Rede Aga Khan de Desenvolvimento
Emirados Árabes Unidos · 14 dezembro 2023 · 6 Min
COP28 / Amira Grotendiek
Depois de quase duas semanas de COP28, que contou com a participação de mais de 70 000 delegados no Dubai para debater a resposta do mundo às alterações climáticas, que conclusões podem ser tiradas?
As principais notícias foram obviamente acerca do Fundo de Perdas e Danos e houve também debates sérios sobre o futuro dos combustíveis fósseis, mas para além destas histórias houve milhares de outras mais pequenas, mas não menos importantes, relacionadas com as comunidades vulneráveis na linha da frente da crise climática. Os líderes da AKDN estiveram presentes na conferência para chamar a atenção para estas populações, especialmente nos temas da educação, saúde, finanças e resiliência, e para mobilizar recursos para ajudá-las a adaptarem-se ao nosso mundo em mudança. Resumimos aqui as principais ideias-chave.
Durante grande parte da história do debate global acerca de como responder às alterações climáticas o foco tem sido colocado quase exclusivamente na mitigação – reduzir as emissões provocadas pelo homem. A neutralidade carbónica tornou-se uma norma global, com quase todos os governos nacionais e milhares de empresas a apressarem-se a fazer parte do compromisso de eliminar as emissões nocivas até 2050. Este objetivo continua obviamente a ser determinante: para surpresa de muitos, a declaração da COP28 incluiu um compromisso de redução gradual do uso de combustíveis fósseis. Embora não seja um comprometimento tão forte quanto muitos esperavam, este é, no entanto, o primeiro compromisso internacional para a redução da produção e uso de todos os tipos de combustíveis fósseis, e não apenas do carvão.
A adaptação, porém, recebeu menos destaque. A ideia da adaptação aos efeitos das alterações climáticas foi inclusive desconsiderada como derrotista em alguns sectores, uma vez que aceita tacitamente a inevitabilidade desses efeitos. Contudo, em muitos dos países onde a AKDN trabalha, já não há tempo para esses debates; as alterações climáticas já são uma realidade vivida que exige uma resposta urgente.
As iniciativas nesse sentido devem ser levadas a cabo de baixo para cima, uma vez que os impactos das alterações climáticas no terreno têm uma dimensão altamente local e específica e não podem ser discutidos de forma significativa a nível global, onde o debate mais recorrente versa sobre a mitigação. Claro que dizer estas coisas é mais fácil do que fazê-las, e ainda há muito a fazer para que a adaptação se torne tão prioritária quanto necessário, com muitos observadores a expressarem o seu desapontamento com o progresso da COP28 em matéria do financiamento para a adaptação. No entanto, o intenso debate em torno de um Objetivo Global de Adaptação assinala um importante – ainda que insuficiente – passo em frente.
Reuniram-se mais de 70 000 delegados na COP28 (plenário de encerramento na foto acima) para deliberar acerca de estratégias globais de resposta climática.
COP28 / Christopher Edralin
Certos estados insulares pequenos, adorados por turistas e altamente fotogénicos, têm recebido muita atenção nos últimos anos pela sua vulnerabilidade às alterações climáticas. Estes habitats estão a ser seriamente ameaçados, mas estão longe de ser os únicos.
Nos países em que a AKDN trabalha, vemos muitas populações a lidar com a realidade quotidiana de um clima em rápida mudança. Entre estas, nenhumas enfrentam um futuro mais precário do que aquelas que vivem nas montanhas, que têm de suportar eventos climáticos extremos, deslizamentos de terras, o desaparecimento de recursos hídricos e lagos glaciais instáveis.
Para estas comunidades, a adaptação é urgente, mas complicada. Quanto mais conhecimento tiverem acerca dos locais e das formas como as alterações climáticas se vão manifestar, melhor. Mesmo numa única cordilheira, existem imensos microclimas, e os parâmetros que podem permitir ou impedir a habitabilidade de uma aldeia são inúmeros, incluindo a queda de neve, a densidade do gelo, a erosão do solo, as chuvas, os riscos de deslizamentos de terras e outros. A adaptação de uma aldeia pode não ser igual à de outra a apenas alguns quilómetros de distância, e para outras pode nem ser possível.
Ninguém enfrenta um futuro mais precário do que aqueles que vivem nas montanhas, onde a adaptação de uma aldeia pode não ser igual à de outra a apenas alguns quilómetros de distância.
Dhye Dreams by Shanta Nepali, Voices from the Roof of the World
Existem investigadores de todo o mundo a trabalhar para tentar antecipar este futuro complicado. Com a ajuda de cientistas da NASA e de outras agências, a Agência Aga Khan para o Habitat está a usar as bases de dados obtidas junto das comunidades de montanha para tentar prever situações de risco daqui a 30 e até 80 anos nas montanhas da Ásia Central e Meridional. Estes estudos podem ajudar na tomada de decisões difíceis por parte destas comunidades relativamente à forma de se adaptarem a um futuro incerto, seja através da plantação de árvores para reduzir o risco de deslizamentos de terras, da recuperação de terrenos degradados, da construção de estufas para alargar as estações de crescimento ou, em alguns casos, através da relocalização total para locais com mais segurança.
