Fundação Aga Khan
Quénia · 5 abril 2024 · 6 Min
Conheça Elizabeth e Lydia, empreendedoras resilientes que estão a desafiar as probabilidades e a expandir os seus negócios focados no clima. As suas histórias destacam o papel significativo que as empresas lideradas por mulheres têm no combate às alterações climáticas.
Depois de anos a sonhar ser mãe, Elizabeth ficou radiante quando deu à luz, mas os seus primeiros dias de maternidade foram ensombrados pelo stress.
Incapaz de amamentar o seu filho recém-nascido, andava desesperada por aumentar a produção de leite materno. Os agricultores locais no Quénia disseram a Elizabeth para experimentar a moringa em pó, um superalimento rico em nutrientes.
“Eu usei-a e, em poucas horas, estava cheia de leite”, diz. “Recuperei a minha dignidade. Voltaram a ouvir-se risos em casa. As coisas melhoraram com a minha sogra. Foi incrível.”
Elizabeth começou a aprender mais sobre a moringa – que vem de uma árvore indígena de crescimento rápido, é resistente à seca e cresce durante todo o ano – e começou a dá-la a amigos e familiares com problemas de saúde.
“As histórias de sucesso deles eram todas iguais – ‘Deixámos de tomar medicação. As nossas dores de costas desapareceram’”, relembra.
Seguindo o seu instintivo, Elizabeth deixou o emprego e começou a vender moringa – caminhando pelo centro de Nairobi e vendendo o pó em saquetas de 100 gramas. Em 2012, registou a Botanical Treasures como empresa, abriu uma loja no centro de Nairobi e voltou à universidade para estudar nutrição alimentar e dietética para aprofundar os seus conhecimentos.
Restaurar a Terra
Ao mesmo tempo, à medida que iam sofrendo com efeitos climáticos cada vez mais frequentes e severos, os agricultores no Quénia começaram a procurar soluções.
“Começámos a ter períodos de pouca chuva, muita chuva, períodos de seca muito longos, crises em que as pessoas passam meses sem precipitação suficiente para a produção de alimentos”, diz Elizabeth.
De forma natural, ela pensou na moringa, que cresce independentemente dos padrões climáticos imprevisíveis, e que ao mesmo tempo fornece aos agricultores uma fonte de rendimento e nutrientes muito necessários, pois pode ser cozida como vegetal ou usada para fortificar outros alimentos.
Elizabeth ensinou 2000 agricultores a integrarem a moringa nas suas culturas já existentes e a criarem florestas de alimentos feitas de árvores, plantas, frutos secos e frutas que exijam uma baixa manutenção, apoiem a segurança alimentar e regenerem regeneram o solo para “restaurar a Terra”, segundo a própria.
Ela tem apoiado os agricultores na proteção das plantas e árvores indígenas. Por exemplo, antigamente alguns agricultores cortavam amargosas e tamarindeiras e usavam essa madeira para fazer carvão; atualmente, vendem as folhas e os frutos destas árvores a Elizabeth, ajudando-os a obter rendimentos, e evitando as emissões de gases de efeito de estufa e a desflorestação.
Ao trabalhar com os agricultores, Elizabeth expandiu a linha de produtos da empresa e passou a incluir superalimentos e misturas ricas em nutrientes, chás, cápsulas, comprimidos, probióticos e óleos. Hoje em dia, obtém dezenas de ingredientes, incluindo moringa, capim-limão e hibisco, de 300 pequenos agricultores e emprega 50 agricultores durante as estações mais movimentadas.
Apoiar as empresas com uma perspetiva de género
Apesar do crescimento da Botanic Treasures, Elizabeth não conseguia ter acesso a apoio às empresas ou capital adequado para expandir o negócio. Os investidores diziam-lhe que a moringa era pouco pesquisada e que para eles seria mais seguro investir em negócios mais convencionais.
As empresas lideradas por mulheres, como a de Elizabeth, recebem apenas 7% do capital privado e do capital de risco, de acordo com o African Women Impact Fund.
Joseph Murabula, Diretor Executivo do Centro de Inovação Climática do Quénia, explica que as mulheres enfrentam múltiplas barreiras interligadas entre si no que ao acesso ao apoio às empresas diz respeito. A maioria dos terrenos no Quénia é propriedade de homens, por isso as mulheres “não podem levar a cabo os seus próprios projetos agrícolas ou climáticos sem a autorização dos seus maridos ou irmãos”, explica.
Como a maioria das mulheres não possui terrenos, não têm garantias que lhes permitam solicitar um empréstimo, algo que é necessário para iniciar ou expandir um negócio. Para além disso, as mulheres têm muitas vezes responsabilidades ao nível do lar e da família, o que limita o tempo que podem despender nestes projetos.
