Serviços Aga Khan para a Saúde
Tanzânia · 4 fevereiro 2025 · 5 Min
Na Tanzânia, o cancro é a segunda principal causa de morte entre as mulheres e a quinta entre os homens
Entre os principais obstáculos incluem-se a falta de sensibilização, o financiamento e as poucas unidades de rastreio, levando a diagnósticos tardios e consequências mais negativas para a saúde. Após o diagnóstico, não existem médicos ou unidades de tratamento suficientes para dar resposta à população: o Dr. Nestory Masalu, Diretor de Oncologia do Centro Médico de Bugando, em Mwanza, conhece casos de pacientes que viajam 500 km para se submeterem ao processo de rastreio.
O Projeto Abrangente de Oncologia da Tanzânia (PAOT), com a duração de quatro anos, arrancou nas regiões de Dar es Salaam e Mwanza em 2018, trabalhando com 100 unidades públicas de saúde primária para reforçar os cuidados de oncologia e fornecer equipamentos, formação e campanhas públicas de sensibilização e vacinação. O PAOT é uma parceria entre a Agência Francesa de Desenvolvimento, o Governo da Tanzânia, o Centro Médico de Bugando, o Instituto Ocean Road de Oncologia, o Instituto Curie e a AKDN, tendo culminado na criação de um novo centro oncológico no Hospital Aga Khan de Dar es Salaam. Este foi inaugurado em Maio de 2024 e trata 100 pacientes por dia, ajudando a cobrir os seus custos, conforme necessário.
Como é que isto está a mudar a situação? O Dr. Harrison Chuwa, Diretor de Oncologia do Hospital Aga Khan de Dar es Salaam, explica o maior desafio que enfrenta: 85 por cento dos pacientes procuram ajuda já numa fase avançada, na qual a taxa de sobrevivência a cinco anos cai de 85 por cento para apenas 30.
A sobrevivente de cancro Jema Baruani é uma das muitas embaixadoras formadas para trabalhar no aumento da consciencialização e na mudança de mentalidades relativamente à doença.
AKHS, Tanzania
“Isto acontece em parte porque muitos acreditam que o cancro não é uma doença, mas sim maus espíritos que precisam de um curandeiro”, diz o Dr. Chuwa. “As pessoas podem pensar que, ao retirar o peito, estarão a retirar o próprio espírito. Existe também a crença de que o cancro é transmissível, com o cônjuge a ficar preocupado com a possibilidade de contrair a doença, levando ao divórcio. Ao pensarem que o cancro é uma sentença de morte, podem decidir por mudar de cônjuge.”
O PAOT já chegou a quase 4,5 milhões de pessoas com mensagens de consciencialização e já rastreou 732 mil pessoas
O projeto recrutou e formou 400 agentes comunitários de saúde para incentivar o rastreio.” Também formámos as nossas sobreviventes de cancro para serem embaixadoras. Elas partilham os seus testemunhos, mostrando inclusive as suas cicatrizes de mastectomia, ou a hiperpigmentação decorrente da radiação, para mostrar que aquilo já aconteceu há anos e que elas ainda estão vivas. Partilham fotografias de quando estavam a fazer quimioterapia, dizendo: “Olhem para mim agora, estou linda, estou tranquila.” Isso ajuda muito a mudar mentalidades.
“Existem organizações da sociedade civil inseridas nas comunidades que estão empenhadas em aumentar a consciencialização acerca do cancro e persuadir os pacientes a procurar tratamento hospitalar. Disponibilizamos o nosso conhecimento e o nosso tempo para apoiar as campanhas dessas organizações.”
O número de pessoas que procuram ajuda numa fase inicial duplicou, de 15 para 31%
Os pacientes que recebem um plano de tratamento claro têm uma melhor noção do seu percurso e do que esperar em cada etapa.
AKHS, Tanzania
“O nosso hospital é uma unidade credenciada pela Joint Commission International, o que significa que precisamos de cumprir os padrões de educação do paciente e da família. O projeto apoia a impressão e o desenvolvimento de materiais para ajudar os pacientes a compreender o seu percurso. Os materiais dão resposta a perguntas frequentes sobre radioterapia e quimioterapia e o que esperar.