Globalmente, cerca de 70% dos alunos relatam não ter aprendido nada sobre as formas de lidar com as alterações climáticas durante a sua educação formal, de acordo com a ONU. A COP28 ilustrou a rapidez com que isto vai mudar.
Ao longo dos próximos três anos, mais de 80 países têm planos para incorporar o tema das alterações climáticas nos seus currículos escolares nacionais, o que significa que cerca de mil milhões de estudantes em todo o mundo irão aprender acerca das alterações climáticas como parte da sua educação formal durante a próxima década, algo que promete uma revolução geracional na alfabetização ambiental.
Estará o ensino a tornar-se o sector ecológico sobre o qual todos os outros serão construídos? Cerca de mil milhões de estudantes em todo o mundo irão aprender acerca das alterações climáticas como parte da sua educação formal durante a próxima década.
AKDN / Christopher Wilton-Steer
Um elemento encorajador é o facto de 95% dos professores em todo o mundo afirmarem querer ensinar sobre as alterações climáticas, de acordo com um recente estudo da UNESCO. Mas apenas um terço sente ter as competências para fazê-lo, o que significa que dezenas de milhões de professores precisam de novas ferramentas e conhecimentos para ficarem capacitados para esta tarefa. A COP28 intensificou os esforços para tornar isto uma realidade, dedicando pela primeira vez um dia à educação, procurando colocar os professores no centro do debate acerca dos métodos de desenvolvimento de uma educação climática interessante e inclusiva.
O teachersfortheplanet.org, criado pela AKF, é um portal online com mais de 100 soluções de ação climática para a educação lideradas por professores de mais de 60 países e é apenas uma das muitas iniciativas que estão a contribuir para este objetivo. Se forem bem-sucedidos, estes esforços podem fazer do ensino o sector ecológico sobre o qual todos os outros serão construídos.
Independentemente do debate climático ser acerca da mitigação ou da adaptação, há geralmente um custo inicial a pagar. A McKinsey estimou que o custo total da concretização da neutralidade carbónica a nível global seria de cerca de 275 biliões de dólares, ao passo que os custos de adaptação climática estão estimados em centenas de milhares de milhões de dólares por ano.
Se uma empresa decidir fazer a transição dos combustíveis fósseis para as energias renováveis ou do plástico para materiais à base de algas marinhas, vai ter de financiar essa mudança, e isso coloca os financiadores numa posição importantíssima. Estes estão cada vez mais a usar a sua posição para acelerar a mudança.
Nos últimos anos, houve uma explosão de iniciativas e normas ambientais, sociais e de gestão em todos os serviços financeiros, o que significa que o ambiente está a ter cada vez mais peso nas decisões dos bancos sobre os projetos a financiar. O HBL do Paquistão, por exemplo, o maior financiador privado do país, é um dos muitos bancos em todo o mundo que decidiram em 2020, não financiar novos projetos de carvão. Três anos depois, estes anúncios estão agora a ter impacto no mundo real. Como exemplo temos um grande cliente industrial do HBL, que está atualmente a construir uma fábrica de carbonato de sódio e que vai alimentar esta unidade com eletricidade de fontes renováveis em vez de eletricidade proveniente do carvão – uma mudança tangível que irá poupar à empresa e ao planeta muitas toneladas de emissões nocivas. Embora as prioridades ao nível do ambiente ainda estejam longe de ser universais no sector da grande finança, as mudanças como estas podem fazer com que os bancos tenham um papel de destaque na corrida em direção à neutralidade carbónica.
Uma tendência do discurso à volta das alterações climáticas nos últimos anos tem sido a manifestação de que a mitigação é principalmente uma tarefa do mundo rico, uma vez que os países ricos são historicamente os principais responsáveis pelas emissões. Embora isto seja verdade, a realidade é que os países pobres são aqueles que menos se podem dar ao luxo de negligenciar medidas como essas.
Seja através da instalação de infraestruturas de energia renovável, de tornar mais ecológica a cadeia de abastecimento ou de alcançar uma maior eficiência energética, os países que não tomarem estas medidas podem evitar custos no presente, mas irão ver-se sobrecarregados com operações mais onerosas no futuro, tornando-os menos competitivos e menos resilientes aos choques inevitáveis. Por isso, se a mitigação for posta em prática apenas pelos países ricos e os restantes se concentrarem na adaptação, é provável que isto venha a consolidar e ampliar o fosso já existente em matéria de desenvolvimento.
É fundamental que os países de baixos e médios rendimentos obtenham as ferramentas e os recursos para poderem levar a cabo processos de mitigação e de adaptação. Um exemplo é a ferramenta de contabilidade de carbono da AKDN, uma forma simples para qualquer grande organização compreender e reduzir as emissões em qualquer parte do mundo, sem a necessidade de gastar dinheiro na assistência de terceiros. A ferramenta é fácil de implementar em todos os sectores e já foi amplamente partilhada, de forma gratuita. As inovações deste género podem desempenhar um papel importante para tornar a mitigação o mais acessível possível e garantir que todos os países, não apenas os ricos, podem fazer a transição para a neutralidade carbónica.