Por Ms. Amina J. Mohammed, Lisboa, Portugal · 11 junho 2019 · 18 Min
Sua Alteza o Aga Khan,
Suas Excelências,
O Presidente da Assembleia
Senhoras e senhores,
E vi tantos amigos na plateia ao chegar aqui esta tarde
É realmente um grande prazer e um privilégio estar aqui convosco para falar sobre o pluralismo e o papel central na ação das Nações Unidas e especialmente na Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável. É igualmente maravilhoso estar neste Centro, um edifício verdadeiramente encantador, com os seus jardins, pátios e as duas instituições de investigação que nos ajudam a aproximar o Islão e as culturas ocidentais. Agradeço ao GCP - sabem que este evento está repleto de siglas, por isso deixo-vos com mais esta para o Centro Global pelo Pluralismo - e ao Imamat Ismaili por esta oportunidade e por todo o trabalho incrível que fazem na promoção do pluralismo, da diversidade, da inclusão e por um mundo melhor e mais pacífico para todos nós.
A tensão entre a união e o pluralismo, entre o todo e as suas partes constituintes, vem sendo debatida por pensadores e filósofos há milhares de anos.
Há dois milénios, o imperador indiano Ashoka, o Grande, exigiu que existissem relações harmoniosas entre pessoas de todas as religiões e respeito pelas escrituras sagradas de cada um.
E nas Nações Unidas existe uma carpete magnífica, um presente do povo do Irão, na qual está inscrito o poema conhecido como Bani Adam, os Filhos de Adão, do grande poeta persa Sa'adi. E há uma parte que diz o seguinte:
“Se não tens compaixão pelos problemas dos outros,
És indigno de ser chamado "um Humano".
O ano passado, neste encontro, a académica religiosa Karen Armstrong disse que a primeira coisa que lhe chamou a atenção no Islão foi o seu pluralismo e o facto de que o Alcorão Sagrado não só elogiava todos os grandes profetas das religiões abraâmicas como os aceitava como profetas do Islamismo. Na verdade, o pluralismo, o respeito pela diferença e a ética de uma humanidade comum partilhada são características de muitas das nossas diferentes culturas e religiões.
O meu próprio continente, África, inclui algumas das sociedades mais pluralistas do mundo, com uma diversidade de grupos tribais, étnicos, culturais e religiosos, diferentes tradições e pessoas divididas entre realidades urbanas e rurais.
O pluralismo é o ADN das Nações Unidas. A Carta, o nosso documento fundador, refere-se a “Nós, os povos” das Nações Unidas, e diz que estamos “determinados a praticar a tolerância e a viver juntos em paz uns com os outros como bons vizinhos”.
Hoje, não vou acrescentar ao debate filosófico à volta do pluralismo. Acredito que o debate já foi amplamente discutido, e vencido - embora devamos sempre permanecer vigilantes.
Mas ainda que o debate teórico possa ter terminado, ainda temos um longo caminho a percorrer até que possamos dizer que o nosso mundo está a cumprir essa promessa. Em alguns casos, existem obstáculos históricos e culturais, ou um desconhecimento ou incompreensão; noutros, é uma questão de vontade política e, hoje em dia, até de um fosso entre gerações.
Hoje, gostaria de falar sobre o fosso entre as palavras e as ações; entre o ideal do pluralismo e as políticas e estratégias que nos permitirão colher os seus benefícios no nosso quotidiano.
Gostaria de vincular o pluralismo ao trabalho da ONU no terreno em todo o mundo, na promoção dos direitos humanos, da inclusão e do respeito pela diversidade - a única forma, creio eu, de não deixarmos ninguém para trás e enfrentar os desafios globais que temos pela frente e fomentar a paz e a prosperidade para todos.
Suas excelências, senhoras e senhores, amigos,
Na estrutura das Nações Unidas e da nossa Agenda Global atual - os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável - incorporámos o princípio da inclusão, uma palavra que é em grande parte um sinónimo de pluralismo. Na verdade, um dos 17 objetivos é dedicado à construção de sociedades pacíficas e inclusivas. Diria que os dois conceitos não estão separados, mas as sociedades são mais pacíficas porque são inclusivas. Temos provas crescentes de que uma maior diversidade e inclusão, particularmente a inclusão de mulheres, estão correlacionadas com um PIB mais alto, governos mais reativos, melhores resultados finais, uma maior estabilidade, e um grau de paz e desenvolvimento mais sustentáveis. Mas se o plano de negócios para a inclusão é claro, hoje podemos afirmar que as nossas ações não têm refletido isso.
