Paquistão · 16 maio 2022 · 6 Min
A lendária cidade de Lahore é uma das joias urbanas da Ásia Meridional. Durante o período de domínio do Império Mogol (1526-1857), do qual foi temporariamente a capital, Lahore foi dotada de importantes monumentos – mesquitas, fortificações, palácios e jardins. Entre estes figuram o Forte de Lahore, Património Mundial, e a Mesquita de Wazir Khan. Em 1947, partes significativas da Cidade Murada foram destruídas por fogo posto e pilhagens que aconteceram durante o desmembramento do subcontinente da Ásia Meridional. Entrou numa crescente degradação, à medida que zonas mais recentes se foram tornando o centro do desenvolvimento urbano.
Hoje em dia, Lahore é a segunda maior cidade do Paquistão e capital da província de Punjab, com mais de 11 milhões de habitantes. Representa um importante aglomerado industrial e tem vindo a mudar nas últimas décadas da indústria transformadora para as indústrias de serviços, tornando-se o maior centro de produção de software do país. A sua localização e o seu potencial económico têm atraído mão-de-obra e capital ao longo de muitas décadas, mas os poucos investimentos em infraestruturas e o desenvolvimento desordenado têm limitado o crescimento económico e causado um grave congestionamento do tráfego, o aumento da poluição e, para muitas famílias, uma qualidade de vida cada vez menor.
Aerial view of Lahore Fort, Pakistan.
AKDN
Em 2007
O Fundo Aga Khan para a Cultura, através da sua empresa local, os Serviços Aga Khan para a Cultura - Paquistão (AKCS-P), estabeleceu uma Parceria Público-Privada (PPP) com o Governo de Punjab e o Banco Mundial. O objetivo: contribuir para a preservação dos monumentos da era mogol da Cidade Murada de Lahore e apoiar o desenvolvimento socioeconómico nas zonas carenciadas adjacentes.
Durante o período inicial, o AKTC elaborou um Quadro Estratégico Preliminar para a regeneração urbana da Cidade Murada e pressionou ativamente o Governo de Punjab para a criação de um organismo local para assumir a responsabilidade administrativa pelos locais históricos. Em 2012, foi criada a Autoridade da Cidade Murada de Lahore (WCLA) e, desde então, tem sido um parceiro fundamental no desenvolvimento das capacidades técnicas e na garantia de um direito de propriedade local – um requisito prévio para a sustentabilidade a longo prazo destes tesouros culturais.
Conservação e restauro de monumentos importantes
O AKTC levou a cabo trabalhos de conservação e restauro na Muralha das Figuras do Forte de Lahore, no Palácio de Verão, na Cozinha Real, no Shah Burj, no Shahi Hammam e na Mesquita de Wazir Khan.
Estes esforços têm tido por base os mais avançados princípios e tecnologias de conservação, respondendo ao mesmo tempo às necessidades e expectativas locais. Os principais elementos da metodologia do Fundo incluíram: documentação, estudos e levantamentos preliminares; pesquisa arquivística; uso de métodos tradicionais de construção combinados com técnicas modernas de conservação, quando necessário; intervenção mínima e respeito pela integridade estética e física do tecido histórico; reversibilidade e compatibilidade das medidas de conservação; formação de profissionais e artesãos qualificados; projetos-piloto e protótipos de amostra; documentação e arquivamento detalhados do projeto.
As prioridades foram organizadas em três níveis, começando pelas questões mais urgentes. Para começar, as medidas de estabilização de emergência: edifícios inseguros ou instáveis que representavam um risco para a segurança dos visitantes e para a integridade das estruturas. De seguida, medidas como a gestão das águas pluviais e o estabelecimento de um sistema de drenagem adequado para eliminar a causa mais acentuada de deterioração. Em terceiro lugar, os acabamentos interiores e decorativos. O último passo foi a “apresentação do local”: o restabelecimento dos componentes e detalhes em falta que se tinham perdidos ou sido modificados, de modo a atingir, tanto quanto possível, a configuração original do Forte.
Melhorias nas proximidades
A Cidade Murada abrange uma área com cerca de 252 hectares. Muitas das suas residências históricas têm vários andares, com cada nova geração de uma família a construir sobre a habitação da geração anterior. Estas incluem fachadas em tijolo, telhados planos, varandas de madeira ricamente esculpidas e jharokas pendentes (janelas com persianas de madeira). A construção não planeada levou a muitas usurpações ilegais, cablagens a descoberto e águas residuais nas ruas. Estas não só prejudicam a beleza dos edifícios centenários, como causam também engarrafamentos nas ruas estreitas, colocando as estruturas físicas em risco e tornando-se um perigo para os habitantes (Banco Mundial).
