Fundação Aga Khan
Síria · 16 janeiro 2024 · 8 Min
A colheita de azeite nem sempre foi tão complicada para Munzer Zidan. O agricultor e professor reformado da aldeia de Khirais, na Síria, possui 175 oliveiras. Antigamente, era capaz de produzir 12 tanques de azeite por ano, atividade que se tinha tornado a sua principal fonte de rendimento. No ano passado, a colheita de Munzer nem chegou para encher um tanque de azeite.
“A pluviosidade diminuiu drasticamente, especialmente nos últimos três anos, e isso teve impacto na nossa capacidade de regar as nossas plantações”, disse ele em entrevista.
Enfrentar a seca prolongada
E Munzer não está sozinho. Os seus vizinhos, também eles agricultores, estão a enfrentar problemas semelhantes na pequena aldeia composta por 24 famílias. Os moradores dizem que as consequências de um clima em mudança, incluindo a seca plurianual e os padrões climáticos imprevisíveis do país, têm causado uma redução drástica na sua produtividade agrícola.
Para os agricultores como Munzer, isto significa uma quebra nos rendimentos, o que é particularmente problemático tendo em conta que a Síria está atualmente a passar por uma das piores crises económicas desde o início da guerra civil em 2011. As famílias sofrem de insegurança alimentar, dada a dificuldade em fazer crescer culturas nas suas terras, das quais dependiam anteriormente para o seu sustento.
Um dos vizinhos de Munzer, Suliman Zidan, um líder comunitário e agricultor, disse que o acesso à água tem sido a sua principal preocupação. Juntamente com outros membros da comunidade, Suliman decidiu cavar poços para aumentar o abastecimento de água.
“Decidimos cavar por causa da seca. Tentámos cavar até chegarmos às águas subterrâneas para podermos irrigar as nossas plantações “, explicou Suliman.
Depois, um sismo devastador atingiu a Síria em Fevereiro e Khirais foi gravemente afetada.
“O nosso trabalho foi destruído pelo sismo e tivemos de começar tudo de novo”, disse ele.
De acordo com Bakhtiyor Azizmamadov, Diretor de Programas da Fundação Aga Khan (AKF) na Síria, as alterações climáticas têm tido vários outros impactos catastróficos.
A seca em curso tem causado ondas de calor insuportáveis. Tem contribuído para a perda de colheitas e de gado. E tem havido deslocações e migrações de populações rurais em larga escala, à medida que os agricultores e pastores se mudam para áreas urbanas em busca de oportunidades económicas.
“Existe uma contínua escassez de água. Existem vários rios importantes que estão a sofrer uma redução do seu fluxo de água, algo que tem afetado os meios de subsistência - particularmente a produção agrícola”, disse Azizmamadov.
Reconstruir com acesso instável a energia
Em 2021, os membros da comunidade começaram a reconstruir a aldeia de Khirais, que havia ficado gravemente danificada durante a guerra civil do país. Retiraram as minas terrestres, repararam as casas, plantaram árvores e relançaram projetos agrícolas.
Enquanto os habitantes trabalhavam para revitalizar a sua comunidade, surgiu um obstáculo significativo – o acesso a uma eletricidade fiável.
“Tínhamos três horas de luz e depois três horas sem luz”, disse Munzer acerca dos frequentes apagões na aldeia. “Era tempo suficiente para pormos as máquinas de lavar a trabalhar e gerirmos os nossos frigoríficos, mas agora só temos luz durante uma hora por dia, e isso não chega para nada.”
Dadas as limitações, os moradores tiveram de se ajustar, – mas as consequências eram inevitáveis. As crianças deixaram de estudar à noite. Os alimentos refrigerados estragaram-se. Os residentes deixar de poder usar aparelhos elétricos, como telemóveis.
Isso também afetou a sua capacidade de ganhar dinheiro. Ruba, a esposa de Munzer, geria uma pequena empresa que vendia leite e queijo provenientes das ovelhas e vacas da sua família, e deixou de poder processar estes produtos sem acesso a um frigorífico. Começou a vender leite cru a um intermediário que o processava fora da aldeia, reduzindo assim as suas margens de lucro, numa altura em que a sua família já estava com dificuldades.
O acesso limitado à energia também tem contribuído para o aumento da insegurança alimentar em Khirais e em todo o país. Como a Síria depende em grande parte das águas subterrâneas para consumo humano e para a rega, são necessárias bombas elétricas para garantir um abastecimento estável de água. Mas sem energia, os agricultores como Munzer e Ruba ficam aflitos.
Em combinação com outros fatores, isto resultou em cerca de 12 milhões de pessoas – mais de metade da população da Síria – em situação de insegurança alimentar, com 2,5 milhões em extrema insegurança alimentar.
Incapazes de lidar com a falta de eletricidade, algumas famílias em Khirais compraram geradores para fornecer energia alternativa. Para além de ser caro, o diesel usado nos geradores é refinado a partir de petróleo bruto. Este produz emissões nocivas que poluem o ar, a água e o solo e contribuem para as alterações climáticas. E os estudos mostram que contribui para o desenvolvimento de cancro e para efeitos adversos na saúde cardiovascular e respiratória.