Ainda que muitos líderes falem de inclusão, o facto é que estamos a viver as consequências da exclusão. A intolerância, a exclusão, a necessidade de dominar, a falta de respeito pela diferença estão profundamente enraizadas em muitas das nossas políticas e sistemas - políticos, económicos e sociais.
Nós criámos um mundo no qual, segundo estudos recentes, em 2030, 1% das pessoas mais ricas poderá controlar dois terços da riqueza do planeta. O poder económico e, em muitos casos, político está muitas vezes concentrado nas mãos de poucos. Os direitos das mulheres e raparigas, das minorias e de pessoas marginalizadas de todos os tipos são sistematicamente desprezados. Em muitos casos, os que estão no poder agarram-se aos cargos de todas as formas durante demasiado tempo, e muitas vezes, acredito eu, por medo de serem eles próprios excluídos.
A desigualdade atinge níveis extraordinários e está a crescer, tanto nos nossos países como na relação entre nações. Depois de uma década de declínio, o número de pessoas em situação de fome crónica no mundo voltou recentemente a aumentar - apesar de existir comida em abundância para todos.
Criámos um mundo no qual definimos a segurança como a imposição de fronteiras, a exclusão do outro e a acumulação de armas. Constatamos isso nos 1,8 mil biliões de dólares que se estimam ter sido gastos no setor militar só no ano passado, uma fração dos quais proporcionaria dignidade e oportunidade aos mais vulneráveis.
Criámos um mundo no qual se verifica um aumento do etnonacionalismo, da intolerância, da discriminação e da violência que atinge as mulheres, as nossas mães, as nossas irmãs, as nossas avós, as minorias e os migrantes, refugiados e qualquer um que seja considerado diferente ou “o outro”. O espaço cívico está a encolher; os direitos básicos estão a ser atacados; coisas que muitas vezes tomámos como garantidas; os ativistas e jornalistas são vistos como alvos; campanhas de desinformação e discursos de ódio alastram como fogo nas redes sociais.
O discurso do ódio está a passar para a corrente dominante em muitos países e regiões - tanto em democracias liberais como em estados autoritários. As constituições que são fundadas no pluralismo e no respeito pela diferença são desacreditadas à medida que grupos diferentes e minorias são atacados.
O acesso à informação é definido individualmente, para que vivamos vidas atomizadas, nas nossas próprias câmaras de ressonância, dentro das quais as notícias e a publicidade refletem e reforçam a nossa suposta perspetiva do mundo. A menos que nós próprios escolhamos ir em busca de outros, podemos não ficar expostos, como estávamos antes, a pontos de vista e argumentos alternativos que desafiem as nossas crenças.
Os ataques a locais de culto são alguns dos exemplos mais flagrantes da falta de respeito pelos outros e pela nossa humanidade comum, e estão a aumentar. Só nos últimos meses, assistimos a terríveis ataques a mesquitas na Nova Zelândia, a igrejas no Sri Lanka e a sinagogas nos Estados Unidos.
Existe um número recorde de pessoas em trânsito em todo o mundo, a fugir de conflitos, seca, pobreza e falta de oportunidades. Ao mesmo tempo, os refugiados e migrantes são atacados tanto fisica como retoricamente, com falsas narrativas que os ligam ao terrorismo e os usam como bodes expiatórios de muitos dos males da sociedade.
Milhões de mulheres e raparigas enfrentam insegurança e a violação dos seus direitos humanos todos os dias. A violência é usada para reforçar o patriarcalismo e a desigualdade de género e para policiar o papel das mulheres na nossa sociedade. Excluir metade da nossa população não afeta apenas as nossas mães, filhas e irmãs; afeta cada um de nós e desvirtua as nossas sociedades e sistemas económicos.
Criámos economias que valorizam atividades por vezes duvidosas ou mesmo destrutivas, mas atribuem zero de valor monetário ao trabalho diário que acontece nos nossos lares - onde ocorre a própria produção e reprodução da qualidade da nossa sociedade.
Observamos a mesma desvalorização dos fundamentos da sociedade no tratamento que damos há muito tempo ao nosso meio ambiente, aos nossos lares. As árvores valem mais como material de construção do que na floresta. A desflorestação, a pesca excessiva, as alterações climáticas e a poluição estão a causar danos sem precedentes à nossa rede de segurança natural, mas são impulsionados pela lógica de modelos e incentivos económicos. Como resultado, enfrentamos hoje uma crise existencial enquanto espécie e somos diretamente responsáveis pela ameaça à vida de um milhão de outras espécies que podem acabar extintas nos próximos anos.
