12 outubro 2023 · 6 Min
AKU
Como é que o Instituto do Cérebro e da Mente (IMC) da Universidade Aga Khan está a trabalhar para tornar os cuidados de saúde mental um direito humano universal em culturas onde os problemas de saúde mental não são bem compreendidos e os recursos são escassos? No Dia Mundial da Saúde Mental, o professor Zul Merali contou-nos como as atitudes, a experiência e o apoio à saúde mental variam entre os países, exigindo respostas inovadoras.
Com formação em psicologia, bioquímica e neurociência, Zul começou a interessar por compreender a forma como o cérebro responde a fatores de stress, criando mudanças neuroquímicas que aumentam a vulnerabilidade a problemas de saúde mental. “As doenças mentais custam mais do que todos os cancros juntos, mais do que todas as doenças transmissíveis juntas, porque permanecem com uma pessoa durante um longo período de tempo, afetando também as famílias e os amigos”, explica Zul. “As pessoas podem morrer 10 a 20 anos mais cedo. Nós, nos países em desenvolvimento, estamos particularmente vulneráveis porque somos expostos a muito mais fatores de stress – económicos, por exemplo, ou as instabilidades decorrentes das alterações climáticas – e não temos sistemas de apoio.”
Em 2020, Zul trouxe os seus 40 anos de experiência em investigação e liderança para a Universidade Aga Khan (AKU), reunindo conhecimentos de várias agências para criar o BMI. Este está construído sobre quatro pilares: investigação, inovação, educação e parcerias.
Influenciar o futuro através da investigação
“O cérebro está projetado para analisar o ambiente e os órgãos internos em busca de ameaças e levar-nos a tomar medidas para a nossa sobrevivência”, diz Zul. “É quase como se o cérebro fizesse parte do próprio ambiente. Estamos a fazer um grande esforço para entender o modo como estes fatores de stress influenciam os circuitos cerebrais e a química do cérebro, e o que faz com que certas pessoas sejam mais resilientes. Estamos a desvendar vários mecanismos muito complexos no cérebro, que na realidade é uma área ainda pouco explorada pela investigação. Mas à medida que vamos descobrindo intervenções como medicamentos e terapias da fala que podem ser usados clinicamente para mudar as respostas do cérebro, como é que as aplicamos à prática e as levamos às comunidades?”
Colocar as evidências diretamente em prática através da inovação
O modelo escalonado de cuidados de saúde do BMI concentra recursos na base da pirâmide no sentido de ajudar o maior número de pessoas ao mais baixo custo.
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“Estamos a encontrar soluções muito diferentes, mais realistas para as nossas áreas geográficas e muito interessantes, porque podemos fazer a diferença de uma forma muito rápida”, diz Zul.
O BMI adota uma abordagem escalonada aos cuidados de saúde, adaptada a partir da estrutura em pirâmide da Organização Mundial da Saúde. No topo estão os doentes graves, em quantidade relativamente pequena, que requerem cuidados intensivos ao nível dos recursos. Abaixo estão os níveis para os utentes com doença moderada e em risco, e na base a população saudável.
“Muitos dos modelos de cuidados de saúde que adotamos vêm do Norte Global, onde existe um grande número de psiquiatras e psicólogos e de sistemas de cuidados de saúde. Os países em desenvolvimento, particularmente nas áreas rurais, não têm acesso a estes.
“Por isso, invertemos a pirâmide e colocámos a maioria dos nossos recursos na base, para que possamos ter impacto no maior número de pessoas com custos mínimos. A prevenção, a deteção precoce e a intervenção precoce podem ser feitas nas comunidades usando os tipos de recursos que mais facilmente temos à nossa disposição. Temos um antropólogo médico e um antropólogo social na nossa equipa para garantir que as soluções que desenvolvemos com e para as comunidades são culturalmente aceitáveis.”
Em Sinde, no Paquistão, o BMI trabalhou com as Trabalhadoras do Sector da Saúde, disponibilizando-lhes tablets e formação para poderem avaliar as necessidades de saúde mental das populações durante as visitas domiciliares. Elas encaminham os utentes em risco grave para os profissionais da área, mas trabalham diretamente com aqueles que precisam de níveis mais baixos de cuidado: ouvindo-os, ensinando-os e resolvendo problemas com eles. O governo já abordou o BMI para partilhar esta abordagem para que seja usada de forma mais generalizada.
