Por Sua Alteza o Aga Khan, Lisbon, Portugal · 19 dezembro 2005 · 6 Min
Presidente Sampaio Primeiro Ministro Sócrates Ministro dos Negócios Estrangeiros Freitas do Amaral Excelências Ilustres convidados Senhoras e Senhores
Estou profundamente comovido pelas declarações generosas do Primeiro Ministro Sócrates, Agradeço também ao Presidente Sampaio, ao Primeiro Ministro e ao Governo da República Portuguesa, pela sua amabilidade e recepção calorosa.
Na sua história mais recente, quando o nosso mundo, em alguns momentos, parecia estar no caos, e a liderança moral no esquecimento, Portugal manteve-se como um exemplo proeminente de integridade e compaixão. Quando crises irromperam para além das suas margens, Portugal recebeu de braços abertos populacões deslocadas de diferentes culturas e origens étnicas. Esta é, por esse motivo, uma ocasião apropriada para reconhecer um compromisso duradouro e permanente do Imamato e Comunidade Ismaili a Portugal, uma terra de harmonia e oportunidade, que rejubila na sua diversidade como uma fonte de força nacional. É uma grande honra e uma imensa fonte de felicidade para mim estar neste histórico Palácio da Ajuda para marcar este acontecimento, à medida que a nossa valiosa relação vai avançando de forma confiante. O Protocolo de Cooperação entre o Governo da República Portuguesa e o Imamato Ismaili, que assinámos esta noite, é o primeiro Acordo desta natureza que o Imamato Ismaili assina com um Governo Ocidental, e eu estou profundamente convicto que trará claros benefícios às nossas gentes e a muitos outros.
Para o Imamato Ismaili, a Comunidade Ismaili a nível mundial e para mim, este é um dia muito importante. Por isso, desejo esta noite ilustrar o verdadeiro significado que este momento representa aos nossos olhos, significado esse que fundamentou que Sua Excelência o Professor Freitas do Amaral e eu próprio tivéssemos dedicado tanto tempo a ultimar os últimos detalhes deste Acordo.
Portugal é um país pequeno, com uma longa história, e o seu papel na história tem sido iluminado por momentos de glória. A Comunidade Ismaili é uma comunidade pequena com uma longa história, também iluminada por momentos de glória. As nossas respectivas histórias têm sido, em alguns momentos, marcadas por conflitos e desafios internos. Esses momentos, frequentemente fortaleceram-nos. A população de Portugal é ligeiramente menor que a da Comunidade Ismaili a nível mundial, actualmente. Temos, por isso, muito em comum, o que sublinha a lógica da nossa nova relação formal. Mas existem também diferenças.
Portugal está enraízado no secular mundo Cristão, enquanto o Imamato Ismaili está enraízado no secular mundo Islâmico. A influência de Portugal tem sido essencialmente em África e América do Sul, com uma presença ocasional na Ásia. A Comunidade Ismaili tem uma presença significativa na Ásia Central e do Sul, no Médio Oriente e na África sub-sahariana, mas está praticamente ausente da América do Sul.
O que nos une, não são apenas as nossas similaridades históricas e o respeito mútuo pelo nosso passado, mas também o desejo de trabalharmos em conjunto para melhor lidarmos com as oportunidades e os problemas que iremos enfrentar nas próximas décadas. As nossas histórias respectivas ensinaram-nos a depositar a nossa confiança nos valores humanos e a enraizá-los numa visão ética da vida.
As nossas histórias ensinaram-nos o valor do diálogo, e que raramente, na verdade muito raramente, alguma coisa de bom surge do conflito. A nossa visão do mundo é a de assumirmos um compromisso com o problema da exclusão social nas nossas sociedades e contribuir para a construção de pontes entre diferentes crenças e nações, ligando diversas partes do mundo.
Não tenho dúvidas de que para Vós, cujas raízes histórias estão no mundo Cristão, é tão doloroso como para nós Muçulmanos, com as nossas raízes no Este, assistir ao crescente e profundo fosso entre partes dos nossos respectivos mundos. Não podemos permanecer como observadores passivos, deixando que este fosso se torne ainda mais profundo, colocando em risco as gerações futuras. Se tivermos vontade, vontade essa que estou certo que partilhamos, temos o conhecimento histórico e os alicerces éticos para fazer com que o nosso mundo avance, para que se torne melhor e com mais esperança, para que possamos pôr fim à tempestade de ódio que aparentemente se tem vindo a construir à nossa volta.