A crise climática está a causar estragos em alguns dos países e regiões mais vulneráveis, enquanto outros continuam a queimar combustíveis fósseis e a aumentar as emissões de gases de efeito estufa. Hoje em dia, ninguém acenderia um cigarro numa sala onde uma criança estivesse com problemas em respirar, mas os países desenvolvidos continuam a contribuir para a criação de condições que estão a causar secas e cheias por todo o mundo, num total desrespeito pelos direitos dos outros. Perdemos de vista a nossa humanidade comum e a nossa independência - em relação a cada um de nós e em relação ao planeta que nos dá a vida.
Gostaria de reforçar que nada disto sucedeu por acaso. É o resultado final de sistemas que foram construídos pelos homens - e quero aqui sublinhar a palavra "homens", porque se tivéssemos tido mulheres no comando, provavelmente não estaríamos nesta terrível situação - em grande parte com base na exclusão, na marginalização e na discriminação; e na priorização de lucros de curto prazo para alguns em prejuízo dos direitos e interesses de longo prazo de todas as gerações futuras.
É claro que precisamos de uma reordenação substancial das nossas prioridades e uma reorganização dos nossos sistemas económicos, políticos e sociais se realmente quisermos colher os frutos da inclusão e salvar-nos a nós mesmos e ao nosso planeta de uma maior desumanidade e degradação.
Suas excelências, amigos, senhoras e senhores,
Vivemos tempos difíceis e enfrentamos muitos ventos adversos. As notícias, no entanto, não são todas más. Existem muitíssimas provas de que os esforços a nível global deram resultado, e que podemos evitar e reverter a degradação das sociedades e do nosso planeta. Afinal, como já disse há pouco, isto foi e é obra dos homens.
Como disse Stephen Pinker, o nosso mundo está a melhorar - mas não tão rapidamente como desejaríamos. Por isso, muitas das provas do progresso que vemos não estão a acompanhar a realidade dos desafios e, em muitos casos, os valores são residuais. A violência diminuiu consistentemente ao longo do tempo e a esperança média de vida aumentou, a pobreza extrema está a diminuir e a alfabetização está em níveis historicamente altos. Existe uma maior consciencialização dos direitos humanos e, pelo menos em alguns países, as minorias de todos os tipos possuem uma proteção legal como nunca antes.
Pensemos no Protocolo de Montreal para a camada do ozono. Este tratado internacional entrou em vigor em 1989, depois dos climatologistas terem descoberto um buraco na camada de ozono sobre a Antártida. Desde então, o buraco começou a recuperar gradualmente e as projeções indicam que a camada do ozono regressará aos níveis de 1980 entre 2050 e 2070. Esta é uma cooperação global.
Como Sua Alteza me recordou, eu não fiquei inicialmente muito agradada com os Objetivos de Desenvolvimento do Milénio, mas, no final, aceitei-os não como o limite até onde queríamos ir, mas como o ponto de partida. Eles foram acordados entre todos os países no ano 2000. Criaram um dos movimentos anti-pobreza mais bem-sucedidos da história; pelo menos no meu país, poupámos mil milhões de dólares por ano que conseguimos canalizar para a vida das pessoas. Eles ajudaram a retirar da pobreza extrema mais de mil milhões de pessoas, a combater a fome, a permitir que, mais do que nunca, as raparigas frequentassem a escola, e a proteger o nosso planeta. Os ODM geraram novas parcerias e galvanizaram a opinião pública, reformulando a tomada de decisões tanto nos países desenvolvidos como nos países em desenvolvimento.
O pluralismo global, na forma do multilateralismo, conseguiu alcançar estas metas. E acredito que pode alcançar muito mais.
Desde a fundação da ONU, tem havido um vasto e crescente reconhecimento de que os grandes desafios não podem ser resolvidos pela ação isolada de um determinado país. À medida que enfrentamos um número crescente de situações que não têm em consideração as fronteiras nacionais, desde as alterações climáticas à disseminação de conflitos e aos surtos de doenças, precisamos hoje mais do que nunca das instituições regionais e globais para fortalecer a nossa resposta coletiva.
