Fundação Aga Khan
Paquistão · 19 outubro 2022 · 9 Min
Défice de crescimento infantil
Nas regiões remotas e montanhosas do Afeganistão, Paquistão e Tajiquistão, cerca de metade das crianças tem problemas de crescimento, não atingindo o seu peso e altura ideais. As más práticas alimentares e a baixa qualidade dos alimentos desde a idade de desmame, agravadas por uma elevado impacto de doenças, em especial a diarreia, contribuem para o raquitismo e um défice de crescimento. Esta subnutrição crónica é frequentemente agravada por altos níveis de anemia e subnutrição aguda causadas por insegurança alimentar, crises humanitárias ou doenças.1852
O défice de crescimento não se trata apenas de as crianças não atingirem a sua altura potencial. Os órgãos e o sistema imunitário de uma criança de dois anos subnutrida correm o risco de subdesenvolvimento, tornando-a mais suscetível a doenças ao longo da sua vida. Ela terá poucas hipóteses de atingir o seu pico mental, o que irá levar a um pobre desempenho escolar e a uma capacidade permanentemente inferior de obter rendimentos. A consequente falta de recursos e, no caso de uma mãe, o seu próprio estado de subnutrição durante a gravidez e a amamentação, põe em marcha um padrão que se irá fazer sentir nas gerações futuras.
Iniciativa de Combate ao Défice de Crescimento na Ásia Central (CASI)
A Fundação Aga Khan (AKF) está a trabalhar com a Universidade Aga Khan (AKU) e os Serviços Aga Khan para a Saúde (AKHS) para quebrar este ciclo. A iniciativa abrange toda a população, cerca de 387 500 pessoas, de 475 comunidades remotas e marginalizadas de Badakhshan, no Afeganistão, de Gilguite-Baltistão e Chitral (GBC), no Paquistão, e no Oblast Autónomo de Gorno-Badakhshan (GBAO), no Tajiquistão. Através de uma abordagem multissectorial de longo prazo, o objetivo passa por prevenir e tratar o défice de crescimento e melhorar a nutrição de toda a comunidade.
Inicialmente, a equipa do projeto combinou evidências secundárias com os seus próprios estudos de base, analisou indicadores de subnutrição como o índice de massa corporal e a circunferência do braço e recolheu amostras de sangue para verificar os níveis de ferro. Dando prioridade aos primeiros 1000 dias (incluindo a gravidez) e, posteriormente, às crianças dos dois aos cinco anos, a equipa prestou apoio nutricional, incluindo micronutrientes para mulheres grávidas e lactantes, desenvolveu as capacidades das unidades de saúde ao nível da identificação e tratamento da subnutrição, e formou pessoal de saúde para oferecer conselhos sobre nutrição e amamentação.
A equipa da AKDN está a trabalhar em estreita colaboração com governos e parceiros internacionais com objetivos semelhantes.
A Dra. Aminah Jahangir, coordenadora de programa da CASI, licenciada da AKU e especialista em saúde e nutrição, diz: “O Programa Alimentar Mundial (PAM) e a UNICEF apoiaram-nos na aquisição de equipamentos, produtos nutricionais e micronutrientes. Coordenamos em conjunto com eles a conceção, desenvolvimento e implementação em cada país. No Tajiquistão, o PAM entregou um certificado de reconhecimento à AKDN pelos nossos esforços na aplicação de protocolos relacionados com a subnutrição aguda e na introdução do nutriente Acha-Mum para o tratamento da subnutrição aguda moderada. Estes protocolos também serão estendidos a outras partes do país.
Dividimos igualmente alguns serviços com os nossos parceiros – nós prestamos serviços de apoio à subnutrição aguda moderada no Tajiquistão, mas os casos graves e complicados de subnutrição aguda são tratados nos centros de estabilização através do apoio da UNICEF. No Paquistão, introduzimos protocolos para a subnutrição aguda moderada e casos não complicados de subnutrição aguda grave em regiões abrangidas pela CASI. Encaminhamos os pacientes para os centros de estabilização administrados pela Organização Mundial da Saúde no Paquistão e temos reuniões regulares com estes e com o Ministério de Saúde para promover o fortalecimento destes centros. Temos um grupo técnico de trabalho a nível provincial com o qual os parceiros partilham dados e recebem informações acerca de protocolos técnicos.
No Afeganistão, fazemos parte do grupo de nutrição e garantimos que não existe sobreposição entre os nossos serviços e os dos outros parceiros de desenvolvimento, como o PAM e a UNICEF. Implementamos um programa para a prevenção do défice de crescimento apoiado pelo PAM em alguns distritos de Badakhshan não abrangidos pela CASI. Também trabalhamos em estreita colaboração com a UNICEF no Afeganistão para apoiar os serviços de gestão de pacientes internados em situação grave de subnutrição em três unidades.”
