Canadá · 17 novembro 2020 · 7 Min
Meredith Preston McGhie dedicou mais de 20 anos a lidar com conflitos e instabilidade em África e na Ásia, em algumas das situações mais complicadas. Desde o trabalho com o povo Naga no nordeste da Índia e com comunidades indígenas na fronteira entre a Tailândia e Myanmar ao apoio aos esforços da ONU no Kosovo, norte do Iraque, Sudão do Sul, Sudão, Somália, Nigéria e Quénia, a sua atividade tem estado na linha de frente das negociações, da política e da diplomacia.
Meredith tornou-se Secretária-Geral do Centro Global pelo Pluralismo em 1 de Outubro de 2019. Mais recentemente, enquanto Diretora Regional para África do Centro para o Diálogo Humanitário, supervisionou os complexos esforços de mediação e diálogo do Centro na Nigéria, Etiópia, Moçambique, Sudão, Somália e Sudão do Sul, entre outros lugares. No Processo de Diálogo Nacional e Reconciliação do Quénia em 2007-08, foi conselheira do Painel de Personalidades Africanas Eminentes, liderado pelo falecido Kofi Annan. Tem contribuído anualmente para o Fórum de Oslo, uma reunião dos principais especialistas e decisores políticos em matéria de resolução de conflitos a nível mundial, e ensina prática de mediação internacionalmente.
A Sra. Preston McGhie estudou história militar e internacional na Universidade da Colúmbia Britânica, antes de obter uma pós-graduação em segurança global pela Universidade de Keele, no Reino Unido.
O que é o pluralismo? Por favor, dê-nos uma definição.
O pluralismo, na sua essência, é uma ética de respeito pela diversidade.
Embora a diversidade na sociedade seja um facto demográfico, o pluralismo refere-se às decisões e às ações que tomamos para responder positivamente a estas diferenças. A diversidade é vista como a base de sociedades mais prósperas e bem-sucedidas, e não algo que tem de ser gerido ou superado.
Mas em que é que isto se traduz na prática? O pluralismo requer mudanças transformadoras tanto ao nível das instituições que regem a diversidade, como as constituições, tribunais e governo, como ao nível das nossas atitudes públicas acerca da pertença. Uma estrutura legal forte que apoie a diversidade é importante, mas é apenas uma das peças do quebra-cabeças. Para que as leis e as políticas sejam aplicadas e sustentadas, temos de construir sociedades que estejam comprometidas em abraçar a diversidade em todos os sectores.
Por fim, o pluralismo é contextual. Pode ter uma aparência diferente em cada sociedade, dependendo da natureza da própria diversidade e da história dessa sociedade. Por isso, em cada local o caminho para o pluralismo será diferente. Enquanto organização global, isto é algo que temos constantemente em consideração em todo o nosso trabalho.
Foi Diretora Regional para África do Centro para o Diálogo Humanitário. Que aprendeu acerca da necessidade do pluralismo no seu tempo em África?
Ao longo das últimas duas décadas, tive a felicidade de ajudar a mediar o diálogo para a paz em diversos lugares, incluindo Nagalândia, Nigéria, Sudão, Quénia, Somália e Sudão do Sul, entre outros lugares. Ainda que as histórias fossem diferentes entre si, o que todas tinham em comum era o facto de os conflitos terem tido origem no fracasso das sociedades na gestão das suas diferenças.
Com estes processos aprendi que seria necessário um vasto conjunto de ferramentas que fossem além da mediação e da pacificação para que a paz fosse reconstruída e mantida. Não se tratava apenas de parar com a violência ou introduzir grupos armados, vi que era indispensável rever muitos elementos do tecido social, desde o ensino da história e da forma como a identidade étnica era representada no currículo educacional à necessidade de tornar menos divisionista o espaço online.