Mas o multilateralismo pode ser vítima do seu próprio sucesso. Deixámos de o ver como uma prioridade e um desafio evolutivo que precisamos de cuidar, promover e revigorar. Começámos a tomá-lo como garantido. Vemos isso em sociedades e comunidades que estão a voltar-se para dentro, esquecendo as lições do passado. As instituições globais devem manter-se firmes na defesa dos valores globais. E para fazer isso nestas instituições, assim como com os nossos parceiros, precisamos de nos transformar. Como eu diria, adequarmo-nos ao século XXI.
Sua Santidade o Papa falou sobre a globalização da indiferença. E eu acredito que temos de substituir isso pela globalização da solidariedade.
Há quatro anos, em 2015, quando chegámos ao prazo fixado para os Objetivos de Desenvolvimento do Milénio, a ONU iniciou e coordenou uma conversa global acerca das nossas prioridades. Todos os países concordaram que precisávamos de fazer melhor.
Isto resultou num acordo entre todos os 193 países das Nações Unidas para a Agenda de Desenvolvimento 2030 - o nosso roteiro de transformação para pessoas, para o planeta, a prosperidade, a paz e parcerias durante os próximos 15 anos. Já estamos há quatro anos neste processo.
Esta agenda partilhada reflete uma importante mudança de paradigma. Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável estão centrados no ser humano, estão interligados. Mais importante do que isso, são universais, integrados, inclusivos e reforçam-se mutuamente. Nenhum objetivo está isolado; cada objetivo está inextricavelmente ligado aos restantes para a sua implementação total. Embora deva dizer que agarro no objetivo 5e faço deste a base para o objetivo 16. É tão importante para a nossa humanidade.
Reflete a realidade dos desafios de desenvolvimento no terreno, onde as pessoas que vivem em situação de pobreza e fome são também as mais propensas a sofrer com o acesso precário a habitação, educação, cuidados de saúde, água e saneamento de qualidade. Uma rapariga tem menos probabilidade de frequentar a escola, por exemplo, se os seus pais não puderem pagar os materiais escolares, ou se ela não tiver uma habitação segura.
A Agenda 2030 aborda estas questões em conjunto, combatendo as causas profundas de uma forma muito mais holística. Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável foram preparados por todos os países, exigindo contribuições da parte de todos - incluindo países desenvolvidos e em desenvolvimento - e nós iremos melhorar a vida de todos, para que no final não fique ninguém de fora.
A tónica da Agenda 2030 nas questões da inclusão e interdependência, assim como uma obrigação moral para com os membros mais vulneráveis da nossa sociedade através do princípio de 'não deixar ninguém para trás' funciona como um contrapeso às forças que lideram o aumento da polarização, tribalismo e da fragmentação social. Trata-se de um esforço consciente de construir e reabastecer a infraestrutura democrática do mundo, o nosso relacionamento, o contrato social e a obrigação que temos uns com os outros.
A principal ambição da Agenda 2030 é criar um mundo que ofereça dignidade para todos, bem-estar e oportunidades - qualidades que não estão ao abrigo do PIB que temos, mas que estão finalmente a ser reconhecidas como medidas fundamentais para uma gestão bem-sucedida. A introdução de considerações sobre a qualidade de vida e o bem-estar em muitos orçamentos por todo o mundo e por todo o país é uma daquelas medidas que acreditamos ser um sinal encorajador para a nossa família humana.
A Agenda 2030 exigirá uma mudança nas mentalidades, para que avaliemos o nosso bem-estar para além do valor do PIB. Isto exigirá uma redefinição dos sistemas económicos para que estes melhorem as vidas das pessoas e as tornem muito mais substanciais. O principal requisito é a vontade política dos líderes de promover mudanças na gestão das nossas economias e sistemas comerciais para torná-los mais inclusivos e equitativos.
Embora os ODS sejam globais, eles refletem tanto os valores universais como as instituições e tradições culturais locais. Para dar um exemplo, podemos ver os valores da fé islâmica, a minha fé pessoal, refletidos em muitos dos objetivos que realçam a justiça ambiental, a natureza e a interdependência das coisas.
A própria ONU está a mudar para apoiar os países à medida que vão abraçando este ambicioso projeto global, tornando-os aptos para este propósito. Estamos a reformar, sob a liderança de António Guterres, o Sistema de Desenvolvimento, e também a paz e segurança, para que estejamos mais bem posicionados para ajudar os governos e acompanhá-los no cumprimento dos 17 objetivos e metas transformacionais. Desde o fornecimento de acesso a competências técnicas à obtenção de um acordo global acerca dos acordos financeiros que serão fundamentais para o sucesso do projeto, a ONU está empenhada em ajudar a cumprir a Agenda 2030.