Estamos preocupados, e com toda a razão, com a pobreza que existe entre o nosso povo, e não podemos assistir a esta indignidade desumana tornar-se uma característica permanente das nossas sociedades, das nossas gerações de hoje e de amanhã. Temos de trabalhar juntos para desenvolver um arsenal de armas pacíficas para atacar esta situação que destrói o mundo actual, tentando garantir que aqueles que são hoje marginalizados possam estar certos de que não nos são indiferentes, que não deixaremos que as suas gerações futuras vivam no mesmo mundo sem esperança, no qual, eles próprios procuram, em desespero, sobreviver.
Ao confrontarmo-nos com esta situação, partilhamos a mesma necessidade de construir as nossas sociedade civis, pois ambos reconhecemos que são as instituições da sociedade civil de hoje, que, fortalecidas e expandidas pelo amanhã, têm a maior probabilidade de criarem condições para que as pessoas se possam ajudar a libertarem-se da pobreza. Trabalhando juntos no Este e no Oeste, temos certamente, uma grande oportunidade de sermos bem sucedidos em inúmeras situações, como seja a criação de respostas para as necessidades das populações em envelhecimento.
Existem aqueles que dizem que as crenças dividem. Até pode ser verdade. Mas hoje temos de explorar todas as oportunidades para que diferentes crenças se unam na procura de soluções para os problemas das nossas sociedades. Vimos da mesma herança religiosa, descendentes de Abraão, e cumpre-nos dedicarmo-nos aos problemas da sociedade, assumindo os mesmos princípios éticos.
Criaram aqui em Portugal, um ambiente moral favorável para que as diferentes crenças possam conviver em equidade e respeito mútuo. Pretendo fazer tudo o que estiver ao meu alcance com outras crenças, aqui ou em qualquer outra parte, para dar significado prático e resultados quantificáveis às nossas futuras parcerias.
O desafio crítico de todas as crenças, no que se refere aos seus princípios e práticas, é o flagelo da pobreza, a qual, infelizmente, também afecta sectores da população, especialmente as minorias, até nos países mais industrialmente avançados do Ocidente. As tragédias que suportam e as dimensões desconhecidas das suas condições foram agravadas pelos recentes eventos naturais e outros. Para seu benefício, os cidadãos e os Governos reconhecem que é intolerável que estas bolsas de miséria possam persistir em sociedades que se respeitam.
É à luz do que referi que, encorajado pelo Governo, e com base em cuidadosos diagnósticos efectuados através de estudos realizados por entidades externas e através de uma longa intervenção programática, especialmente na área da educação infantil, que a Rede Aga Khan para o Desenvolvimento aventurou-se num Programa de Desenvolvimento Comunitário Urbano em Portugal. O Programa foi criado para ajudar populações desfavorecidas, incluindo minorias étnicas e culturais que residem em zonas urbanas, no desenvolvimento das suas capacidades para que possam sair da armadilha da pobreza, alcançando os benefícios da inclusão social.
O Governo e as Câmaras Municipais, a Comissão Europeia, as principais organizações da sociedade civil e empresas, são nossas parceiras neste empreendimento moral, conhecido localmente pelo nome de K’CIDADE, reflectindo a convicção de que as pessoas são por inerência, capazes de tomar conta do seu destino. Estou muito feliz por ver os seus representantes aqui esta noite. Sejam bem vindos.
Em termos globais, os nossos números podem ser pequenos, mas a nossa abertura para abordarmos as grandes questões do nosso tempo e do amanhã, a nossa prontidão para trazer maturidade às nossas sociedades pluralistas, são tão fortes, e tão vigorosamente partilhadas, que eu acredito que a parceria que estamos hoje a fundar permitir-nos-á, com o apoio de Deus, ter uma influência positiva no futuro, que pode ultrapassar largamente a dimensão da nossa demografia.
Estas são as razões que deram origem à minha convicção de que este é um dia verdadeiramente histórico.
Estes são os princípios subjacentes à nossa frutífera e duradoura relação, inspirando o trabalho que já desenvolvemos em Portugal e em Moçambique, Afeganistão e Paquistão. É nestes princípios e experiência que assenta o Protocolo de Cooperação. O Governo e o Imamato, estão ambos determinados para que esta vontade não se mantenha como expressão de uma esperança piedosa.
Obrigado.