Por Dr Anita Zaidi, Khorog, República do Quirguistão · 16 junho 2023 · 10 Min
AKDN / Iskender Ermekov
Bom dia a todos e Asalaam Alaikum.
Sua Excelência Imanaliev Kanybek Kapashovich, Ministro da Educação e da Ciência da República do Quirguistão;
Sua Excelência Saidzoda Rahim Hamro, Ministro da Educação e da Ciência da República do Tajiquistão;
Altynbek Ergeshov, Governador do Oblast de Naryn;
Mirzonabot Alisher Khudoberdi, Governador do Oblast Autónomo de Gorno-Badakhshan;
Princesa Zahra Aga Khan;
Dr. Shamsh Kassim-Lakha, Presidente do Conselho de Administração;
Membros do Conselho de Administração;
Maxim Khomyakov, Reitor da Escola de Artes e Ciências;
Sulaiman Shahabuddin, Presidente da Universidade Aga Khan do Paquistão e África Oriental;
Corpo docente e funcionários da UCA;
Pais e familiares;
Ilustres convidados;
E queridos licenciados:
Obrigado por me convidarem para estar aqui hoje. É uma honra proferir o discurso de formatura deste ano.
E à Turma de 2023 da Universidade da Ásia Central: Parabéns! Vocês conseguiram. Hoje é o vosso dia e espero que disfrutem.
Eu tinha duas tarefas para hoje. A primeira era vestir-me de forma adequada. Sabem, eu vivo em Seattle, Washington, uma cidade onde até umas calças de ganga são consideradas chiques, por isso já não estou habituada a vestir-me assim.
A minha segunda tarefa é transmitir-vos alguns conselhos para ajudar-vos a ter sucesso na próxima fase do vosso percurso de vida. Vou retirar lições da minha própria vida e carreira que se têm concentrado no combate às doenças infeciosas que afetam as crianças, sendo que atualmente tenho um trabalho muito mais difícil, criar um mundo mais igualitário para homens e mulheres.
Hoje tenho uma grande tarefa pela frente. É especialmente difícil porque vocês já sabem o que fazer para terem sucesso. O facto de estarem sentados aqui diante de nós, cercados por estas majestosas montanhas, orgulhosamente vestidos de touca e túnica, e prestes a aceitar o vosso diploma é prova disso.
Cerca de três quartos da vossa turma cresceram em pequenas aldeias rurais. Muitos de vocês estão a centenas, senão milhares, de quilómetros de casa. Metade de vocês são mulheres. E para alguns de vocês, as aulas foram ministradas num idioma diferente daquele que falavam em casa, ou nas vossas salas de aulas prévias. Mas, ao longo dos últimos anos, vocês perseveraram. Aprenderam ao longo de uma pandemia. Ficaram a conhecer os desafios que afetam esta região. E como recompensa, fizeram amizades e ganharam conhecimento. Através de sessões de estudo pela noite dentro, maratonas de programação, batalhas de culinária, concertos na universidade e concursos de consumo de ramen, vocês criaram laços para toda a vida.
Vocês sabem o que é trabalhar no duro e fazer sacrifícios. Também sabem que é importante comer verduras. Fazerem a cama. Respeitar os mais velhos. E serem gentis. Vocês já sabem isto tudo.
Que posso eu partilhar convosco? Alguns oradores principais em cerimónias de formatura partilham lições sobre os seus arrependimentos. Os erros que fizeram na vida. Mas eu sou uma eterna otimista. Tenho de o ser no meu trabalho – no qual procuro fazer do mundo um lugar melhor para as mulheres, para as crianças e, em última instância, para todos. Por isso gostaria de partilhar convosco as lições que aprendi sobre como levar uma vida rumo a um objetivo, com significado e alegria.
Ao olhar para vocês, a Turma de 2023, vejo 76 licenciados prontos para mudar o mundo – muito mais do que outros alunos da vossa idade em todo o mundo. E, as conversas que tive convosco ontem foram realmente prova disso e inspiraram-me bastante. Vocês são a terceira turma a formar-se nesta universidade, que foi construída com a missão de ajudar esta região a prosperar. É uma missão maravilhosa. Peço-vos que se lembrem disso e se esforcem por cumpri-la para onde quer que vão.
Não querendo soar presunçosa, vejo em vocês um reflexo de mim mesma.
Como o Presidente Shamsh Kassim-Lakha disse, não foi há muitos anos – parece que foi ontem – que fui membro da primeira turma de estudantes de medicina da Universidade Aga Khan no meu país natal, o Paquistão. A Turma de 1988. Eu e os meus colegas de turma tínhamos grandes sonhos. Queríamos fazer coisas importantes. Eu sabia que queria ajudar as crianças, tornando-me pediatra, uma médica de crianças.
Logo após a nossa cerimónia de formatura, tivemos a oportunidade de nos encontrar com Sua Alteza o Príncipe Karim Aga Khan. Fizemos-lhe muitas perguntas, mas houve uma troca de ideias que me ficou na memória. Nós perguntámos-lhe: "Enquanto primeira turma de licenciados em medicina da AKU, tem uma mensagem especial para nós?" Sem hesitar, ele respondeu: "Sirvam o Paquistão".
