Dra. Njoki Chege.

AKDN

No Dia Mundial da Liberdade de Imprensa de 2022, ela partilha as suas considerações acerca da atual indústria da comunicação social e da forma como o Centro de Inovação pode ajudar a preparar jornalistas para o futuro.


Depois de três cursos na área dos media e comunicação, quais são os seus interesses ao nível da investigação?


Especializei-me em economia dos media. A minha investigação debruçou-se sobre a forma como os jornais quenianos responderam à disrupção digital. A maioria pratica o que se designa por ambidestria organizacional, em que continuam a utilizar os anteriores modelos de negócio de publicidade impressa e a procurar ao mesmo tempo, de forma muito agressiva, oportunidades na área dos media digitais. Fizeram um grande esforço para perceberem como a tecnologia poderia ter impacto nos seus negócios e as oportunidades que poderiam daí advir. O estudo serviu de base a muito do trabalho que estamos aqui a realizar no Centro de Inovação.


Quais as estratégias de resposta que funcionaram melhor?


A mais importante foram as parcerias. Os editores disseram-me que as parcerias com outras organizações para a criação de conteúdos estavam a tornar-se bastante lucrativas.


Do ponto de vista dos conteúdos, os conteúdos de estilo de vida, as matérias com um maior prazo de validade e os artigos com análises detalhadas tiveram bastante sucesso. Ainda existe uma massa crítica do público que aprecia uma boa leitura longa de 3000 palavras.


Uma tendência importante é o uso omnipresente da tecnologia. Está a tornar-se bastante evidente que no futuro o sucesso empresarial das organizações de comunicação social em todo o mundo estará ligado à tecnologia. A disrupção digital mudou os nossos hábitos de consumo e agora os nossos meios de comunicação.


Cerca de 70% dos editores em todo o mundo afirmaram que a inteligência artificial (IA) será fundamental para os seus resultados financeiros do próximo ano, mas apenas cerca de 30% estão a implementar medidas nesse sentido. Há muitas oportunidades por explorar e é aí que entra o Centro de Inovação.


Como é que a IA está a afetar a comunicação social?


Em primeiro lugar, está a ser usada para a aquisição de público. Muitas organizações noticiosas têm hoje alguma forma de estratégia de conteúdos pagos, seja através de uma paywall [bloqueio das páginas para os não subscritores] ou uma assinatura. A IA está a ser usada para compreender os hábitos de consumo do público e para compreender o potencial de conversão do público de não-pagantes para pagantes.


Em segundo lugar, está a ser usada para posicionar histórias, personalizando o consumo para as diferentes áreas. A IA pode ajudar a entender os hábitos de consumo do público, por exemplo, percebendo que histórias estão a ter um melhor desempenho numa determinada região. Hoje em dia os editores estão dentro da cabeça dos leitores.


Mas existe também um profundo medo da tecnologia, já vimos a IA ser usada para escrever ou editar artigos. Este medo é infundado porque os jornalistas ainda não dedicaram tempo suficiente para entender completamente os benefícios da IA, como, por exemplo, o modo como pode ser usada para automatizar relatórios de rotina e introduzir uma maior profundidade e análise nos artigos. Mas outra grande preocupação é a ética da IA e o facto de grande parte desta tecnologia estar a ser implementada sem supervisão humana.


Já assistimos a um uso indevido da IA em contextos políticos, por exemplo, nos Estados Unidos, e até certo ponto também no Quénia. Certos tipos de públicos recebem notícias e informações que apelam aos seus valores e opiniões, criando assim caixas-de-ressonância e bolhas ideológicas.


Mas antes de entrarmos neste debate, creio ser importante desenvolvermos uma consciência acerca dos fundamentos da IA. Temos de informar melhor os jornalistas, editores, administrações e comités executivos acerca do argumento económico da IA. E então poderemos atravessar a corda bamba ética decorrente do seu uso.


O que a motivou a aceitar a direção do Centro de Inovação?


Trabalhei como jornalista durante 10 anos em duas das maiores e mais dinâmicas redações da África Oriental, o Standard e depois o Nation Media Group. E sei como é trabalhar num ambiente onde existe muita incerteza; nós aparecemos exatamente na altura em que estava a acontecer a disrupção.


E eu vi jornais, estações de TV, estações de rádio a fecharem porque não eram sustentáveis. Por isso, isto é algo pessoal para mim, há 10 anos que estou por dentro desta situação. Conheço os ziguezagues de uma redação, conheço a política de partilhar recursos e percebo as diferenças entre uma boa inovação e uma má inovação.


Creio ser minha responsabilidade assegurar que estou a contribuir para uma indústria muito mais digital e baseada em tecnologia que ofereça um jornalismo de alta qualidade aos quenianos e africanos orientais.


Nos próximos três a cinco anos, o Centro de Inovação irá centrar-se em novas inovações baseadas em tecnologia, ajudando os jornalistas locais a entenderem o valor das tecnologias no seu trabalho. Da mesma forma que África deu um grande salto no que à ligação à internet diz respeito, também esta é uma oportunidade para as empresas de jornalismo via vídeo avançarem na utilização de tecnologias no modelo de negócio dos media. Queremos ser um centro de excelência em tecnologia para o jornalismo em África, ajudando jornalistas, gestores de media e chefias a compreender como podem aproveitar a tecnologia para melhorar os seus resultados. Porque os órgãos de comunicação social, especialmente no sector privado, são entidades com fins lucrativos e o bom jornalismo não sai barato.