O acordo de paz é uma parte importante, mas é apenas uma pequena parte da reunificação de uma sociedade de modo que esta possa gerir as suas diferenças de forma construtiva. Colocar o pluralismo em prática é essencial para manter a paz, e requer um trabalho ativo em todos os sectores - desde a formulação de políticas governamentais à comunicação social, educação e artes e cultura - com vista a incorporar na sociedade um profundo respeito pela diversidade.
Meredith Preston McGhie, aqui durante uma cerimónia dos Prémios Globais de Pluralismo, apoiou projetos de construção da paz e pluralismo na Índia, Tailândia, Myanmar, Kosovo, Iraque, Sudão do Sul, Sudão, Somália, Nigéria e Quénia.
AKDN / Mo Govindji
O que são os Prémios Globais de Pluralismo do Centro e como funcionam?
Os nossos Prémios Globais de Pluralismo reconhecem e apoiam os progressos extraordinários por parte de organizações, indivíduos e governos que estejam a descobrir formas inovadoras de demonstrar que a diversidade na sociedade é um enorme ativo. Os resultados alcançados pelos vencedores oferecem exemplos concretos e inspiradores de como todos podemos trabalhar em prol do pluralismo no nosso dia-a-dia. Vejamos o caso de Deborah Ahenkorah, do Gana, uma das vencedoras de 2019, que constatou a falta de representação de histórias e personagens africanos em livros infantis e decidiu abrir a sua própria editora e um prémio de literatura para tentar mudar o panorama da publicação de livros infantis no continente e em todo o mundo.
Estamos agora no terceiro ciclo dos Prémios. A cada dois anos, abrimos as candidaturas a nível global. As candidaturas que recebemos passam por um rigoroso processo de triagem e devida diligência, que inclui visitas ao país. São selecionados dez vencedores (três vencedores e sete menções honrosas) por um júri internacional independente presidido pelo Muito Honorável Joe Clark, ex-Primeiro-Ministro do Canadá. Cada um dos vencedores recebe 50 000 dólares canadianos para desenvolver o seu trabalho e promover o pluralismo.
O mais recente período de candidaturas terminou em Junho deste ano. Atualmente, as inscrições estão a ser analisadas e selecionadas antes da primeira reunião do Júri.
Que tipo de iniciativas procuram nos Prémios Globais de Pluralismo?
O prémio visa dar visibilidade a indivíduos, empresas, académicos, organizações da sociedade civil e governos de todo o mundo que estejam a trabalhar de formas criativas e de alto impacto com o objetivo de construir sociedades a que todos pertençam.
Dado que acreditamos firmemente que o pluralismo deve ser promovido por uma vasta gama de agentes de várias disciplinas, os Prémios não se restringem a nenhum sector ou atividade. Pelo contrário, estamos a avaliar as diversas e multifacetadas formas através das quais o pluralismo está a ser defendido. Por exemplo, já tivemos vencedores no passado a trabalhar em várias áreas, desde a construção de aplicações para a comunidade surda (Hand Talk, Brasil) à promoção da paz através da formação em música clássica (Instituto Nacional de Música do Afeganistão) e ao envolvimento dos jovens no diálogo intercultural online (Soliya, Estados Unidos).
Os vencedores dos Prémios alcançaram resultados inspiradores. Leyner Palacios Asprilla, da Colômbia, vencedor em 2017, foi recentemente nomeado o novo comissário para a Comissão da Verdade da Colômbia, no âmbito do processo de paz em curso naquele país.
Perante a conjuntura atual, considera o pluralismo mais ou menos necessário?
A crise pandémica global reforçou a urgência de um esforço verdadeiramente global de promoção do pluralismo. Sabemos que os impactos da pandemia na economia e na saúde não estão a afetar todas as pessoas da mesma forma. Aqueles que já eram marginalizados, como os trabalhadores com baixos rendimentos, os imigrantes ilegais e as mulheres, estão a ser afetados de forma desproporcional. Quando examinamos mais de perto esta desigualdade, encontramos uma forte correlação com outros indicadores de diferença, incluindo a raça, etnia, idioma, indigenismo, religião, classe, género, idade, orientação sexual e assim por diante.
