Fundação Aga Khan
Afeganistão · 5 fevereiro 2024 · 7 Min
Zahra lembra-se de como era ter um rendimento agrícola previsível. É mãe de seis filhos e vive na província de Bamyan, no Afeganistão, onde cultiva cevada, batata e trigo ao lado do marido nas terras altas do país.
Durante anos, a colheita do casal era suficiente para alimentar a família e obter rendimentos através da venda do excedente num mercado local. Mas hoje em dia, a família vive com dificuldades, segundo Zahra, e a situação piora a cada ano.
“Se houvesse água suficiente”
As alterações no clima, incluindo padrões imprevisíveis de chuva e neve, o aumento das temperaturas e uma seca contínua, têm afetado de forma drástica os agricultores em todo o Afeganistão, como Zahra.
Embora o país seja um dos mais baixos emissores de gases de efeito de estufa do mundo, o Afeganistão é o oitavo país mais vulnerável e menos preparado para se adaptar às alterações climáticas.
“Na primavera, a água [precipitação] diminuiu e não foi suficiente para regar as batatas, por isso secaram na fase de floração”, explicou Zahra. “Se houvesse água suficiente, teria obtido 25 toneladas de batata.”
Ao invés, Zahra prevê não colher batata ou cevada este ano, colocando a sua família em risco de passar fome e reduzindo drasticamente os seus rendimentos, uma vez que deixam de conseguir vender produtos nos mercados. Zahra é dona de casa e também está envolvida na criação de animais, mas a família tem dificuldades em fazer face às despesas.
E não estão sozinhos. Mais de 80% dos afegãos dependem da agricultura para a sua subsistência, algo que está a tornar-se cada vez mais difícil devido à imprevisibilidade dos padrões climáticos. Num momento em que o país enfrenta o seu terceiro ano consecutivo de seca, metade da população enfrenta uma situação grave de fome.
Apesar de os produtos mais rentáveis serem as frutas, frutos secos e vegetais de maior valor, a maioria das famílias de agricultores de pequena escala dedica-se à criação de gado e ao cultivo de produtos básicos tradicionais, como o trigo. Com isto em mente, Zahra está a participar numa iniciativa comunitária de florestamento que visa apoiá-la no cultivo de produtos mais rentáveis e no reforço da sua resiliência face às alterações climáticas.
Aproveitar as microflorestas para reforçar a resiliência climática
No passado, Zahra e outras mulheres da sua comunidade fizeram parte de grupos e conselhos femininos apoiados pela Fundação Aga Khan (AKF). Estes grupos participaram em atividades geradoras de rendimentos, como a gestão de estufas e o processamento de alimentos. Mas, de repente, tudo parou devido à situação política no Afeganistão.
À medida que as mulheres começaram a sentir-se inseguras em relação ao seu futuro, estas iniciaram um diálogo com a AKF para procurar soluções, explorando a possibilidade de desenvolver microflorestas nas suas comunidades. Entre os projetos de resiliência climática da Rede Aga Khan para o Desenvolvimento inclui-se a GROW - Iniciativa para as Microflorestas, que planta microflorestas como uma solução baseada na natureza de apoio às comunidades no combate às alterações climáticas, ao mesmo tempo que ajuda as populações a obterem rendimentos de subsistência.
As microflorestas GROW, inspiradas no método Miyawaki, desenvolvido pelo botânico japonês Akira Miyawaki, são florestas pequenas, densas e com uma alta biodiversidade que dão prioridade a espécies autóctones e endémicas e crescem a um ritmo mais acelerado do que outras plantações florestais. As microflorestas promovem a resiliência climática através da captação de carbono, alterando o microclima de uma área e criando um habitat para a vida selvagem.
Também estimulam a biodiversidade, regenerando o ar, a água e o solo, e fornecem alimento, forragem e plantas medicinais, ajudando os membros da comunidade a obter rendimentos, apesar do rápido agravamento da realidade das alterações climáticas que ameaçam a produção agrícola tradicional. Em países que enfrentam períodos de seca, como o Afeganistão, as microflorestas criam microclimas que contrastam com o clima predominante devido à presença de árvores e arbustos.
Desde 2017, a AKF tem vindo a colaborar com comunidades de 11 países, principalmente na Ásia e em África, na plantação de mais de 1300 microflorestas com mais de 526 000 árvores, em terrenos privados e comunitários, incluindo escolas e escritórios.
Em 2022, após conversas com grupos femininos como o de Zahra, a AKF lançou o projecto de microflorestas GROW em quatro províncias afegãs – Badakhshan, Baghlan, Bamyan e Takhar – concebendo-as para privilegiar a participação das mulheres. Trinta e duas microflorestas foram plantadas exclusivamente por mulheres em terrenos privados para que estas e as suas famílias possam beneficiar diretamente. Cada microfloresta cobre uma área entre os 25 e os 50 metros quadrados e inclui até 400 árvores, incluindo árvores de dossel, árvores de sub-bosque, silvados e arbustos.
Há vários anos que a AKF tem vindo a plantar microflorestas, principalmente em ecossistemas tropicais e subtropicais. A iniciativa GROW no Afeganistão levou, pela primeira vez, as microflorestas às montanhas de alta altitude. Nesse ambiente, e graças a uma cuidadosa seleção de espécies nativas e regionais, as microflorestas estão a crescer muito rápido — até cinco metros em menos de um ano. Através desta iniciativa, as agricultoras como Zahra são capazes de diversificar os seus meios de subsistência e lidar melhor com as alterações climáticas.
