retenção das mulheres no programa de emprego de 30% para 80%.
Devaliya, que visita periodicamente a sua família aos fins de semana, sente-se mais bem adaptada à vida na cidade e planeia explorar novas oportunidades de formação para aumentar as suas perspetivas de emprego.
Replicar os programas de subsistência para aumentar o impacto
A formação em liderança, comunicação, resolução de conflitos e outras áreas – como a que o Yuva Junction oferece – é essencial não apenas para obter um emprego, mas também para mantê-lo, de acordo com Andrew Baird, Presidente da Education for Employment [Educação para o Emprego], uma organização que aborda a crise do desemprego jovem no Médio Oriente e Norte de África.
“As competências técnicas fazem com que uma pessoa seja contratada, mas as (fracas) competências sociais fazem com que seja despedida”, diz Baird, citando um adágio comum. “[Providenciar a formação de competências é] uma grande vitória para os próprios jovens, mas também para o sector empresarial por investir neste tipo de formação, dado que [os jovens formados] são promovidos mais rapidamente e os seus salários aumentam a um ritmo mais acelerado.”
Desde 2007, a Fundação Aga Khan já formou mais de 35 000 jovens em competências digitais na Índia. A abordagem do AKRSP-Índia voltada para o mercado já apoiou 7500 jovens de ambos os sexos com formação em competências de empregabilidade desde 2012, tendo a maioria conseguido emprego com um salário inicial entre 1200 e 1500 dólares.
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“Este é um salto enorme”, diz Patidar. “Pode parecer pequeno, mas se olharmos para os salários que os pais e familiares conseguem obter no sector da agricultura, estes jovens estão a ganhar o dobro ou o triplo do ordenado anual dos pais.”
Desde 2016, já participaram na corrente de empreendedorismo do Yuva Junction mais de 1500 empreendedores – 80% dos quais oriundos de regiões tribais. O programa está em rápida expansão e atualmente abrange mais de 750 participantes por ano. Mas são as características demográficas particulares dos participantes que o torna especial, diz Mike Bowles, Conselheiro Global para o trabalho e o empreendedorismo da Fundação Aga Khan.
“De certa forma, não há mais ninguém a ir às zonas rurais nem a ter a plataforma que o programa de apoio agrícola tem para envolver as comunidades desde uma fase inicial até à entrada no mercado de trabalho”, diz ele.
Isto é possível devido à longa história de trabalho do AKRSP-Índia com comunidades vulneráveis. Para além de serem de áreas rurais e tribais, 80% dos participantes do Yuva Junction não concluíram o ensino secundário, principalmente por serem pobres, e seriam considerados como tendo desistido dos estudos. Este é um fator importante que dificulta as suas perspetivas de emprego, explica Bowles.
“Quanto mais tempo um jovem demora a conseguir um emprego maior será o impacto na sua vida, inclusive décadas mais tarde”, diz ele.
Baird reforça esta ideia, dizendo que a demora em entrar no mercado de trabalho tem um impacto exponencial nas trajetórias de carreira e nos rendimentos potenciais ao longo da vida. Esta é a realidade de dezenas de milhões de jovens desempregados em todo o mundo, incluindo em países onde a Rede Aga Khan para o Desenvolvimento está a apoiar os jovens a encontrarem e criarem oportunidades de emprego.
Isto é particularmente válido para as jovens, que se não forem capazes de arranjar um trabalho decente, têm uma maior probabilidade de se casarem e saírem do mercado de trabalho para sempre, explica Bowles.
Mas algumas mulheres, como Devaliya, dizem que estas pressões não limitam a sua ambição.
“Todas as raparigas devem pensar na sua futura carreira e querer o melhor para si mesmas”, diz Devaliya.
E ela dá o exemplo.
Jacky Habib é uma jornalista freelancer sedeada em Nairobi que faz reportagens sobre justiça social, e questões humanitárias e de género. Tem artigos publicados na NPR, CBC, Al Jazeera, VICE, Toronto Star e outros.