Não disponível · 30 outubro 2023 · 5 Min
Num mundo onde o dinheiro fala mais alto e os argumentos qualitativos são facilmente descartados, como é que o movimento climático pode ganhar força? A nossa quinta entrevista com especialistas em clima é com Miriam Kugele, Gestora Sénior Global para o Ambiente e a Sustentabilidade da Universidade Aga Khan (AKU). Ela partilha a sua forma de comunicar relativamente à ação climática de modo a acelerar a tomada de decisões e a aumentar a ambição.
Depois de uma infância a subir às árvores e a brincar ao ar livre em zonas montanhosas do mundo, Miriam mudou-se para Hong Kong com uma bolsa de estudos da UWC aos 17 anos. “Desde então, tenho vivido principalmente em cidades gigantescas, incluindo muitas cidades costeiras da Ásia. E aí o ambiente assume uma dimensão totalmente nova, com o oceano, o vento e outros elementos a afetarem diretamente as cidades e as pessoas. Mas, ao mesmo tempo, é fácil ficar dentro de um edifício e não observar as mudanças.
“Fazíamos serviço social na escola e todos os fins de semana o meu grupo fazíamos mergulho para monitorizar as condições de uma recém-designada área marinha protegida. Há todo um ecossistema que poucos conseguem ver. O nosso trabalho era torná-lo visível e recolher dados que fossem usados ao nível do aconselhamento estratégico e da educação. Ter testemunhado as alterações ao longo dos dois anos em que estive envolvida foi algo de transformador.”
Depois de uma carreira na área do desenvolvimento internacional, Miriam sentiu-se atraída pela Rede Aga Khan para o Desenvolvimento enquanto um elo entre o desenvolvimento, o meio académico e o trabalho político. A partir de Karachi, ela está a ajudar a AKU a reduzir o desperdício, o uso de energia e as emissões de carbono, a investir em energia mais limpa e a ajudar os fornecedores e a comunidade global a melhorarem a sua sustentabilidade ambiental.
Como é que se defende a sustentabilidade?
Miriam afirma que mais uma vez isso começa com a revelação de realidades ocultas. A AKU e os Serviços Aga Khan para a Saúde começaram o seu percurso rumo à neutralidade carbónica até 2030 através do desenvolvimento de uma ferramenta de gestão de emissões de carbono. A AKU usou os dados resultantes para iniciar um plano de descarbonização. Descobriram que a redução das emissões é tecnologicamente e financeiramente viável, com um tempo médio de retorno de menos de quatro anos para os investimentos e adaptações necessários.
“Assim que os dados forem disponibilizados, muitas equipas podem usá-los para estabelecerem prioridades nas suas iniciativas. Os dados não só tornam as coisas visíveis junto de muitos intervenientes como também os capacitam a tomarem decisões.”
Um segundo fator é o tipo de argumentos utilizados. “O dinheiro faz o mundo girar, e as pessoas não confiam necessariamente em argumentos qualitativos, por isso às vezes apresento os meus argumentos mais ao nível dos dados quantitativos, como custo e poupança.
“Numa cidade como Karachi, o nosso ar é praticamente irrespirável. Mas durante a COVID, numa altura em que as populações não usavam o carro, a qualidade do ar melhorou e começámos a fazer caminhadas à tarde. Os vizinhos ficaram a conhecer-se, em vez de estarem dentro de quatro paredes. Que significa isso para a mensagem climática? Queremos tornar a nossa cidade mais habitável ao nível da justiça social, do desenvolvimento de comunidades e das redes de apoio. Mas a construção de redes é um conceito pouco substancial. Em lugar disso, podemos usar os dados acerca da qualidade do ar e da exposição ao calor para iniciar um processo para a redução dos problemas de saúde. Dado o alto consumo energético dos cuidados de saúde, manter as pessoas saudáveis é o melhor serviço que se pode prestar ao planeta."
Miriam encontra muitas dessas oportunidades de justiça social no trabalho ambiental. Os painéis solares nos telhados, por exemplo, permitem que os utilizadores sejam donos dos seus meios de produção de energia e poupem dinheiro. “E quando fazemos isso em grande escala, de modo a ter sistemas de energia distribuídos, criamos algo de realmente transformador para a sociedade.”
Quem pode liderar a mudança?
“Precisamos de pessoas que funcionem como modelos para que nos tornemos uma massa crítica que pode depois ser estimulada através de políticas. Acredito muito na política. Ela oferece às pessoas formas de tomarem as decisões certas quando a nível pessoal isso pode parecer mais difícil.
“A Escola Superior de Média e Comunicação da AKU no Quénia produziu uma série documental chamada Dar Voz à Natureza. E um dos vídeos documentava a presença de sacos plásticos no oceano. Houve um debate político no Quénia que utilizou este vídeo e a sua mensagem, e o Quénia tornou-se um dos primeiros países do mundo a proibir os sacos de plástico."
De que outra forma é que a AKU está a agir como um modelo a seguir?
“Cerca de 70% das nossas emissões são provenientes da cadeia de abastecimento. Oferecemos formação e capacitação no sector da contabilidade de carbono, com foco nas áreas das altas emissões, como os fornecedores de equipamentos farmacêuticos e médicos, e nos nossos fabricantes locais, que sabem que precisam de se tornar mais sustentáveis, mas não sabem como. Por isso, a construção dessa rede e a transmissão a todos da mensagem de que ‘estamos todos juntos nisto’ tem sido algo realmente poderoso.
“Mas só podemos falar disto a terceiros se fizermos o nosso trabalho de casa, certo? O Instituto Médico Francês para Crianças no Afeganistão instalou o primeiro conjunto de painéis solares em 2019 e acabou de receber um sistema de aquecimento de água alimentado a energia solar. Atualmente, temos painéis solares nos nossos polos no Quénia, Uganda e Paquistão, com muitos mais a serem instalados em breve, e acabámos de inaugurar uma caldeira de biomassa no nosso hospital em Nairobi, usando resíduos rurais como palha e serradura.
“Houve três edifícios da AKU que receberam a certificação EDGE Advanced [pela diminuição do uso de energia e água]. É realmente entusiasmante, não apenas pela certificação e pela redução de energia e água que esta implica, mas como um espaço de convivência. Quando os alunos e funcionários veem as coisas à sua volta, o espaço pode ser um meio de estímulo e comunicação. Temos cerca de 1600 hectares em Arusha, na Tanzânia, dedicados à investigação ambiental. Acabámos de organizar lá a primeira escola de campo e eu comecei a levar os novos alunos da Faculdade de Artes e Ciências a um terreno nos arredores de Karachi para que experienciem a investigação e a ação ambiental de uma forma holística, desde a contagem de árvores ao aproveitamento das suas competências artísticas para o desenho do traçado das folhas. E desenvolvemos um concurso anual para os alunos da AKU desenvolverem os seus próprios projetos de ação climática.
“A semana passada atendi o telefone e era uma mulher que disse: ‘O amigo do meu filho anda na AKU e diz que vocês já não usam garrafas de água de plástico. Quero fazer o mesmo na escola do meu filho. Diga-me, como podemos fazer isso?' E para mim este é o melhor feedback possível.”
Saiba mais:
Alcançar a neutralidade carbónica
Desafio do Presidente da AKU para as Soluções Climáticas
Leia o resto desta série de entrevistas:
“A mudança exige uma ação coletiva”: Onno Rühl discute os desafios climáticos
Nas fronteiras das alterações climáticas: Entrevista com Harpalsinh Chudasama e Mohammad Zaman
Pode o turismo ajudar o planeta? Os argumentos de Shenin Virji