Perante tudo isto, todas as respostas políticas devem ter por base o pluralismo. Precisamos de soluções inclusivas que reconheçam as experiências bastante distintas vividas durante a pandemia e abordem as desigualdades sistémicas que têm sido exacerbadas. São estas as desigualdades que atrasam todas as nossas sociedades e mantêm certos grupos de pessoas nas nossas sociedades em ciclos perpétuos de pobreza, com menos acesso a oportunidades de educação, saúde, benefícios de cidadania e por aí adiante.
Os esforços de promoção do pluralismo foram afetados pela COVID?
A pandemia - e a obrigação de estarmos afastados uns dos outros - levou a que pessoas de diferentes contextos tivessem menos oportunidades para se reunirem, partilharem experiências e pensarem sobre como superar as suas diferenças. Sem dúvida que isto constitui um problema no sentido da construção da compreensão e do respeito que são tão cruciais para o pluralismo.
Como tantas outras organizações, nós no Centro também tivemos de passar fazer grande parte do nosso trabalho online. Temos tido a sorte de poder continuar com grande parte da nossa programação neste novo ambiente online. Também decidimos lançar algo de novo, num esforço de melhor compreender e abordar as desigualdades e exclusões reveladas pela pandemia em diferentes sectores.
Para ajudar a apoiar os esforços de recuperação, criámos um portal digital, O Pluralismo e a Pandemia, que apresenta uma série de análises e entrevistas selecionadas sobre os impactos da pandemia na perspetiva do pluralismo.
Tivemos a colaboração de educadores, promotores da paz e médicos, e recomendo vivamente que vejam algumas destas conversas.
Por exemplo, nesta entrevista com a escritora e analista política queniana Nanjala Nyabola, ela discute a forma como a pandemia e os movimentos transnacionais como o Black Lives Matter já estão a criar mudanças no futuro do jornalismo, das redes sociais, do policiamento e da democracia.
Nesta entrevista com Vanessa Erogbogbo, Diretora da secção Cadeias de Valor Sustentáveis e Inclusivas do Centro de Comércio Internacional, ela explora os efeitos da pandemia nas economias emergentes, particularmente nas micro, pequenas e médias empresas que são predominantemente geridas por empresárias independentes e o modo como os governos e o sector privado podem apoiar de forma mais eficaz estas mulheres.
Pode falar-nos de programas específicos de promoção do pluralismo?
Vou usar um exemplo recente da nossa programação no verão passado, pois creio que representa uma aplicação muito prática do pluralismo. Como parte dos nossos esforços permanentes de criar ferramentas para apoiar os professores a serem educadores pluralistas, iniciámos um programa de verão que abordou o racismo antinegros e a injustiça racial ao longo da história. Este programa surgiu como resposta à situação atual nos Estados Unidos, incluindo o assassinato de George Floyd pela polícia e o crescente movimento Black Lives Matter. Entendemos que os professores deveriam procurar formas de abordar junto dos seus alunos estas questões tantas vezes sensíveis.
O curso online Falar de Racismo na Sala de Aulas para professores do ensino preparatório de todo o Canadá consistiu na formação de mais de 500 professores e na apresentação de um webinar sobre o tema no nosso site. A natureza prática da discussão ajudou os professores a desenvolver as suas competências para serem capazes de ter estas conversas muito desafiantes. Em conjunto, os participantes discutiram como criar espaços ousados que convidassem à intervenção dos alunos. Os participantes saíram da formação com técnicas que os ajudam a escutar com atenção, a validar emoções, a exibir empatia e a desafiar os alunos a questionarem os seus próprios preconceitos e suposições. A formação também demonstrou a objetividade do pluralismo face a temas atuais.
Continuamos a desenvolver ofertas de desenvolvimento profissional para professores, as quais serão testadas no próximo ano. Para saber mais sobre o nosso trabalho na área da educação, visite www.pluralism.ca/education