Por Sua Alteza o Aga Khan, Lisbon, Portugal · 31 março 2019 · 6 Min
Bismillah-ir-Rahman-ir-Rahim
Sua Excelência Senhor Presidente da República, Professor Marcelo Rebelo de Sousa,
Sua Excelência Vice-Presidente do Parlamento, Senhor Jorge Lacão,
Senhora Isabel Mota, Presidente da Fundação Gulbenkian
Membros do Governo e do Parlamento,
Diplomatas, Excelências, Distintos Convidados,
Senhoras e Senhores
É um grande prazer - e uma grande honra - dar as boas-vindas a todos vocês hoje aqui reunidos neste local excecional para esta extraordinária ocasião.
Os meus votos de boas-vindas são feitos também em nome de muitas outras pessoas - em todo o mundo - que tornaram possível este evento.
Falo, obviamente, das que fazem parte do Jamat Ismaili e da Rede Aga Khan para o Desenvolvimento, mas, de um modo mais abrangente, de todas aquelas que ajudaram a organizar os Prémios Aga Khan para a Música. Os meus cumprimentos a todos eles - aos selecionadores dos finalistas, aos membros do Comité Diretivo dos Prémios, ao Grande Júri, ao Secretariado dos Prémios e todos os participantes. E, claro, saúdo todos os Premiados cujo talento musical enriqueceu, de uma forma tão generosa, o programa de hoje.
Agradeço igualmente aos nossos colaboradores aqui em Lisboa que ajudaram a planear o programa desta edição inaugural e à Fundação Gulbenkian pelo seu valioso apoio. Este evento celebra a realização artística e os efeitos sociológicos dessa realização artística em diversos lugares e culturas. E este local, na minha opinião, é o local perfeito para fazer isso. A Fundação Calouste Gulbenkian é respeitada em todo o mundo pelo seu papel no enaltecimento das artes e das ciências, enquanto Lisboa tem sido uma das cidades mais acolhedoras do mundo para pessoas de diferentes culturas e origens, tendo Portugal desempenhado um papel importante ao longo dos séculos de trazer para os países deste continente as culturas de terras distantes.
A presença aqui esta noite do Presidente de Portugal, do Vice-Presidente da Assembleia da República, da Ministra da Cultura e de tantos membros do Parlamento, comprova de forma inequívoca o compromisso deste país para com os ideais pluralistas na busca de um amanhã melhor. Sentimo-nos profundamente honrados pela vossa presença hoje.
Os músicos que homenageamos este fim de semana representam formas bastante diversificadas do património musical muçulmano. Tenho a noção de que, em muitas partes do mundo, as palavras “muçulmano” e “música” não são associadas com frequência junto da opinião pública. Mas deveriam ser. O património cultural do Islão há muito que adotou a linguagem musical como uma expressão elementar da espiritualidade humana. Ouvir música, praticar música, partilhar música, tocar música, há muito tempo que são uma parte importante da vida das comunidades muçulmanas em todo o mundo, assim como o canto de textos devocionais, históricos ou épicos.
Aprendi, ainda em jovem, o modo como os meus próprios antepassados, os fatímidas, estimulavam a música na cidade do Cairo, há mil anos. E também aprendi que a região ibérica onde nos encontramos, o território conhecido como Al-Andalus, produziu inovadoras formas de música e poesia no final do período medieval. Foi aqui no Al-Andalus que muçulmanos, judeus e cristãos criaram em conjunto uma cultura exemplar de tolerância, fomentando a criatividade musical que incluía até novos tipos de instrumentos musicais e abordagens pioneiras à educação musical.
Recordo, também, uma visita que fiz ao Tajiquistão em 1995, durante a qual fiquei profundamente impressionado com a riqueza da vida musical daqueles que visitei. Comecei a pensar ainda mais acerca das formas através das quais a música pode ser uma forte âncora cultural, aprofundando um sentimento de comunidade, identidade e património, e ao mesmo tempo alcançando de forma arrojada as pessoas de diferentes contextos.
