Fundação Aga Khan
Moçambique · 23 outubro 2024 · 3 Min
Em Cabo Delgado, a província mais setentrional de Moçambique, vastas extensões de terra fértil e abundantes recursos marinhos permanecem, em grande medida, por explorar, um paradoxo numa região onde a pobreza e a insegurança alimentar são predominantes. A agricultura de pequena escala é a espinha dorsal das comunidades locais, mas o progresso é dificultado pelo acesso limitado a recursos, uma tecnologia desatualizada e infraestruturas desadequadas. Os padrões climáticos imprevisíveis e os problemas socioeconómicos apenas têm aprofundado as adversidades, restringindo a produtividade agrícola e deixando muitos agricultores no limite.
A situação é agravada pelo conflito em curso e por deslocamentos generalizados de populações. Mais de 582 000 pessoas foram forçadas a deixar as suas casas, exacerbando a sua situação de pobreza e perturbando os meios de subsistência. Atualmente, existem 1,5 milhões de pessoas a precisar urgentemente de ajuda humanitária, muitas delas enfrentando níveis críticos de insegurança alimentar. A vulnerabilidade da região às alterações climáticas tem aumentado ainda mais estas dificuldades, causando quebras nas colheitas, deslocamentos de populações e uma crescente dependência de importações externas de alimentos.
Perante estas dificuldades, surge uma nova iniciativa, a AgroVida, financiada pela Embaixada dos Países Baixos, que pretende traçar um rumo diferente para as comunidades rurais de Cabo Delgado. Através da revitalização dos sistemas de produção alimentar, o programa procura melhorar a sustentabilidade agrícola e promover a capacitação económica dos produtores de alimentos de pequena escala em toda a província, aproveitando o enorme potencial há muito adormecido.
O objetivo global da AgroVida passa por melhorar a nutrição e a segurança alimentar da população de Cabo Delgado. O seu objetivo é abranger 24 500 produtores de alimentos de pequena escala em oito distritos, tendo impacto na vida de 125 000 pessoas. Isto será conseguido através de quatro estratégias.
Através da promoção de técnicas agrícolas sustentáveis, a AgroVida procura reforçar a fertilidade do solo, a retenção de água e a produtividade das culturas, desenvolvendo sistemas agrícolas resilientes. A AgroVida irá fazê-lo através da promoção de sistemas tradicionais e modernos de formação agrícola na região através de uma rede de Campeões Verdes. Esta rede será composta por recém-licenciados dos institutos agrícolas nas proximidades, que receberão formação em agricultura regenerativa, produção piscatória, metodologias de formação participativa, igualdade de género, nutrição e muito mais.
Através da capacitação e do apoio a micro, pequenas e médias empresas do sector agrícola, particularmente junto de mulheres e jovens, a AgroVida visa estimular as economias rurais e abrir caminho a meios de subsistência sustentáveis. Um dos parceiros do consórcio, a Gapi, irá também oferecer pacotes de empréstimos financeiros aos agricultores que desejem expandir a produção. Para além disso, os produtores de alimentos de pequena escala serão convidados a formar grupos comunitários de poupança para promover a poupança e o acesso ao crédito rotativo fora dos sistemas formais bancários e de empréstimos.
A AgroVida deseja melhorar os hábitos alimentares e o bem-estar holístico, promovendo boas práticas nutricionais nas comunidades. Irá integrar a educação nutricional nos currículos existentes dos cursos dos Campeões Verdes e dos Clubes de Produtores, formados por produtores de alimentos de pequena escala, com foco em alimentos diversificados e nutritivos, em produtos locais, na preparação de refeições de baixo custo e na jardinagem doméstica.
O programa irá também colaborar com líderes comunitários e meios de comunicação locais para desfazer mitos culturais acerca do consumo de alimentos, particularmente aqueles que afetam mulheres e crianças. Dado que as estações de rádio comunitárias são uma fonte de informação fundamental na zona rural de Moçambique, a AgroVida irá criar uma rede de repórteres independentes para promover a nutrição e práticas agrícolas sustentáveis, incluindo agricultura regenerativa, matérias-primas de qualidade e técnicas de pesca sustentáveis.
A AgroVida pretende construir um ecossistema alimentar sustentável a nível comunitário, distrital e provincial, promovendo a colaboração e alavancando os recursos locais. O programa irá envolver agricultores comerciais e influenciadores locais na promoção da inovação agrícola e da partilha de conhecimento.
Para apoiar estes esforços, a AgroVida irá introduzir soluções digitais, como plataformas de SMS, que irão fornecer dados em tempo real relativos às colheitas e aos mercados, ajudando os agricultores a otimizar as suas práticas e melhorar o acesso aos mercados. A SmartFarming BV irá gerir a integração e promoção destas ferramentas digitais acessíveis.
Na sequência da abordagem estabelecida pela AKF para o envolvimento das comunidades em Moçambique, a AgroVida irá criar Organizações para o Desenvolvimento das Aldeias (ODV) para funcionarem como centros locais de administração e colaboração. Estas ODV irão promover uma tomada de decisões inclusiva e a participação das populações de base no desenvolvimento sustentável.
A AgroVida planeia estabelecer pelo menos 20 ODV, providenciando formação ao nível da liderança, administração, resolução de conflitos, nutrição e agricultura. Irão apoiar os empresários locais, particularmente as mulheres e os jovens, e irão agilizar a atribuição de terras pelas pessoas deslocadas internamente, promovendo simultaneamente os direitos fundiários. Além disso, as ODV irão agir como agentes de ligação entre as comunidades e os departamentos distritais de agricultura, coordenando fóruns com vários intervenientes, com representantes das comunidades, empresas locais, governo, ONG e sociedade civil.
O lançamento da iniciativa AgroVida marca um momento importante no percurso de Cabo Delgado em direção à resiliência agrícola e à prosperidade económica. Ao capacitar os produtores de alimentos de pequena escala e ao promover a inovação e a resiliência das comunidades, a AgroVida pretende lançar as sementes para um futuro mais próspero e sustentável para o sector agrícola de Moçambique.
A AgroVida será implementada por um consórcio de parceiros, incluindo a ADPP Moçambique, a SmartFarming BV, a Gapi, a Associaçãoh2n, a ThirdWay Partners e a Fundação Aga Khan.