Só isso. Três palavras. E estas três palavras ficaram comigo para toda a vida.
Na universidade, aprendemos a ser líderes atenciosos e cidadãos responsáveis do mundo. Para mim, as palavras de Sua Alteza o Aga Khan convidaram-nos a prosseguir com essa educação, e ontem falámos sobre isso. Eu tinha grandes sonhos – e ainda tenho –, mas aquelas palavras ajudaram-me a focar-me nos meus sonhos com um sentimento mais profundo de propósito e missão.
Após a formatura, passei algum tempo nas Áreas do Norte do Paquistão, não muito longe de onde estamos hoje. A trabalhar para os Serviços Aga Khan para a Saúde. Esse foi o meu primeiro emprego. Foi um momento bastante formativo para mim, ficar a conhecer os problemas que afetam as pessoas que vivem em áreas montanhosas de difícil acesso. Ainda hoje consigo sentir o clamoroso contraste – estar cercada por uma beleza imponente de tirar o fôlego e a trabalhar com comunidades que sofrem tantas dificuldades e carências. Apaixonei-me pelas altas montanhas e pelas pessoas, e considerei passar lá toda a minha vida, com vista para a Montanha Rakaposhi. Mas em vez disso, segui a minha vocação de me tornar pediatra e parti para a América para continuar a estudar e para poder servir melhor o Paquistão. Fiquei lá 11 anos. Foi muito tempo. Tempo suficiente para construir uma vida e sentir-me confortável. Eu e o meu marido iniciámos uma família. Mas eu sentia-me numa encruzilhada. Foi um momento inspirador no sector das doenças infeciosas pediátricas na América quando saíram novos medicamentos milagrosos capazes de tratar crianças com HIV. As crianças já não tinham de ser internadas no hospital, nós podíamos cuidar delas. Mas eu sabia que estas drogas, e muitas outras intervenções capazes de salvar vidas, não estavam disponíveis para as crianças do Paquistão.
Então o meu dilema era este: fico na América e contribuo para este período transformador na área das doenças infeciosas pediátricas ou volto para casa para o Paquistão? Escolhi o Paquistão. Porquê? Porque me lembrei das palavras de Sua Alteza: "Sirvam o Paquistão". Eu sabia que podia ajudar. Foi a decisão difícil mais fácil que já tomei, e nunca me arrependi. Eu e a minha família fizemos as malas e fomos para casa.
Existem enormes desafios aqui na Ásia Central. Os efeitos cruéis das alterações climáticas estão à nossa volta e ameaçam mudar todos os aspetos das nossas vidas, especialmente aqui nas altas montanhas. Os glaciares estão a desaparecer. Existem cada vez mais regiões a transformarem-se em desertos. Os agricultores têm de cultivar colheitas com menos água. As crianças têm atravessar tempestades de areia para ir à escola. Cheias, deslizamentos de terras, ciclones, secas – estão todos a tornar-se cada vez mais graves e a ocorrerem com cada vez mais frequência.
Então como é que nos adaptamos a este futuro com temperaturas mais elevadas? Vai ser preciso muito trabalho. Por isso vos digo, licenciados da Universidade da Ásia Central – sirvam a Ásia Central. Retribuam. O bem que fizeram por vocês. Entre vocês poderão estar os futuros cientistas que irão inventar novas formas de cultivo, os economistas que irão descobrir como potenciar os nossos abundantes recursos naturais para obter prosperidade económica, os empreendedores que irão construir novas empresas e criar empregos em energia renovável e em muitas outras áreas, os cientistas da computação que irão desenvolver uma tecnologia capaz de detetar eventos climáticos extremos, e os jornalistas que irão responsabilizar os nossos governos e contar as nossas histórias ao mundo.
Eu sei que pode ser avassalador. Tantos problemas com soluções aparentemente distantes.
Um rápido exemplo da minha própria experiência: quando voltei ao Paquistão, queria trabalhar com todas as doenças infeciosas que estavam a matar crianças. Mas o problema parecia ser imenso.
Tive de começar da estaca zero. Precisei de instituir programas de formação em investigação, saúde pública e doenças infeciosas. Depois, precisei de convencer mais médicos no Paquistão a concentrarem-se nas infeções em recém-nascidos e nas doenças evitáveis através da vacinação, que eram as principais causas de morte em crianças. Candidatámo-nos a vários subsídios, realizámos muitas investigações, e em seguida, usámos estas investigações para convencer as pessoas em lugares de poder a efetuar alterações.
Sofremos, aprendemos e sofremos ainda mais. Mas também obtivemos algumas vitórias e, com o tempo, as coisas começaram a melhorar. Eu e a minha equipa lançámos as bases para a introdução de várias vacinas no Paquistão, incluindo uma vacina que protege contra cinco doenças mortais para as crianças. Atualmente, estas vacinas protegem milhões de crianças de infeções evitáveis em todo o mundo, incluindo no Paquistão, aqui no Quirguistão e no Tajiquistão.
