Fundação Aga Khan
Síria · 23 setembro 2024 · 5 Min
Razan Alshehawe, Gestora do Programa de Educação e Desenvolvimento na Primeira Infância da Fundação Aga Khan (AKF) na Síria
Depois de mais de 13 anos de crise, existem 2,4 milhões de crianças sírias que não vão à escola – metade da população em idade escolar. O acesso às unidades de saúde está severamente limitado devido a encerramentos e à falta de transporte e dinheiro. “O conflito também afeta a saúde mental e psicossocial dos pais e cuidadores”, diz a Dra. Dalal Alhamwy, Coordenadora de Programa dos Serviços Aga Khan para a Saúde (AKHS) na Síria. “A maioria perdeu algo, seja um familiar ou a casa. Tem sido difícil, tanto para os deslocados como para as comunidades que os recebem.”
“Foi tudo agravado pela situação económica, o terramoto, a COVID, a cólera – uma coisa leva a outra”, acrescenta Razan. “Serem forçados a deixar as suas casas afeta a segurança e a estabilidade das crianças. Temos também o trauma de serem expostos à violência, o impacto na saúde e na nutrição, a interrupção da educação. As famílias precisam de uma maior consciencialização acerca da importância da interação holística com as crianças desta idade, mas a sua prioridade é tentar alimentá-las.”
O Quadro de Cuidados Nutricionais desenvolvido por parceiros, incluindo a OMS, a UNICEF e o Grupo do Banco Mundial, destaca que as crianças pequenas precisam de ter uma boa saúde, nutrição adequada, segurança e proteção, oportunidades de aprendizagem e cuidadores reativos.
Com isto em mente, e com base em 16 anos de experiência, as agências da AKDN estão a adaptar o programa de desenvolvimento na primeira infância (DPI) na Síria para lidar com os desafios do conflito, da recuperação, das sanções e da escassez. As iniciativas do sector da saúde visam as crianças desde o nascimento até aos três anos, enquanto o apoio educacional se estende até aos oito anos.
Durante as consultas de rotina das crianças, a profissional de saúde verifica todos os aspetos do seu desenvolvimento e oferece aconselhamento aos cuidadores.
AKHS Syria
A UNICEF e a OMS desenvolveram a abordagem de Cuidados para o Desenvolvimento Infantil (CDI), a qual foi adaptada pela AKDN ao programa de Bem-Estar Infantil da Síria, com vista a dar um maior apoio aos pais e cuidadores de crianças desde o nascimento até aos três anos. Durante cada uma das 13 visitas a centros de saúde, o programa avalia o desenvolvimento das crianças, realizando consultas e intervenções, sempre que necessário.
Os AKHS têm encorajado uma abordagem centrada na criança: integrando serviços de pediatria, formando pessoal, apoiando a criação de áreas de recreio e inclusive incentivando a pintura das paredes com cores alegres. Existem agora 65 centros de saúde amigos das crianças em seis províncias.
Com o contributo da AKDN, os formadores e supervisores sírios proporcionam aos profissionais de saúde um programa interativo que aposta na auscultação e orientação de pais e cuidadores durante as visitas. Os formadores comunitários em saúde também desempenham um papel no fortalecimento de uma relação de confiança com pais e cuidadores e no incentivo à sua participação.
Os profissionais de saúde mostram aos pais como usar os materiais disponíveis em casa para interagir e brincar com os seus filhos, respondendo aos seus movimentos, sons e conversas, com o objetivo de apoiar o seu desenvolvimento motor, cognitivo e socioemocional.
“Concentramo-nos nos aspetos positivos”, diz Dalal. “Os pais cantam para os filhos e nós mostramos-lhes como isso é importante para o desenvolvimento da relação e para desenvolver a audição e comunicação das crianças. A maioria dos pais dá telemóveis aos filhos para poderem descansar. Mas desconhecem que pode ser muito perigoso para a visão e audição das crianças, e que, em vez disso, devem brincar com as crianças para desenvolverem a sua confiança e estimularem o seu desenvolvimento. Essa foi outra ideia simples que puderam aplicar em casa.”
Dra. Dalal Alhamwy, Coordenadora de Programa dos Serviços Aga Khan para a Saúde (AKHS) na Síria
Uma avaliação levada a cabo pelos AKHS mostrou que 80% dos 622 profissionais de saúde, formadores e supervisores revelaram ser abordados pelos pais com perguntas sobre o desenvolvimento dos seus filhos, tendo esses uma maior tendência para comparecer nas visitas de acompanhamento. O modelo foi integrado no programa do sector da saúde para o Bem-Estar Infantil.
As crianças desenvolvem o raciocínio espacial e as competências sociais através de atividades com blocos de construção neste infantário comunitário.
AKHS Syria
Em parceria com a UNICEF, a AKF tem apoiado as comunidades na construção de infantários, dando às crianças uma base para as suas competências académicas e de vida. Os funcionários envolvem-se com as comunidades onde não existem recursos, ouvem os seus problemas, explicam a importância do DPI e avaliam a vontade destas em contribuir para um centro local. A AKF apoia as comunidades ao longo de dois anos, oferecendo formação e mentoria. São providenciados recursos de ensino e aprendizagem para garantir que as comunidades são capazes de sustentar o centro de forma independente.
As crianças participam em atividades que desenvolvem competências para um desenvolvimento holístico. Contar histórias e interpretar personagens ajuda a desenvolver as competências de linguagem e criatividade. As brincadeiras estruturadas promovem a interação social e as competências motoras finas, promovendo o desenvolvimento emocional e físico das crianças. A resolução de quebra-cabeças estimula o desenvolvimento cognitivo. Os jogos em grupo desenvolvem o trabalho em equipa e as competências sociais.
Os perfis acerca do desenvolvimento de cada criança mostram que os participantes melhoram as suas competências sociais e emocionais, as quais são fundamentais para uma melhor saúde e relações com os outros. “Podemos reforçar a resiliência das crianças para ajudá-las a enfrentar as adversidades e a adaptar-se a circunstâncias desafiantes”, diz Razan.
“Também ensinamos os pais a interagir com as crianças, a aplicar uma disciplina positiva e a fornecer apoio psicossocial. Inicialmente, os pais podem sentir-se retraídos, mas depois dizem o quanto sentiram falta de brincar com os filhos por causa do impacto da guerra e das exigências do trabalho.”
As cuidadoras em Salamia participam numa sessão sobre nutrição. Elas recebem uma caixa com comida e livros infantis sobre alimentação saudável e higiene pessoal.
AKDN / Ali Shaheen
A maioria dos centros também disponibiliza intervenções básicas de saúde e nutrição, garantindo um apoio abrangente ao desenvolvimento das crianças. Os 59 centros de Educação na Primeira Infância abrangem cerca de 6000 crianças por ano.
Uma delas é a menina pouco comunicativa que conhecemos há pouco. Como é que as coisas lhe têm corrido?
“Depois de se inscrever numa das nossas atividades”, diz Razan, “ela começou a interagir com a professora e os colegas, ainda sem falar. Depois de receber apoio emocional especializado e de a sua família ter recebido orientação sobre a forma de cuidar dela, a menina começou gradualmente a comunicar. Quando o novo ano letivo começou, a jovem entrou no primeiro ano como qualquer outra criança – falando, aprendendo e participando.
“A sua viagem do silêncio ao riso e à criação de laços faz-nos pensar na incrível transformação que pode acontecer quando as crianças recebem o apoio adequado.”