Uma iniciativa familiar liderada por mulheres
Para adaptar o projeto ao contexto do país, uma equipa de mulheres da AKF no Afeganistão deu formação às mulheres das comunidades participantes. Zahra ficou a conhecer as microflorestas GROW e descobriu que a plantação de árvores é considerado um ato de caridade no Islão.
Zahra começou a passar tempo no terreno designado para a microfloresta, adquirindo competências práticas através da criação de um pequeno viveiro, do desenvolvimento da disposição da microfloresta, da preparação do solo e da terra, e da plantação e manutenção das árvores, tarefas que nos anos seguintes viriam a servir de base à gestão da sua própria microfloresta juntamente com outras mulheres.
Em poucos meses, o projeto evoluiu para se tornar uma iniciativa familiar. A AKF começou a formar os maridos das mulheres na gestão das microflorestas GROW para que estes também pudessem participar.
Enquanto os homens – incluindo os maridos e filhos de Zahra – se encarregavam de tarefas como cavar e transportar mudas, as mulheres concentravam-se no cultivo das mudas e na avaliação das plantas que precisavam de fertilizante ou água.
Juntamente com a sua vizinha Amina, Zahra plantou várias árvores e plantas na sua microfloresta, incluindo espécies frutíferas e não-frutíferas, como feijões, peras, nozes, amoras, pêssegos e cerejas, que, em média, têm uma taxa de sobrevivência de 91%.
“Esta é a primeira vez que cultivamos feijão e árvores na mesma terra”, disse Zahra, descrevendo o método de cultivo consorciado que aprendeu e que lhe permitiu obter benefícios imediatos das plantas que crescem na microfloresta ao nível do solo enquanto as árvores recém-plantadas ainda são pequenas e jovens.
E tem sido um sucesso. Até ao momento, Zahra já colheu 70 kg de feijão – guardando metade para alimentar a família, o que a ajuda a poupar dinheiro, e vendendo a outra metade num mercado local a aproximadamente um dólar por quilo. Ambas as mulheres também têm colhido morangos nas microflorestas, que vendem a bom preço nos mercados locais.
Amina, entusiasmada com o impacto ambiental positivo que a sua microfloresta irá ter, disse que teve de explicá-lo a outros membros da comunidade para convencê-los a participar.
“É a primeira vez que fazemos isto aqui e, normalmente, quando se faz algo novo, é preciso algum tempo para explicar os benefícios à comunidade”, disse. “Agora a comunidade está muito interessada nesta atividade [microflorestamento], por isso também vai ajudar a lutar contra as alterações climáticas.”
Ambas as mulheres esperam que outras frutas e frutos secos cresçam na sua microfloresta nos próximos anos, aumentando os rendimentos da família e fortalecendo a resiliência climática.
Zahra, que não conseguiu continuar os estudos para lá do terceiro ano e tem competências mínimas de literacia, planeia usar o aumento nos seus rendimentos para enviar os filhos para a escola.
“Espero que a situação melhore e que as minhas filhas possam ir à escola e possam obter uma boa educação capaz de mudar as suas vidas”, disse. “A educação de uma mulher pode mudar toda a família.”
Reforçar o envolvimento económico das mulheres através das microflorestas
Embora as microflorestas proporcionem benefícios ambientais e económicos, muitas das pessoas envolvidas no projeto referiram que também têm repercussões, particularmente junto das mulheres.
“Estamos muito felizes”, disse Amina, que concluiu o ensino preparatório com um diploma em matemática e que durante anos sonhou estudar para se tornar professora, mas que já não pode fazê-lo. “Se não tivéssemos este projeto, não sabemos o que faríamos. Ficávamos sentadas em casa sem trabalho nem escola.”
“Devido à situação atual no Afeganistão, não existem oportunidades para as mulheres”, disse. “Este projeto [de microfloresta] mantém-nos ocupados e traz-nos grandes benefícios.”
Amina, agricultora em microflorestas, província de Bamyan
Parisa, membro da AKF na região de Baghlan, explicou que cuidar das microflorestas tem mantido as mulheres ocupadas, apoiando o seu bem-estar psicológico em circunstâncias sociopolíticas particularmente complicadas:
“As mulheres afegãs estão sempre preocupadas com o desemprego e os problemas económicos – mas as microflorestas ajudam-nas.”
O projeto também ajudou a reformular o papel das mulheres. O seu envolvimento no microflorestamento apoia diretamente a segurança alimentar e os rendimentos das suas famílias, mostrando aos outros que as mulheres podem “fazer mais do que lavar roupa ou cozinhar”, explicou Parisa.
“As mulheres... devem participar na tomada de decisões em casa. Devem resolver os seus problemas económicos e ajudar [a gerir] as finanças com o marido e os irmãos”, disse. “As microflorestas abrem esta janela às mulheres.”
Foram usados pseudónimos para proteger a identidade das mulheres entrevistadas neste artigo.
Saiba mais sobre a GROW: Iniciativa para as Microflorestas.
Por Jacky Habib, jornalista freelancer sedeada em Nairobi que faz reportagens sobre justiça social, e questões humanitárias e de género. O seu trabalho já foi publicado na NPR, Al Jazeera, VICE, Toronto Star e outros.