Introdução das energias renováveis
Uma vez que os efeitos das alterações climáticas têm tendência para piorar, os membros da comunidade trabalharam em conjunto para encontrar uma solução sustentável para o seu problema mais urgente. Sabendo que a energia solar iria resolver o problema da falta de eletricidade e ter um efeito positivo na sua comunidade, os moradores começaram a explorar esta possibilidade com o apoio da Fundação Aga Khan na Síria.
Anteriormente, os painéis solares estavam financeiramente fora do alcance dos moradores de Khirais. No entanto, as conversas com a AKF resultaram numa parceria de sucesso.
A AKF instalou painéis solares no telhado do centro comunitário local. Os membros da comunidade criaram uma cooperativa, com todas as 24 famílias de Khirais a juntarem-se como membros, cada uma contribuindo com 500 libras sírias (20 cêntimos de dólar) por mês como taxa de manutenção.
A energia solar permite que as famílias recebam um quilowatt de eletricidade por hora – o suficiente para iluminar a casa, manter o frigorífico a funcionar e alimentar outros dispositivos elétricos essenciais.
Este painel solar transformou a vida em Khirais. Ruba, cujo frigorífico agora funciona 24 horas por dia, 7 dias por semana, recomeçou a processar leite e queijo, eliminando a necessidade de um intermediário.
O seu sobrinho, Hayderah Zidan, de 11 anos, que viveu sem energia fiável durante toda a vida, está feliz por ver as mudanças recentes em Khirais.
“A maior diferença é que agora podemos usar a luz para estudar”, disse o aluno do sexto ano, que agora ajuda na quinta da família quando volta da escola e começa a estudar depois do pôr-do-sol.
Ele também partilhou outra vantagem: “Também posso ver TV sempre que quiser, e não apenas quando temos eletricidade!”
Expandir o acesso à energia solar nas comunidades da Síria
A energia solar é vital para reduzir as emissões de gases de efeito de estufa, o que ajuda a mitigar as alterações climáticas. Quando as comunidades têm acesso a esta energia limpa, como acontece agora em Khirais, a sua resistência às alterações climáticas aumenta, permitindo que se preparem, recuperem e se adaptem melhor às alterações climáticas.
Desde 2021, a Fundação Aga Khan na Síria já apoiou mais de 3400 famílias no acesso a bombas de água alimentadas a energia solar. Estas bombas, que substituem os geradores a diesel, são usadas para a rega. Quando os agricultores conseguem regar as suas terras de forma sustentável, as suas famílias beneficiam de uma melhoria na segurança alimentar e nos meios de subsistência económicos.
Para além de melhorar a qualidade de vida em Khirais, a energia solar também eliminou a necessidade de os moradores usarem querosene, vulgarmente usado como fonte de luz à noite. O querosene, um combustível fóssil, cria emissões de carbono e pode causar problemas de saúde, como asma, doenças cardíacas, AVC, doenças pulmonares e cancro do pulmão.
As iniciativas comunitárias como o painel solar de Khirais aproveitam o alto potencial da energia solar da Síria, permitindo que as pessoas se afastem dos combustíveis fósseis, o que irá reduzir as emissões, fornecer energia descentralizada, reduzir a poluição do ar e permitir que as comunidades vulneráveis implementem soluções energéticas económicas.
“[A energia solar em Khirais] é um sucesso no sentido em que cobre toda a aldeia”, disse Azizmamadov. “Todas as casas da aldeia, incluindo os espaços públicos, têm eletricidade durante 24 horas e a comunidade está a gerir muito bem o sistema.”
Com os residentes de Khirais a reportarem uma melhoria significativa na sua qualidade de vida e uma maior capacidade de expandir as atividades agrícolas, a Fundação Aga Khan procura aproveitar o sucesso deste projeto-piloto para promover soluções renováveis lideradas pelas comunidades nos seus programas de combate aos desafios climáticos e, ao mesmo tempo, criar oportunidades económicas. A organização planeia replicar o projeto solar em 10 aldeias todos os anos, cada uma com 50 a 250 famílias.
Além disso, a Fundação Aga Khan na Síria tem apoiado quase 160 microempresas com ajuda financeira para instalarem sistemas solares com até quatro quilowatts de capacidade. Estes sistemas solares ajudam os proprietários das pequenas empresas a continuar a operar e permitem que mantenham os postos de trabalho, eliminando as despesas com combustível e a dependência de geradores a diesel.
A AKF também tem apoiado iniciativas comunitárias na Síria para iluminar, com recurso a energia solar, ruas e espaços públicos, como parques. Muitas vezes, os membros da comunidade usam estes espaços para se reunirem e organizarem celebrações – criando um resultado inesperado e positivo ao nível do reforço do sentido de comunidade e da solidariedade.
“Na verdade, a tensão diminui quando todos têm eletricidade”, disse Azizmamadov. “Contribui para a coesão social, a amizade e para que as pessoas se ajudem mais na comunidade.”
Por Jacky Habib, jornalista freelancer sedeada em Nairobi que faz reportagens sobre justiça social, e questões humanitárias e de género. O seu trabalho já foi publicado na NPR, Al Jazeera, VICE, Toronto Star e outros.