O AKTC e a WCLA restauraram em conjunto um trilho patrimonial com 383 metros que vai do Portão de Deli da Cidade Murada até à zona do mercado de Chowk Purani Kotwali. O restauro também envolveu a substituição de infraestruturas e serviços, incluindo telecomunicações subterrâneas, eletricidade, gás, água e esgotos, remoção das usurpações, pavimentação das ruas e mobiliário urbano.
“Tinha sempre receio de deixar os meus filhos irem brincar antes das obras de restauro no nosso bairro. Mas agora, pelo menos, sei que o ambiente à volta da minha casa é limpo e seguro”, disse Samina Afzal, residente da Cidade Murada.
A mobilização social foi a chave para o sucesso do projeto. Foi criada uma organização de base comunitária liderada pela WCLA, composta por residentes locais e que envolveu cerca de 1500 famílias. À medida que os moradores foram ficando convencidos dos benefícios da conservação e reabilitação, foram-se envolvendo ativamente; na verdade, muitos solicitaram inclusive que as suas casas fossem restauradas.
Formação profissional e emprego
O restauro incluiu a formação em conservação e técnicas artesanais tradicionais de cerca de 500 habitantes locais de áreas com baixos rendimentos. Ao longo de 14 anos, deu emprego direto a cerca de 1500 pessoas. À medida que o Governo de Punjab foi solicitando ao AKTC que continuasse a trabalhar noutros monumentos (como a Mesquita de Badshahi) e que expandisse o seu trabalho em toda a região, a procura por competências de conservação aumentou. Para além disso, toda a região assumiu uma atitude positiva em relação à reabilitação urbana. Alguns funcionários que cresceram com o projeto (veja Entrevista com Haider Ali) desenvolveram ainda mais as suas competências em áreas como a engenharia e a arquitetura, o que lhes irá proporcionar muitas oportunidades de emprego para lá deste projeto. (leia mais em Boas Práticas em Formação Profissional)
Desenvolvimento do turismo
Simultaneamente, o AKTC começou a desenvolver um Museu do Forte de Lahore e um plano de gestão de turismo sustentável para o Forte de Lahore. Foram criados vários postos de trabalho para guias turísticos, condutores de riquexó e pessoal de manutenção. Estas iniciativas geram maiores rendimentos, mediante a criação de locais para eventos corporativos e outros, exposições, sessões fotográficas de casamentos e muito mais.
A WCLA também realiza eventos públicos, como encontros de sufis, incentivando visitantes de diferentes origens sociais, étnicas e religiosas a utilizarem este espaço. O local de Shahi Hammam foi usado para as instalações de arte contemporânea da Bienal de Lahore 01 em 2018 e para o festival Sheherazade de Artes e Tecnologia do British Council/MADLAB em 2019.
Este projeto demonstra como os esforços do sector público e privado podem ser combinados de forma inovadora e atraiu contribuições internacionais significativas: da Embaixada Real da Noruega, da Embaixada dos Estados Unidos, do Ministério dos Negócios Estrangeiros da Alemanha e do Governo francês (lista completa abaixo).
Destaque – a Muralha das Figuras
Uma das principais características do Forte de Lahore, Património Mundial da Unesco, é o enorme mural exterior conhecido como Muralha das Imagens. A Muralha das Figuras, reconhecida como o maior mural do mundo (450 metros de comprimento e 17 metros de altura), está requintadamente decorada com azulejos esmaltados e mosaicos de faiança, tijolos decorados, obras em filigrana e frescos. A obra começou durante o reinado do imperador mogol Jahangir em 1624 e ficou concluída em 1632 no reinado do seu filho, o imperador Shah Jahan.
Cada mosaico na Muralha das Figuras oferece uma visão rara da vida e do entretenimento na corte real, com retratos da família real, cenas de batalha ou caça, animais e criaturas míticas, dança e música, e padrões geométricos e florais. Estes elementos únicos foram uma das principais razões para a inscrição em 1981 do Forte de Lahore na Lista do Património Mundial da UNESCO.
Em 2015, os AKCS-P iniciaram a documentação, apresentação e promoção do Mural das Figuras. Três anos mais tarde, a organização, em conjunto com a WCLA, assumiu a conservação da fachada ocidental, que tem, em média, quase 73 metros de comprimento e 16 metros de altura, com 635 painéis decorados em baixo-relevo compostos por três níveis. Hoje, quase 60% das obras de conservação na Muralha das Figuras estão concluídas. (Assista à Entrevista com a química responsável, Zeina Naseer)
Lista completa dos contribuintes para o projeto do AKTC para a Cidade Murada de Lahore: Governo de Punjab, Banco Mundial, Agence Française de Développement, Embaixada Real da Noruega, Embaixada da Alemanha, Embaixada dos Estados Unidos, Fundo dos Embaixadores dos Estados Unidos para a Preservação Cultural, Fundo J. M. Kaplan, Habib Bank Limited, Jubilee Life Insurance, Jubilee General Insurance, Residentes de Gali Surjan Singh