A Aceleradora de Empreendedoras pelo Clima [em inglês, Accelerating Women Climate Entrepreneurs] (AWCE) – financiada pela Global Affairs Canadá e desenvolvida pela Fundação Aga Khan, pela Rede de Empresários para o Desenvolvimento de Aspen e pelo World University Service do Canadá – é uma iniciativa que reconhece a liderança das mulheres no combate às alterações climáticas e a importância destas nos negócios como um direito pleno e uma responsabilidade colectiva. A sua abordagem inclui identificar e dar resposta às necessidades das mulheres, como a contratação de amas para as crianças das mães participantes no projeto.
Em 2022, dez anos depois de registar a sua empresa, Elizabeth juntou-se à AWCE e diz que, pela primeira vez, se sentiu apoiada enquanto proprietária de uma empresa.
Elizabeth realizou um programa de formação de sete semanas, ao qual se seguiu um período de seis meses de consultoria empresarial individual, tendo adquirido competências em financiamento climático, estratégias de marketing, liderança, bem-estar, preparação para o investimento – e para a aplicação de uma perspetiva de género às suas operações comerciais.
Após a conclusão do programa, Elizabeth e três outros participantes de uma turma de nove membros foram selecionados para receber 5000 dólares em financiamento.
Ela usou os fundos para renovar a sua loja e comprar um desidratador – e começou a implementar as suas aprendizagens.
Elizabeth já dava emprego a mulheres na colheita nas florestas de alimentos – mas os maridos esperavam muitas vezes uma parte dos ganhos. Então Elizabeth ajudou-as a formar cooperativas que retêm parte dos seus rendimentos e que as ajudam a poupar. Muitas destas mulheres são hoje capazes de pagar de forma consistente as propinas escolares dos filhos, algo que ajuda as suas famílias a enfrentarem o ciclo de pobreza.
Levar a energia renovável às famílias
Quando Lydia se juntou à AWCE, ela estava num ponto de viragem no seu negócio, a Byestar Ltd. A empresa instala biodigestores – tanques que recebem matéria orgânica de alimentos, culturas, ou dejetos animais ou humanos e usam-na para criar energia limpa para aquecimento ou para a produção de eletricidade, ajudando as famílias a reduzir os custos de eletricidade e gás.
“As mulheres têm de ir buscar lenha e voltar para cozinhar. Os biodigestores tiram um grande peso dos ombros das mulheres”, diz Lydia.
Para além disso, os resíduos dos biodigestores são usados pelas famílias – a maioria das quais são agricultores de subsistência – como fertilizantes orgânicos, eliminando a necessidade de gastar dinheiro em fertilizantes sintéticos, que empobrecem os solos e contribuem para os gases de efeito de estufa.
Adotar novos modelos
Lydia Awenga, Fundadora da Byestar Ltd
Apesar da satisfação dos clientes e de uma pegada ambiental positiva, o negócio estava a evoluir lentamente. Lydia sabia que tinha de tornar o seu produto principal mais acessível financeiramente.
“Este programa [AWCE] chegou na hora certa porque eu precisava de coragem para fazer certas coisas e estava com algum receio”, diz Lydia. “Tinha na minha cabeça o conceito do pagamento adequado à utilização, mas não estava certa de como estruturá-lo ao nível do meu negócio.”
Silvia Mwaura, Diretora de Programa da Ongoza – a organização queniana que formou e aconselhou empreendedoras como Elizabeth no projeto AWCE – interveio para apoiar Lydia.
“A Lydia era muito reservada”, diz Silvia. “Quando acabou a formação, dissemos: ‘Quem é esta pessoa?’ Ela interiorizou todo o conhecimento. Ela seguiu o nosso conselho. Ela disse: ‘Eu sei o que tenho de fazer e vou fazê-lo’ – e conseguiu o financiamento.”
Depois de trabalhar em estreita colaboração com Silvia numa proposta para um modelo de pagamento adequado à utilização, Lydia recebeu uma doação de 20 000 dólares de um financiador internacional para colocá-lo em prática. Agora, os clientes podem dividir o que antes era um pagamento antecipado único em parcelas mensais ao longo de dois anos.
“Quando estava a preparar a proposta, eu incomodava a Silvia todos os dias. Ela apoiou-me muito. Acho que às vezes a Silvia vê os meus telefonemas e pensa: ‘Esta outra vez não!’” diz Lydia sorrindo.
Lydia, que atualmente gere uma equipa de 15 funcionários, diz que a AWCE foi fundamental para ajudar o seu negócio de biogás a expandir-se, que se adaptou de forma a alcançar mais famílias de baixos rendimentos. Este processo também fez aumentar a sua confiança.
“Tive situações em que um homem chegava e dizia: 'Você é que é a responsável? Tem a certeza de que sabe do que está a falar?'“
Durante um tempo, Lydia ponderou ter um homem como o rosto da empresa enquanto ela trabalhava nos bastidores. Agora, já não tem problemas em ser uma mulher num sector dominado por homens.
“Eu assumo que o negócio é meu. Se a outra pessoa não perceber isso, eu vou-me embora.”
Por Jacky Habib, jornalista freelancer sedeada em Nairobi que faz reportagens sobre justiça social, e questões humanitárias e de género. O seu trabalho já foi publicado na NPR, Al Jazeera, VICE, Toronto Star e outros.