“Para cada paciente, realizamos uma reunião multidisciplinar de abordagem ao tumor, também esta apoiada pelo projeto. Neste contexto, desenvolvemos um plano de tratamento, o qual partilhamos com o paciente para que ele esteja consciente de cada etapa.
“Criámos grupos de sobreviventes de cancro. Reunimo-nos trimestralmente e os membros selecionam um tópico sobre o qual querem mais informações, porque sabemos que não é fácil a reintegração no local de trabalho ou na família após o tratamento do cancro. Podem ter dificuldades em engolir, pelo que analisamos quais os alimentos que devem comer. Se têm dificuldades na fala, temos terapia da fala e terapia ocupacional. Incentivamos os sobreviventes a virem com as famílias e amigos, que percebem que o cancro não é aquilo que eles pensavam.”
Os bons resultados clínicos dependem de uma boa investigação – um princípio que guia a equipa de oncologia do Hospital Aga Khan de Dar es Salaam.
AKHS, Tanzania
Dr. Harrison Chuwa, Diretor de Oncologia do Hospital Aga Khan de Dar es Salaam
O PAOT tratou 33 800 pacientes com cancro – mas o que aconteceu após o seu término?
Ao longo dos últimos meses, a equipa integrou as suas intervenções comunitárias no projeto de vacinação contra a COVID-19 apoiado pelo KfW. Uma equipa de oncologia viaja com as carrinhas de vacinação para rastrear cancros em homens e mulheres. E está prestes a começar uma nova fase do projeto.
“Temos a oportunidade de testar intervenções e ver se funcionam. Se funcionarem, podemos replicá-las nas fases subsequentes do projeto. E foi exatamente isso que aconteceu aqui. Acabámos de assinar um acordo para continuar com a segunda fase, o Projeto Abrangente de Oncologia da África Oriental (PAOAO), focado nas mulheres e replicado em mais quatro regiões da Tanzânia, estando também implementado no Quénia.”
Os resultados da investigação ainda em curso permitirão obter conclusões a longo prazo.
“Não podemos ter bons resultados clínicos sem ter uma boa investigação”, diz o Dr. Chuwa. “Precisamos de dados acerca da distribuição geográfica do cancro no país, se existem mais cancros femininos ou masculinos, ou qual a proporção dos que estão relacionados com infeções.
“Quais são os obstáculos? Porque é que as pessoas têm relutância em fazer o rastreio, o que as inibe de fazer o diagnóstico e o que as impede de iniciar o tratamento? Será uma questão financeira, geográfica ou da influência dos mitos que acreditam?”
Os resultados irão ser conhecidos ao longo dos próximos anos. Na próxima fase, os investigadores também irão colaborar com a Unidade de Investigação Clínica da Universidade Aga Khan no Quénia. Aqui, o foco está em novas terapias de gestão do cancro em populações africanas, dado que a existência de diferenças genéticas leva a que os medicamentos desenvolvidos através de investigações no Ocidente não apresentem os mesmos resultados, sendo necessária investigações adaptadas ao contexto africano.
Professor Mansoor Saleh, Diretor Fundador do Centro de Oncologia e da Unidade de Investigação Clínica da AKU
Outro benefício de longo prazo do projeto é o desenvolvimento das capacidades dos profissionais de oncologia. Mais de 460 profissionais de saúde têm aprendido especialidades como patologia, radiologia, oncologia médica, cuidados paliativos – e mesmo programas de sobrevivência e jornalismo.
O recém-anunciado PAOAO também será uma colaboração entre vários parceiros. A Embaixadora Francesa na Tanzânia, Sua Excelência Anne Sophie Avé, descreve “a excecional parceria entre França e a Rede Aga Khan para o Desenvolvimento” como “um exemplo notável de como a cooperação internacional pode promover um progresso transformador ao nível dos cuidados de saúde”.
O novo centro oncológico do Hospital Aga Khan de Dar es Salaam trata 100 pacientes por dia.