Paquistão · 15 setembro 2023 · 6 Min
Na terceira das nossas entrevistas com especialistas em clima da AKDN, indagamos dois sul-asiáticos que vivem e trabalham nas fronteiras das alterações ambientais e climáticas acerca do seu trabalho. Como é que as coisas têm mudado ao longo das suas vidas? Como é que os efeitos podem ser mitigados? E quais os desafios da próxima geração?
O ritmo das alterações climáticas está a aumentar. Que mudanças têm sido testemunhadas por cada um dos entrevistados? Como é que o Programa Aga Khan de Apoio Rural tem ajudado?
"Há sessenta anos", diz Mohammad Zaman, de Gilguite, no Paquistão, "as nossas enormes montanhas eram verdejantes, com florestas. Mas agora assistimos ao degelo dos nossos glaciares. Nos próximos 20 ou 30 anos, estes irão desaparecer. E as populações têm cortado as árvores e arbustos, e até desenterraram as plantas de artemísia para usar como lenha.
“Agora podemos observar que estas montanhas estão completamente despidas e bastante frágeis e vulneráveis a cheias repentinas. Eu tenho testemunhado muitas cheias repentinas desde 2010. Muitas pessoas foram deslocadas. Mudam-se para outras aldeias e até mesmo para o interior do país. No ano passado, houve uma grande cheia na minha aldeia. A água destruiu as terras, os animais e as árvores de 100 famílias, causando a morte a dez pessoas.”
Zaman é o Gestor do Programa de Agricultura e Resiliência Climática do Programa Aga Khan de Apoio Rural (AKRSP) no Paquistão, tendo colocado a sua formação em agricultura e gestão de recursos naturais ao serviço do programa inicialmente em 1993. O AKRSP tem vindo a trabalhar na Índia e no Paquistão há pouco mais de 40 anos. O AKRSP (Paquistão) trabalha em Gilguite-Baltistão para desenvolver infraestruturas como estradas e sistemas de irrigação, aumentar a produtividade agrícola e fortalecer 5000 instituições locais que abrangem quase 200 000 agregados familiares.
"Na década de 1990", lembra Zaman, "houve um enorme financiamento por parte de doadores para o sector da gestão dos recursos naturais. Fizemos muitas atividades na agricultura, pecuária e silvicultura, plantando cerca de 47 milhões de árvores florestais, de espécies nativas, que seriam posteriormente cuidadas pelas comunidades locais. Não associámos estas atividades ambientais às alterações climáticas.
“Em 2023, plantámos um milhão de árvores florestais de diferentes espécies nativas. Nos próximos cinco anos, planeamos plantar mais cinco milhões. Estamos a instalar microcentrais hidroelétricas em áreas fora da rede, para fornecer energia renovável em locais onde a rede elétrica pública não está disponível. As pessoas podem usar esta energia para cozinhar e iluminar as casas em vez de deitarem abaixo árvores para fazerem lenha.
“Ao longo do rio existem muitos terrenos áridos. Nesses estamos a instalar bombas de irrigação ascendente alimentadas a energia solar – 38 até agora este ano – para trazer água do rio até estas áreas. Depois plantamos árvores nesses terrenos, intercaladas com alfafa, que fixa o nitrogénio no solo, acelera o crescimento das plantas e evita a erosão do solo. Incentivamos a agricultura regenerativa, evitando fertilizantes químicos e inseticidas em favor de fertilizantes orgânicos e bioquímicos, e procuramos variedades de cereais e vegetais de curta duração e resistentes ao clima.”
O AKRSP (Paquistão) ajuda a criar organizações comunitárias, agrupando-as em organizações locais de apoio que possam trabalhar com o governo. Estas têm boas relações com os departamentos de agricultura, pecuária e silvicultura e são parceiros do governo no Programa Tsunami de Dez Mil Milhões de Árvores.
Harpalsinh Chudasama trabalha há quase dois anos e meio com a AKDN em Gujarate, na Índia, como Gestor de Investigação sobre Alterações Climáticas no AKRSP (Índia). A organização ajuda os pequenos agricultores a alcançar a segurança alimentar e nutricional, a segurança financeira e a sustentabilidade. Também cria emprego não-agrícola para os jovens de zonas rurais e apoia as organizações comunitárias na melhoria da qualidade de vida nas suas áreas. Já trabalhou com mais de 3,5 milhões de pessoas, 60% das quais mulheres.
