Dra. Miriam Mutebi

AKU

Também orienta colegas e realiza investigações sobre as barreiras em cuidados de saúde que as mulheres na África Oriental enfrentam quando têm cancro. De algum modo, a Dra. Mutebi arranjou tempo para nos falar mais acerca disso.


Tem vindo a investigar as barreiras enfrentadas pelos pacientes na África Oriental no acesso aos cuidados de saúde. Que é que já descobriu?


Preocupações financeiras: Pagar com recursos próprios para ter acesso a cuidados de saúde resulta frequentemente em toxicidade financeira e despesas catastróficas com a saúde. Os seguros hospitalares, como o Fundo Nacional de Seguros Hospitalares no Quénia, têm ajudado a mitigar alguns destes custos, mas, em última análise, muitos pacientes continuam a suportar alguns destes custos avassaladores.


Atrasos nos tratamentos: Muitos pacientes na África Subsaariana têm de passar por três ou quatro profissionais de saúde antes de receberem um diagnóstico definitivo. Se o paciente precisar de uma biópsia, terá de pagar a agulha, os testes patológicos iniciais e quaisquer testes adicionais, causando um maior atraso.


Há também uma falta de conhecimento entre os profissionais de saúde acerca dos sinais e sintomas comuns do cancro da mama. Sabemos de casos de utentes tratadas com antibióticos durante meses a fio devido a uma “mastite não-resolvida” e a quem lhes é transmitido que não se devem preocupar com o surgimento de um novo nódulo porque este se deve ao facto de estarem a amamentar... quando chegam até nós, infelizmente, já os tumores progrediram consideravelmente.


Barreiras socioculturais: Não costumamos falar disto. Em muitas partes da África Oriental, as mulheres não são as principais decisoras no que à procura de cuidados de saúde diz respeito. Enquanto africanos, temos no sentido de comunidade a nossa força. Mas isto pode ser uma faca de dois gumes, quando leva a que muitos pacientes não tenham poder de decisão em matéria de tratamentos, com a sua comunidade a dizerem-lhes, “nós decidimos por si, é isto que vai acontecer”. Existe também um sentimento de fatalismo associada ao cancro, em que se acredita que o cancro equivale à morte, por isso estamos a tentar mudar as narrativas à volta disso. O estigma do cancro também tem a sua importância.


Como é que este estigma afeta a procura de tratamento?


Infelizmente, grande parte do estigma em torno dos cancros reprodutivos tem por base a humilhação do doente. Algumas comunidades dizem que “o cancro da mama surgiu porque alguém que não o seu marido teve acesso ao seu peito”, ou “apanhou cancro porque fez um aborto”. Estes mitos fazem com que as mulheres fiquem relutantes em revelar os seus cancros e isso pode contribuir para um atraso no acesso aos cuidados.


Uma paciente disse que olhavam para ela como se “já tivesse um caixão à espera”. Era assim que as pessoas a viam, ninguém queria interagir com ela, algumas pessoas acreditavam que era contagioso e ficavam surpreendidas por vê-la ainda viva após alguns meses.


O estigma é um conceito com muitas nuances... Temos a experiência vivida da doente, que chega a ser antecipatória, com esta a pensar que será vítima de discriminação.


Uma paciente teve a situação desconfortável de ter estado presente num encontro de mulheres em que se falava de uma amiga comum com cancro e de ter sido determinado que esta iria morrer. Ela deixou de ir a esses encontros, pois sabia o que a esperava se divulgasse inadvertidamente o estado do seu cancro.


Também tive pacientes que foram demitidas do trabalho porque foram diagnosticadas, ou porque o empregador não apreciou o facto de precisarem de uma dispensa para a realização da terapia. A definição de estigma é tão vasta que temos de olhar para todas estas facetas... ou corremos o risco de prestar um mau serviço.