Qual o grau de independência dos media no Quénia?


Depende da pessoa a quem perguntar... mas penso que temos de dar valor ao caminho que já traçámos. Já não estamos na década de 1980, quando os jornalistas eram banidos do parlamento. Tem havido progresso, mas acho que ainda há muito mais a ser feito.


Temos de começar a pensar em modelos de negócio para além da publicidade, particularmente a publicidade governamental. Alguns jornalistas dizem que tem havido interferência dos governos ao nível dos artigos que são publicados. Temos alguns altos funcionários do governo, e magnatas, como donos de empresas de media. Que é que isso significa para as notícias de âmbito empresarial e económico?


Ainda há muito assédio a jornalistas, trolls no Twitter, Facebook, etc., especialmente por razões políticas. A crítica é um risco ocupacional para os jornalistas. Mas o que temos vindo a assistir é um assédio muito mais personalizado, muitas vezes baseado no género, que vai para lá daquilo que o jornalista escreve e que está mais próximo do assassinato de carácter. Precisamos de providenciar, especialmente junto das mulheres jornalistas, mais ferramentas e competências para lidarem com isso e espaços seguros onde possam falar do assunto à vontade.


Parte deste assédio está associado à desinformação. Isso é um ataque aos media. A internet levantou muitos desafios aos jornalistas, desde as notícias falsas ao uso indevido da IA pelas grandes empresas de tecnologia e ao assédio online. É uma altura muito emocionante para se ser jornalista, mas também uma altura muito desafiante.


Qual o papel que a mentoria pode desempenhar no combate a estes desafios?


Na base da pirâmide, as nossas universidades estão a produzir milhares de jornalistas muito talentosas. Vejo muitas mulheres a chegarem como estagiárias e jovens repórteres. Mas, a certa altura, perdemo-las para outras áreas, para o mundo empresarial ou para a academia. E quando chegamos ao topo, encontramos apenas um punhado de mulheres.


Inscrevi-me como mentora no programa de mentoria Bettina Fund para jovens mulheres nos media porque sinto a necessidade de criar uma base de mulheres jovens, talentosas e de alta capacidade que possam subir na hierarquia; dar-lhes as competências e o apoio de que precisam para alcançar algumas das suas maiores ambições.


Porque se olharmos para a estrutura dos nossos meios de comunicação, também vemos muito poucas mulheres nos comités executivos, ou como editoras de topo. Esta falta de diversidade vai refletir-se nos produtos e conteúdos que as organizações de media produzem.


A nível pessoal, iniciei um programa de mentoria bem mais abrangente, dirigido aos jovens. No Quénia, cerca de 76% da população são jovens, mas temos visto muitos problemas com o acesso destes a empregos ou capital para iniciarem os seus próprios negócios.


Acho importante darmos esperança aos jovens, pô-los em contacto com mentores, desenvolvermos as suas competências, seja na escrita ou na capacidade de repensarem os seus negócios.


3 de maio é o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa. Porque é que os media independentes são importantes para o desenvolvimento?


Uma imprensa livre e independente é o pilar de qualquer democracia e o alicerce do sucesso económico, principalmente porque através da nossa imprensa livre, somos capazes de pedir responsabilidades aos governantes.


O público pode saber o que os seus governantes andam a fazer e isso é algo muito importante. Nos EUA, os estudos têm demonstrado que existe uma ligação direta entre o envolvimento cívico e uma imprensa livre e independente; os cidadãos que têm acesso a um jornalismo livre e independente de alta qualidade têm mais hipóteses de exercer os seus direitos e responsabilidades cívicas, como votar e pedir responsabilidades aos governantes.


No entanto, o acesso a um jornalismo de alta qualidade está a tornar-se cada vez mais caro para a maioria dos quenianos. Algum do melhor jornalismo, aquele que é capaz de influenciar a opinião dos eleitores e os hábitos de voto, está atrás de uma paywall. Uma vez li um artigo em que se dizia que as mentiras são gratuitas e a verdade está atrás de uma paywall, e é exatamente nessa direção que estamos a ir. Temos a Kenya Broadcasting Corporation, mas temos de lhes prestar muito mais apoio para que produzam jornalismo de alta qualidade que esteja disponível gratuitamente. Por isso é que é necessário um debate muito mais alargado acerca do papel da comunicação social pública no país.


Não devemos sacrificar o acesso à informação em favor dos modelos de negócio. Por muito que estejamos a pensar em estratégias criadoras de receita com base nos leitores e a colocar um bom conteúdo atrás de uma paywall, devemos também pensar, como país, em apoiar a comunicação social pública, apoiando assim uma imprensa independente e livre. Temos de garantir que os cidadãos quenianos compreendem que podem aceder gratuitamente a notícias de alta qualidade.


Um dos princípios em que se baseia o Centro de Inovação é a viabilidade dos meios de comunicação social, a capacidade das organizações de meios de comunicação de providenciarem um jornalismo de alta qualidade que seja comercialmente sustentável. Já apoiámos 13 equipas de inovadores em regime de residência. Estas são compostas por jornalistas independentes que disponibilizam notícias de alta qualidade, aproveitando as tecnologias e escrevendo também peças sobre minorias, jovens e mulheres. Todos estes públicos que têm tido uma baixa representação nos media deram uma oportunidade relevante aos nossos inovadores de criarem conteúdos à sua volta. E consideramos que ao fazê-lo estamos a apoiar uma imprensa livre e a contribuir para uma democracia muito mais forte.