República do Quiguistão · 20 agosto 2020 · 4 Min
À superfície, estes cavalos a galopar com as montanhas em pano de fundo não parecem mais do que uma bela imagem que se encontraria num folheto turístico. No entanto, a verdadeira história por trás deste belo panorama, capturado pelas câmaras na região de Naryn, no Quirguistão, levanta uma grande preocupação.
Esta “beleza feia” representa a fome, que perseguiu os cavalos das pastagens remotas até às planícies, onde os moradores cultivam feno. Os chabans (pastores) locais têm notado que, de ano para ano, a vegetação nas pastagens montanhosas tem vindo a tornar-se cada vez mais escassa, muitas vezes obrigando os animais a descer às aldeias em busca de alimento.
Tradicionalmente, na primavera, o gado é transportado de aldeias a baixa altitude para as pastagens montanhosas remotas, onde ficam até ao outono. Os animais ganham peso, o que os ajuda a sobreviver ao inverno com reservas de feno armazenadas em currais. Contudo, nos últimos anos, este sistema tradicional de rotação vertical de pastagens tem-se revelado menos fiável devido às pressões do pastoreio, a degradação das pastagens e as alterações climáticas, o que agrava e multiplica as ameaças existentes às condições das pastagens.
“O Quirguistão é o terceiro mais vulnerável aos impactos das alterações climáticas na Europa Oriental e na Ásia Central, principalmente devido à sensibilidade dos seus sistemas agrícolas às alterações climáticas”, disse a Dra. Lira Sagynbekova, investigadora no Instituto de Investigação de Sociedades de Montanha (MSRI) da Universidade da Ásia Central (UCA). “A alteração das temperaturas pode causar um impacto ao nível das alterações nos padrões de precipitação e períodos mais frequentes de calor extremo. Isto leva a um aumento da incidência de aridez e seca, especialmente nas pastagens montanhosas. Dado que a área terrestre do Quirguistão é 90% montanhosa, é cada vez mais importante desenvolver a resiliência a estas alterações climáticas e permitir que as comunidades continuem a prosperar.”
O pastoralismo é uma das principais áreas de investigação temática na qual o MSRI da UCA se tem vindo a concentrar desde 2011, altura em que foi criado como um instituto de investigação inter e transdisciplinar no seio da Escola de Pós-Graduação em Desenvolvimento da UCA. Foram implementados vários projetos para produzir resultados ao nível da investigação e das políticas que explorem a gestão dos recursos de pastoreio, o impacto das alterações climáticas nos meios de subsistência das comunidades locais e a avaliação da resiliência.
Em colaboração com a Escola de Economia e Ciência Política de Londres (LSE), o MSRI desenvolveu uma nova abordagem para compreender e avaliar a capacidade de resiliência das comunidades rurais de montanha. O projeto foi liderado pela Dra. Sagynbekova do MSRI. A metodologia de utilizar abordagens subjetivas para medir a resiliência permite destacar o poder da população local de compreender e comunicar as suas próprias capacidades de resiliência, sem a necessidade de longas e complexas investigações. O projeto revelou a importância do capital social e da migração laboral no aumento da resiliência das comunidades rurais aos choques e agressões socioeconómicos e relacionados com o clima.
Azamat Azarov, investigador do MSRI, que é originalmente da região de Naryn, falou acerca das significativas lacunas de conhecimento relacionado com os sistemas agrícolas predominantes e o seu desempenho socioeconómico. Alguns estudos sustentam que a adoção de sistemas de agricultura de pequenos proprietários no Quirguistão tem vindo a aumentar as desigualdades sociais e económicas. No entanto, a maioria dos estudos existentes não leva em consideração as ligações mútuas entre os sistemas de agricultura e pecuária, as práticas de pastoreio e a rendibilidade da produção de gado.
Um estudo recente do Instituto de Investigação de Sociedades de Montanha da UCA acerca das “Características e Rendibilidade dos Sistemas Agrícolas baseados na Criação de Gado em At-Bashy, no Oblast de Naryn” revelou que o atual método de produção animal na região não só é insustentável em matéria da utilização das pastagens, como é também altamente precário devido às altas taxas de mortalidade e aos baixos preços de mercado dos animais. Este estudo destaca a importância de compreender o sistema de produção agropecuária para se realizarem intervenções eficientes que possam contribuir para uma melhoria na produtividade agrícola e animal e num uso sustentável das pastagens.
“A região de Naryn é uma das áreas de produção de gado mais importantes no Quirguistão, com pastagens em terras altas que cobrem quase 90% dos terrenos agrícolas denominados. Os sistemas de produção agrícola predominantes assentes em quintas locais de pequena escala concentram-se na pecuária, a qual depende de uma mistura de terrenos de plantação e pastagem em redor dos povoados e de pastagens de verão em mais alta altitude”, disse Azamat Azarov, coautor do estudo. “A produção insuficiente de ração para o inverno e a degradação das pastagens em redor das aldeias devido à sobrepopulação de gado, especialmente no início da primavera, resultam em níveis baixos de engorda, numa diminuição da saúde do gado e numa subsequente quebra de rendibilidade proveniente da pecuária.”
O estudo teve como objetivo caracterizar os sistemas agrícolas predominantes ao nível das suas práticas de pastoreio e de cultivo de forragem, para determinar o grau de procura e oferta anual de forragem para rebanhos, e a contribuição económica das atuais práticas de criação de gado. O grupo de investigação calculou as margens brutas para avaliar o desempenho operacional dos agricultores na produção pecuária. Foi aplicada a programação linear (otimização linear) para otimizar os recursos e o sistema de produção disponíveis com o objetivo de atingir as margens brutas máximas.
Para além de novos conhecimentos científicos, o estudo oferece recomendações e ferramentas que podem ajudar a melhorar os benefícios ao nível das oportunidades de mercado para a pecuária e produtos agrícolas de uma forma sustentável, e permitir aos agricultores ajustar e modificar a sua gestão agrícola.
De acordo com Azamat Azarov, o MSRI está atualmente a desenvolver atividades de acompanhamento para transferir com eficácia estes conhecimentos e recomendações obtidos com a investigação aos decisores políticos a nível nacional e local. A publicação foi traduzida para o idioma quirguiz e os investigadores planeiam envolver os órgãos estatais competentes, o Departamento de Pastagens do Ministério da Agricultura, a Associação Nacional de Utilizadores de Pastagens e os Comités de Pastagens de Naryn, com o intuito de colocar em prática esta investigação.