Lembro-me de partilhar estas ideias com meu o irmão, o Príncipe Amyn Aga Khan, cuja orientação ajudou a lançar as bases, em 2001, para o que viemos a chamar de Iniciativa Aga Khan para a Música. E esse projeto conduziu diretamente aos Prémios para a Música, que hoje aqui inauguramos.
A Iniciativa Aga Khan para a Música focou-se, numa fase inicial, nos países da Ásia Central. Esta era uma missão urgente, uma vez que a antiga União Soviética, durante o seu domínio sobre estas regiões, desencorajou ativamente, chegando mesmo a reprimir, a música ligada aos modos tradicionais de vida. A Iniciativa para a Música trabalhou num primeiro momento junto das comunidades locais para aumentar a sua consciência acerca do seu próprio património musical, para garantir que se criava uma nova geração de músicos que tocasse os instrumentos tradicionais, que pudessem depois apresentar esta música e estes músicos a um público internacional. E funcionou - a dois níveis. Ajudou os músicos, numa primeira instância, a obter rendimentos que lhes permitissem continuar a desenvolver os seus talentos. E promoveu também uma compreensão pluralista das culturas muçulmanas e da partilha intercultural.
O sucesso inicial desta iniciativa na Ásia Central levou à expansão da Iniciativa para a Música para além das fronteiras da Ásia Central, passando a incluir países da Ásia do Sul, do Médio Oriente e de África. Com isto, foi para além das atuações musicais, incluindo novas composições e criações, sendo que todo este trabalho complementou os nossos outros esforços no sentido de estimular o desenvolvimento económico e social, contribuir para comunidades mais estáveis, encorajar um novo sentimento de inspiração e esperança, e construir vetores de conectividade humana entre antigas divisões.
Um outro elemento que aprendemos a apreciar e a partilhar é a notável diversidade que existe no mundo da música muçulmana! Ela tem muitos estilos, formatos e repertórios clássicos. Inclui melodias folclóricas simples, música mística contemplativa e ritmos de dança impulsionadores; e reflete a imensa diversidade das diferentes culturas muçulmanas, incluindo as tradições musicais que foram cuidadosamente cultivadas ao longo de séculos no seio da comunidade Ismaili.
Ao criar os Prémios para a Música, esperamos conseguir expandir o alcance e o impacto original da Iniciativa para a Música. Neste sentido, os vencedores dos Prémios não irão receber apenas um prémio em dinheiro, mas também serão convidados a colaborar com o secretariado dos Prémios para a Música para ampliar o impacto do seu trabalho criativo, através do diálogo entre si. O objetivo não passa apenas por ajudar a atual geração de artistas, mas também inspirar uma nova geração de jovens artistas e compositores no Oriente e no Ocidente.
Em todas as atuações ao longo deste evento, irão poder ouvir músicos extraordinários a expressarem-se nas suas próprias linguagens artísticas. Hoje aqui em Lisboa - e em todo o mundo nos próximos meses e anos - as suas vozes irão continuar, acreditamos nós, a transcender as antigas fronteiras do tempo e do lugar, lembrando ao mundo que todo e qualquer indivíduo pode reagir à arte e à música, venha esta de uma cultura diferente ou não.
Afinal, a arte é uma questão de humanidade tanto quanto é uma questão de identidade. Como a tradição islâmica nos vem recordando ao longo de tantos séculos, a centelha Divina que nos confere a nossa individualidade também une todos os indivíduos numa família humana coletiva.
Perante esta luz, aprendemos a ver as nossas diferenças de uma nova forma. Conseguimos perceber que a diversidade cultural não é um fardo nem uma ameaça. É, na verdade, uma Dádiva Divina, uma oportunidade para aprender e crescer, uma oportunidade para compreender e apreciar a Identidade do Outro e, deste modo, a nossa própria identidade essencial.
As forças tecnológicas que estão a remodelar o nosso mundo fazem com que os vizinhos que vivem do outro lado do planeta estejam agora tão perto de nós quanto os vizinhos que vivem do outro lado da rua. Num mundo assim, a paz e o progresso exigem que promovamos uma agenda pluralista e que invistamos numa ética cosmopolita. Estes Prémios para a Música pretendem ser um investimento no sentido dessa promoção.
Obrigado.