Abordagem à subnutrição materna
Há vários meses em que as famílias só conseguem ter acesso a uma ou duas colheitas, resultando numa dieta pouco diversa e insuficiente para obter micro e macronutrientes essenciais. No distrito de Murghab, no GBAO, as circunstâncias económicas e geográficas de Mavluda Fakirmamadova, de 25 anos, não lhe permitiam uma dieta variada. Com uma carência de vitaminas, pesava apenas 39 kg, vivia cansada e atordoada, e não conseguia engravidar. Mas o coordenador distrital da AKF para a CASI forneceu-lhe Super Cereal, um alimento fortificado. Num mês, ganhou peso, melhorou a saúde e ficou agradavelmente surpreendida ao descobrir que estava grávida. Em Junho de 2022, nasceu Jumabekova Hayotbegim com um bom peso e altura (3,2 kg e 49 cm).
Recém-nascidos
No Tajiquistão, o programa trabalha com unidades governamentais, formando-as e apoiando-as na determinação do peso dos bebés, nas primeiras 24 horas após o seu nascimento, identificando as crianças com peso reduzido e encaminhando as que tiverem menos de 1,5 kg para a unidade de cuidados intensivos neonatais (UTIN) no Centro Médico Aga Khan, em Khorog (AKMCK). Os funcionários estão a começar a desenvolver capacidades para prestar estes nível avançado de assistência em hospitais públicos distritais em algumas áreas. Os bebés nascidos com baixo peso extremo oriundos de áreas não cobertas pela CASI também estão a ser aceites.
“Esses bebés têm uma hipótese limitada de sobrevivência se não derem entrada na UTIN”, diz a Dra. Claudia Hudspeth, Diretora Global de Saúde e Nutrição da AKF. “Mesmo que a criança seja de uma aldeia que não faça parte da nossa área programática, a decisão é óbvia. Vamos tratá-la.”
Ismat, do distrito de Ishkashim, nasceu prematuro à 26.ª semana de gravidez. Com 800g – menos de um quarto do peso habitual de um recém-nascido – e apenas 33 cm de comprimento em vez dos habituais 50, passou 90 dias na UTIN do AKMCK. A sua mãe, Gulyaman, disse:
“Quando olhava para o Ismat, ficava sempre receosa e sem certeza de que um bebé tão pequeno fosse sobreviver. Até tinha medo de segurá-lo e abraçá-lo. Quando vinha alimentá-lo, falava sempre com ele. Apesar de tudo, tinha esperança de que viéssemos a superar juntos aqueles dias complicados. Agora ele está a ganhar peso e eu estou muito feliz. Depois de termos vencido uma luta pela vida, estamos finalmente em casa com o meu filho.”
Dra. Claudia Hudspeth, Diretora Global de Saúde e Nutrição da AKF
Os primeiros 1000 dias
“Em algumas áreas, o baixo peso ao nascer pode afetar até 20% dos bebés”, diz Claudia. “As crianças nascem com menos de 2,5 kg, e é muito difícil recuperarem quando nascem numa situação de carência. Por isso, a ideia passa por evitar o baixo peso ao nascer, em primeiro lugar, trabalhando com toda uma geração para garantir que, ao engravidar, uma mãe está bem nutrida, de modo a tentar evitar que o bebé seja subnutrido. Mas se o bebé estiver subnutrido, devemos atacar muito rapidamente o problema para que recuperem e se mantenham no bom caminho.”
O bebé Alim Davlatmamadov, da Aldeia de Midenved, no GBAO, não se estava a alimentar de forma adequada apesar da oferta de alimentos nutritivos e do empenho da mãe, e foi internado com uma infeção respiratória aguda, raquitismo, anemia e subnutrição aguda leve. Com oito meses, estava quase com um quilo abaixo do peso.
A AKF oferece às crianças que estão consideravelmente abaixo do peso o suplemento alimentar pronto a tomar Acha-Mum. Depois de iniciar o suplemento, Alim voltou a comer e a beber os sumos caseiros de frutas e vegetais. Por altura do seu primeiro aniversário, os índices de saúde já tinham voltado ao normal e já estava a ganhar peso.
Adolescentes
“Para além do trabalho com crianças e grávidas, também nos estamos a concentrar na nutrição de raparigas adolescentes. A segunda década da vida das crianças é a grande oportunidade para a recuperação no crescimento. Se já forem anémicas, a menstruação irá agravar a anemia, sendo que as adolescentes também tendem a receber menos alimentos no seio da família do que aquilo que realmente precisam. Em muitas das regiões onde trabalhamos, as adolescentes, mais cedo ou mais tarde, vão ser mães e, se estiverem bem nutridas, vão poder transmitir essa boa nutrição aos filhos recém-nascidos, e melhorar a nutrição da família. É um benefício triplo”, diz Claudia.