Estamos a reformar-nos para assegurar uma representação mais diversificada, uma nova estratégia de paridade de género para recrutar e reter pessoas do sexo feminino a todos os níveis, particularmente em cargos de liderança, ao nível da administração já temos paridade, e a desenvolver esforços maiores para assegurar uma representação geográfica muito mais equitativa, para que todas pessoas do mundo façam parte das Nações Unidas e sejam ativamente representadas na liderança ao nível do país. Estamos a apenas alguns meses de alcançar a paridade nos nossos cargos de liderança sénior pela primeira vez em sete décadas. Serão 75 anos no próximo ano. Temos de dar o exemplo e demonstrar a importância de uma diversidade e inclusão que reflitam a realidade do nosso mundo.
Suas excelências, senhoras e senhores, amigos,
O panorama geral é este. Mas só terá sucesso se todos e cada um de nós nos tornarmos, tanto individual como coletivamente, parte deste esforço.
A concretização dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável deve partir de todos os espaços nos quais as pessoas estabelecem ligações: a família, a comunidade, o local de trabalho, as escolas e clínicas médicas, as pequenas empresas, os média, o meio académico.
É aqui que teremos de fazer a mudança radical necessária para alcançar a Agenda 2030 - uma mudança de mentalidades que se afaste da acumulação de riquezas por poucos e da exclusão de muitos, e que vá na direção de um paradigma baseado na interdependência entre as pessoas e para com o ambiente. Uma mudança nas soluções políticas que se baseiem em ganhos mútuos em vez de um pensamento de soma zero, e uma mudança na definição de segurança baseada num aumento cada vez maior do número de armas e de fronteiras cada vez mais fortificadas, para uma definição que se baseie em sociedades resilientes que se respeitem mutuamente e que respeitem o nosso planeta.
Esta mudança tem de começar nos nossos sistemas de ensino. E como discutimos ao longo dos últimos dois dias, a educação é algo que temos realmente de repensar ao nível da sua posição no mundo de hoje. Continuamos a construir escolas de tijolo e argamassa e a ensinar acriticamente e de forma mecânica através de livros desatualizados. Estamos a preparar os nossos jovens para um mundo que já passou, em vez de os prepararmos para o uso de tecnologia, para desenvolverem competências de pensamento crítico, para o bem-estar e a ética de uma responsabilidade partilhada necessária para o mundo de hoje e de amanhã.
Ainda que a Agenda 2030 seja global e abrangente, exigirá uma ação a todos os níveis. Precisa particularmente da liderança e da orientação de instituições religiosas e filantrópicas que trabalhem ao nível local, nacional e regional, mas que tenham presença internacional, que possam recuperar um sentimento de humanidade comum.
O filósofo Kwame Anthony Appiah escreveu sobre a adesão a “uma família, um bairro, a uma pluralidade de grupos identitários sobrepostos que se espraiam para abranger toda a humanidade." Este conceito pede-nos que sejamos muitas coisas, diz ele, porque nós somos precisamente todas essas coisas.
Estou muito familiarizado com estas ideias. A minha história pessoal é de múltiplas identidades, da Nigéria para o Reino Unido e de volta para a Nigéria, do setor privado para o governo e para as Nações Unidas.
Sou uma mãe e uma avó africana, os meus filhos são nigerianos, britânicos, sírios, e por aí fora, o meu neto é brasileiro, sou também uma ex-ministra do governo, algo que nunca pensei ser. Sempre quis voltar ao meu país e implementar os ODS, mas foi-me atribuída a pasta do Ministério do Ambiente, que no meu país era considerado, à falta de melhor palavra, o pelouro do caixote do lixo, porque só tratava de resíduos. Mas 18 meses depois, a Nigéria produziu para o continente a primeira obrigação ambiental nacional, e ouvi na semana passada que acabámos de lançar a segunda que foi mais uma vez subscrita na sua totalidade, por isso o impossível pode tornar-se possível. Desta forma, enquanto ex-ministra do governo, uma sobrevivente da violência baseada no género, uma muçulmana fiel, neta de um ministro presbiteriano; e a segunda maior funcionária pública internacional, estou humildemente no mundo. Também tive uma educação básica. E acho que isto é importante porque muitas vezes não olhamos para a história para ver o que originou a sensação de insegurança que temos hoje, os conflitos, os terroristas. Mas a minha educação básica foi em Neduguri. Neduguri é uma cidade no nordeste da Nigéria, hoje controlada pelo Boko Haram. Onde hoje quase não existe vegetação, e assistimos à exacerbação da pobreza, das alterações climáticas.