Quando um problema parece impossível de ultrapassar, a parte mais importante é começar. Cheguem à vossa estaca zero e deem um passo em frente. Não podem fazer tudo de uma vez, mas podem dar um pequeno passo, depois outro e mais outro – e todos esses passos irão resultado em algo. Uma das minhas citações favoritas é de Nelson Mandela, que disse: "Tudo parece impossível até ser feito."
Eu tinha orgulho daquilo que estava a conseguir fazer no Paquistão. Estava a ter um impacto direto na minha comunidade. Mas no Hospital da Universidade Aga Khan, continuei a ver crianças com casos graves de febre tifoide. Isto perturbou-me imenso.
Tratei tantas crianças com febre tifoide. O primeiro trabalho de investigação que publiquei na AKU quando era estudante de medicina foi sobre a febre tifoide e como esta se tinha tornado resistente aos medicamentos disponíveis. Seguiram-se mais investigações, mais artigos, mais opções de tratamento e inúmeras crianças doentes nos anos seguintes. Mas sem sinais de uma vacina – nada que pudesse prevenir a febre tifoide.
Depois, em 2014, de forma inesperada, a Fundação Bill & Melinda Gates ofereceu-me emprego. Hesitei. Eu adorava o meu trabalho no Paquistão. O meu marido tinha uma carreira, o meu filho tinha apenas 13 anos. Não me apetecia muito desenraizar a vida deles. Mas, mais uma vez, lembrei-me das palavras de Sua Alteza: "Sirvam o Paquistão". Vinte anos antes, isso significava voltar a casa. Mas agora começava a perceber que significava voltar a partir. Nesta nova função de Diretora para as Doenças Entéricas e Diarreicas, podia direcionar a atenção e os recursos para o desenvolvimento de uma vacina contra a febre tifoide para as crianças dos países em desenvolvimento.
Então voltei para a América após 14 anos fora.
E depois, em 2019, 34 anos depois de ter tratado o meu primeiro paciente com febre tifoide na AKU, introduzimos a primeira vacina conjugada contra a febre tifoide em países de baixos rendimentos. O primeiro país a disponibilizá-la para todas as crianças, de forma gratuita, foi o Paquistão.
Turma de 2023, esta universidade, a vossa universidade é um lugar verdadeiramente especial. Não apenas pela sua resplandecente beleza, pelos seus professores inspiradores e pelas amizades para a vida que fizeram aqui. É um lugar onde os homens e as mulheres são iguais. A tendência a nível mundial ainda não chegou à UCA. (Achei que iam apreciar disso.)
Numa altura em que saem daqui com os diplomas nas vossas malas, todos vocês irão enfrentar diferentes barreiras. E algumas dessas barreiras serão inevitavelmente criadas por causa do vosso género. É provável que as mulheres sofram mais.
Eu fiz o que pude para ajudar. No Paquistão, orientei alunos, médicos residentes e estagiários de investigação. Na Fundação Gates, criei um programa para ajudar as mulheres a chegar a cargos de liderança. Ontem, vocês perguntavam-me se a desigualdade de género era um problema nos Estados Unidos, e sim, é um problema nos Estados Unidos. Então, há três anos, os meus chefes, Bill e Melinda Gates, perguntaram-me se aceitaria um novo emprego no qual o meu único objetivo seria eliminar as barreiras que impedem as mulheres e raparigas. Eu disse que sim.
É este o desafio que vos lanço, caros licenciados – sim, enquanto diretora para a igualdade de género da Fundação Gates – mas também enquanto um exemplo daquilo que é possível alcançar quando as mulheres recebem as mesmas oportunidades e o mesmo respeito que os homens: agora que já experienciaram este ambiente, peço que levem convosco este espírito para onde quer que se aventurem neste mundo. Defendam os homens e as mulheres nas vossas vidas. Mostrem-nos o tipo de desafios que podem ser ultrapassados quando as mulheres e os homens recebem as mesmas ferramentas para cumprir todo o seu potencial.
Turma de 2023, está na hora de começar. Espero que daqui a algumas décadas não olhem para trás para este dia apenas com nostalgia. Espero que fiquem fascinados com o progresso que alcançaram. Espero que trabalhem no duro e, quando as coisas ficarem complicadas, espero que sejam persistentes. Espero que apliquem o conhecimento e a experiência que adquiriram na UCA para melhorar a vida das pessoas à vossa volta, e muito mais. Espero que respondam ao apelo de servir e usem-no como uma luz orientadora.
Licenciados, muitos dizem que hoje o mundo está em péssimo estado. Mas, como disse anteriormente, sou uma eterna otimista. E tudo o que vejo diante de mim é promessa, potencial e pessoas que irão fazer um trabalho incrível. Amanhã é um novo começo. Mal posso esperar para que vocês deem os vossos primeiros passos.
Obrigado pela honra de ser a vossa oradora de formatura e pelo bem que irão fazer no mundo.
E parabéns!