Os resultados
Entre Setembro de 2019 e Julho de 2022, as intervenções da CASI abrangeram quase 65 000 crianças em três países, das quais quase três quartos tinham entre 0 e 4 anos. As 147 unidades de saúde do projeto receberam equipamentos para avaliar o estado nutricional de mulheres e bebés, medir o peso ao nascer e cuidar de bebés com baixo peso. Receberam suplementos nutricionais para combater a subnutrição, embora a distribuição de suplementos no Afeganistão tenha sofrido atrasos devido ao conflito. Mais de 600 prestadores de cuidados de saúde e agentes comunitários de saúde obtiveram formação em monitorização do crescimento, aconselhamento, protocolos de défice de crescimento e subnutrição aguda, e cuidados e sobrevivência de recém-nascidos, com 89% dos 170 000 homens e mulheres selecionados pela CASI a participarem em sessões de formação nutricional e atividades para a mudança de comportamentos.
O programa alcançou uma redução relativa anual média no défice de crescimento entre dois e sete por cento (qualquer valor acima de dois por cento é considerado exemplar segundo os padrões mundiais), com melhorias a nível individual e populacional. Não foi só a prevalência do défice de crescimento a diminuir, as crianças que não estavam clinicamente diagnosticadas também estão hoje mais bem nutridas do que anteriormente.
A CASI está no quinto ano de atividade. Com estas reduções nos índices do défice de crescimento e os ganhos nutricionais ano após ano, a equipa espera melhorias cada vez mais significativas na saúde e no desenvolvimento materno-infantil. Deseja continuar a aprofundar o impacto ao longo de uma geração para quebrar o ciclo de subnutrição.
A AKDN também está a começar a voltar a sua atenção para outra doença não-transmissível com bastante peso na Ásia Central. Um dos seus objetivos programáticos a nível nutricional é prevenir a obesidade, causada por alimentos de má qualidade e ambientes construídos que não incentivam o exercício.
“Comer de forma saudável é caro, especialmente perante o ambiente inflacionista”, diz Claudia. “Também tem havido uma perda de tipos históricos de alimentos. No Vale de Hunza, temos uma história incrível do uso de óleos e sopas saudáveis de alperce. Mas estas receitas faziam parte do repertório das bisavós de muita gente, e muita dessa história oral tem-se perdido. Passámos para este sistema alimentar moderno sem ter a capacidade de contrabalançá-lo com exercício físico. Cerca de um terço dos adultos no Quirguistão e no Tajiquistão têm excesso de peso ou são obesos. Estamos a tentar fazer mais ao nível dos recreios das escolas e da educação nutricional. Porque é difícil perder peso em adulto – mas em criança é possível mudar.”
O que se segue
Intervenções integradoras
No artigo “Como reduzir o défice de crescimento em grande escala: Lições de países exemplares“, o Dr. Zulfiqar Bhutta, da AKU, e outros autores, concluíram que metade dos resultados na redução do défice de crescimento pode ser atribuída a intervenções não relacionadas com a saúde. A AKDN é capaz de reunir a educação, o rastreio e tratamento em saúde, o fornecimento de suplementos alimentares, as iniciativas destinadas a aumentar os rendimentos das famílias, a educação para a igualdade de género, os programas de agricultura e segurança alimentar, e o fornecimento de água e saneamento para atingir os objetivos nutricionais. “Temos tudo debaixo do mesmo tecto para conseguir um impacto realmente significativo nas regiões onde trabalhamos, porque estamos a trabalhar em grande escala em massa crítica num quadro multissectorial”, diz Claudia. “Não é um ambiente fácil para o financiamento, mas agora temos um modelo comprovado que funciona.”
Dra. Claudia Hudspeth, Diretora Global de Saúde e Nutrição da AKF
Garantir a Sustentabilidade
Dra. Aminah Jahangir, Coordenadora do Programa CASI
Aminah explica como os efeitos da CASI devem continuar para além do seu longo ciclo de financiamento: “Existe um grande foco na mudança de comportamentos e na mobilização das comunidades mediante não apenas a educação, mas também o desenvolvimento de uma dieta através de receitas locais e da noção de que uma dieta pode ser enriquecida com aquilo que estiver disponível, e em questões como a frequência mínima de refeições e a diversidade alimentar mínima.
Estamos a analisar a forma como os produtos de nutrição podem ser produzidos pela própria AKDN, ou através de uma parceria, para torná-los mais baratos e acessíveis.
Estamos a proceder ao desenvolvimento de capacidades junto de promotores de saúde comunitários, com trabalhadoras em saúde no Paquistão, e ao nível dos prestadores de serviços de saúde, estando também a formar os principais funcionários das nossas instituições. Realizámos uma iniciativa de formação em grande escala de funcionários do governo em cada país para garantir que estes entendem e implementam os protocolos.
Trabalhamos em estreita colaboração com os governos para o design do programa e de todas as intervenções. No Paquistão, o mesmo design está a ser replicado pelo governo noutros distritos de GBC. Todo o financiamento provém do governo do Paquistão, mas o design está a ser conduzido por membros do nosso grupo técnico, como o Dr. Zulfiqar Bhutta, o Dr. Sajid Sufi e o Dr. Atif Habib.”
A CASI, com o seu foco na sustentabilidade e na capacitação, pôs em marcha um processo que deve ajudar a quebrar o ciclo de subnutrição e défice de crescimento para as gerações futuras.