Também Harpal tem assistido a mudanças durante a sua vida. A parte oriental da Índia começou a sofrer com ciclones a cada dois anos. O período das monções começa agora mais tarde, com maiores períodos de seca entre os dias chuvosos.
“Nas partes de Gujarate onde passei a minha infância, as monções chegavam normalmente em 15 de Junho. Mas agora estão a ser proteladas para meados ou mesmo para o final de Julho. A maioria dos agricultores da região pratica a agricultura de sequeiro, pelo que se houver chuvadas leves no mês de Junho, eles iniciam logo a semeadura. Mas se houver um período de seca prolongado, as culturas de kharif (monção), como o algodão e o amendoim, não irão sobreviver. Os agricultores têm então o trabalho e a despesa de ter de semear de novo, com o período de crescimento e a altura da colheita a estenderem-se até à estação de rabi (inverno), sendo que a plantação tardia das culturas de rabi pode afetar a sua colheita.”
O trabalho de adaptação climática do AKRSP centra-se na gestão da água e dos solos, no desenvolvimento dos terrenos, na silvicultura e noutras intervenções. “Para as famílias, promovemos sistemas de microirrigação [aspersores e gotejadores] e a conservação e armazenamento de água”, diz Harpal. “Ao nível da comunidade, estamos a trabalhar na construção de diques de contenção [que reduzem a velocidade da água e aumentam o armazenamento de águas superficiais], barreiras bori [estruturas com sacos de areia para reduzir o fluxo da água superficial e a erosão dos solos, dando o tempo à água para penetrar no solo] e lagoas em aldeias. Também estamos a trabalhar na captação de águas pluviais e em estruturas de recarga dos lençóis freáticos [para recolher e armazenar água subterrânea] e no fornecimento de água potável. O que as pessoas não veem é que tudo isto está diretamente relacionado com a ação climática.”
As alterações climáticas afetam toda a gente por igual?
Tanto para Zaman como para Harpal, a participação das mulheres é essencial.
“Indiretamente, as alterações climáticas afetam toda a gente por igual”, diz Zaman. “Mas os homens saem para arranjar trabalho, e as mulheres e as adolescentes são deixadas para trás nas aldeias. As mulheres têm de tratar da agricultura – vacas, árvores, hortas. Por isso, damos prioridade às mulheres quando oferecemos plantas frutíferas, sementes de vegetais e mesmo formação. E sempre que é necessário prestar apoio alimentar, fazemo-lo junto das mulheres, porque tradicionalmente aqui os homens comem a comida de melhor qualidade e as mulheres recebem comida de qualidade inferior. Mas depois de 40 anos de presença do AKRSP na região, as mulheres têm um melhor acesso a comida de qualidade, a organizações ao nível das aldeias, a modelos de poupança e empréstimos com juros baixos.”
Harpal destaca a falta de autoridade e de poder de decisão das mulheres. “As mulheres experienciam os efeitos das alterações climáticas de forma diferente, uma vez que podem não conseguir ter acesso a recursos ou não serem capazes de tomar decisões em relação às atividades agrícolas ou às suas famílias. Elas contribuem de forma igual, se não mais, para as atividades agrícolas – por exemplo, se as fortes chuvadas afetarem as forragens armazenadas, secá-las é considerado um trabalho das mulheres; se houver um período de seca prolongado, são as mulheres que terão de voltar a fazer a semeadura. Mas os seus homólogos do sexo masculino decidem o que semear ou como e quando levar os produtos ao mercado.
E quanto ao futuro?
Zaman diz: “O governo tem um plano para colocar a alterações climáticas no currículo. Para que as crianças estejam preparadas para a adaptação e a mitigação, elas vão começar já a pensar nisso. Se fizermos algo agora, isso irá beneficiar a nossa próxima geração. Se não fizermos nada agora, eles vão sofrer muito.”
Harpal concorda: Ao nível dos impactos climáticos, as coisas vão ficar mais complicadas. Mas também existe uma maior consciencialização local, e espero que isso resulte em ações práticas.”
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“A mudança exige uma ação coletiva”: Onno Rühl discute os desafios climáticos