Embora Anthony Appiah e eu possamos ser tidos como os rostos do pluralismo, todos nós incorporamos muitas identidades diferentes. O desenvolvimento dos testes de ADN prova isso de forma mais literal, mas o mesmo também é verdade social e culturalmente. Não existe uma cultura homogénea no nosso mundo; existem simplesmente aqueles que são mais e menos honestos acerca da sua história. E fico feliz por afirmar que os nossos anfitriões de hoje, Portugal e Canadá, estão entre os mais honestos, e dou-vos os parabéns por isso, é este o tipo de liderança que realmente precisamos hoje.
Portugal, a sede do Imamat Ismaili, fez muitas contribuições significativas para a abertura, a diversidade e o pluralismo no nosso mundo. A história dos Descobrimentos de Portugal, de estender a mão e de se relacionar, tem um lugar central na sua cultura. A Península Ibérica foi durante muitos séculos um campo de batalha entre duas das três principais religiões do mundo, e isso deixou um legado de interdependência e um profundo respeito pela diferença cultural.
Não posso falar naturalmente de Portugal sem referir o nosso Secretário-Geral, o meu colega e amigo António Guterres, um cidadão português orgulhoso, posso dizer-vos, que nunca deixa de nos recordar as qualidades especiais e únicas do seu país e, por vezes, num dia mau na ONU, da sua comida! Ele quer voltar para casa! Mas isto não é só ele, tenho de vos dizer que até mesmo eu, em certos dias, procuro comida nigeriana na ONU.
Também gostaria de referir o Canadá, onde está sediado o Centro Global pelo Pluralismo, como um líder da diversidade, que honra os valores do pluralismo nas suas instituições e em todo o tecido da sua cultura. A identidade nacional pluralista do Canadá reflete-se na sua abordagem de acolhimento de refugiados e é fundamental para o relacionamento entre o Canadá e Sua Alteza o Aga Khan e, é claro, a Fundação. Nenhuma sociedade é perfeita. A maioria das nações, se não todas, definiram as suas fronteiras através da guerra ou da conquista, deixando um conjunto de injustiças históricas que desafiam realmente as nossas identidades. É a forma como se enfrentam estes desafios que deixa claro os seus valores.
Os esforços do Canadá em abordar o seu próprio relacionamento com o povo indígena das Primeiras Nações num espírito de honestidade e reconciliação, e apesar de ser muito difícil, é um exemplo dessa liderança.
Finalmente, gostaria de agradecer à Rede Aga Khan para o Desenvolvimento e às instituições pelo seu trabalho em defesa de algumas das comunidades mais pobres e marginalizadas do mundo. Vocês combinam uma forte base ética com o respeito pelo meio ambiente e um compromisso de apoiar sociedades em que cada cidadão, cada pessoa, independentemente das diferenças culturais, religiosas ou étnicas, possa alcançar todo o seu potencial, mostrando realmente a força existente na diversidade.
A abordagem de apoio a todos os membros de uma comunidade para que todos saiam fortalecidos exemplifica as palavras de Sua Alteza o Aga Khan, que uma vez disse que o pluralismo não é simplesmente um recurso ou um pré-requisito para o desenvolvimento, mas uma necessidade vital para a nossa existência. Estou inteiramente de acordo. Sua Alteza tem sido uma voz consistente na promoção do pluralismo, da inclusão e do respeito pela diversidade ao longo de décadas. Precisamos de si hoje mais do que nunca. Por isso, se estava a pensar reformar-se, não o faça...
E quero agradecer-lhe muito pelo seu compromisso e espero poder trabalhar consigo, com a Fundação, com o Centro Global pelo Pluralismo, e para muitos de vocês que estão aqui nesta sala e que já iniciaram algumas parcerias muito poderosas, espero que possamos ampliar este alicerce, porque agora é a altura para tentar fazer aquilo que parece incrivelmente impossível perante os ventos adversos que enfrentamos. Temos de encarar as realidades de forma corajosa. Temos de considerar as nossas ambições como possíveis, porque nós temos os meios. E, por fim, temos de nos unir para preencher este fosso e temos de continuar a dar esperança àqueles que de outra forma viveriam hoje sem esperança. Épossível, como disse Nelson Mandela, "torna-se possível depois de percebermos o que quão impossível é, nós fazemos com que aconteça." E julgo que nós podemos fazer com que isto aconteça. Por isso, muito obrigada por me darem a honra de falar convosco hoje.
Obrigada.