Educar os professores, os alunos e a comunidade
As Trabalhadoras do Sector da Saúde formadas pelo BMI usam uma aplicação móvel durante as visitas domiciliares para prestar serviços de aconselhamento e realizar exercícios para elevar o humor, para além de acompanhar os casos de alto risco e encaminhá-los para o nível seguinte de cuidados médicos.
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Para além de desenvolver programas académicos, o BMI está a divulgar informações sobre questões de saúde mental de uma forma mais alargada.
“Se uma pessoa tiver diabetes, ela vai perceber que algo se passou com o seu pâncreas e irá receber tratamento adequado para controlar os níveis de açúcar no sangue”, diz Zul. “Bem, com uma doença mental é a mesma coisa. Está tudo relacionado com o cérebro. Mas como as pessoas não entendem isso, procuram arranjar explicações para o facto de alguém estar a agir de forma estranha.
“No Paquistão, podem pensar que uma pessoa foi possuída por espíritos malignos e que os curandeiros e xamãs da comunidade podem ter a solução, ao passo que no Quénia as pessoas recorrem aos seus pastores e imãs. Tivemos muitas conversas com os líderes religiosos, que estão à procura de ajuda na identificação dos problemas de saúde mental e no reencaminhamento das pessoas para receberem o tratamento adequado.”
O BMI tem desenvolvido cursos para a criação de embaixadores da saúde mental. Entre os participantes estão não-especialistas provenientes de universidades e casas de culto, que aprendem a reconhecer os sinais de problemas de saúde mental, a prestar os primeiros socorros em saúde mental e a encaminhar as pessoas para receberem os cuidados adequados.
Zul explica que, quando a exibição de sinais de doença mental é vista como uma fraqueza, os sintomas são frequentemente escondidos, levando a que as dores de cabeça, de estômago ou costas se tornem mais proeminentes em certas culturas. Os cursos de resiliência do BMI formam os participantes na identificação dos sintomas físicos que podem estar associados ao stress e a saber lidar com os fatores de stress do dia-a-dia, construindo comunidades de prestação de cuidados.
“Também estamos a trabalhar com os governos para desenvolver políticas mais amigas das pessoas com problemas de saúde mental”, diz Zul. “Não estamos lá para prestar cuidados. Mas estamos lá para mudar os modelos de prestação de cuidados.”
Multiplicar o impacto através de parcerias
Quase uma em cada cinco mulheres passa por problemas de saúde mental durante a gravidez ou no primeiro ano após o parto. O BMI está a estabelecer parcerias com outras organizações no âmbito de um programa comunitário no norte do Paquistão que visa combater esta adversidade.
AKDN / Kamran Beyg
Enquanto antiga Diretora de Programas e Investigação dos Serviços Aga Khan para a Saúde (AKHS) do Paquistão, Falak Madhani estabeleceu uma estreita colaboração com o BMI e atualmente é uma dos seus cientistas de implementação. As suas organizações anteriores e atuais têm trabalhado com o BMI da AKU, com a sua Escola de Enfermagem e Obstetrícia e com o seu Departamento de Psiquiatria num programa comunitário em Gilguite-Baltistão e Chitral, no Paquistão, que visa combater a depressão perinatal. Esta condição leva quase uma em cada cinco mulheres a passar por problemas de saúde mental durante a gravidez ou no primeiro ano após o parto. O programa é um exemplo do trabalho do Instituto através de parcerias dentro e fora da AKDN.
A equipa adaptou um programa da OMS para criar grupos de apoio liderados por pares para mães e pais, trabalhando inicialmente com mil participantes. “´Desenhámos o manual e formámos os voluntários no seio da comunidade, onde o apoio dos pares é facilmente aceite”, diz Falak. “Os cursos abordaram informações como a amamentação e a nutrição, para além de adotarem comportamentos positivos que resultam em pensamentos e sentimentos positivos, nas áreas dos cuidados pessoais e dos cuidados com crianças pequenas, e ativam o apoio social. Estamos a observar índices de depressão e ansiedade muito melhores, mesmo entre aqueles com depressões graves.”
O próprio programa está a gerar novas parcerias. “Estive numa sessão de formação no distrito de Ghizer, que incluiu um psiquiatra do governo, um psicólogo dos AKHS, um conselheiro escolar e vários enfermeiros. Eles não se conheciam, e quando descobriram que havia seis outras pessoas a trabalhar no mesmo problema na mesma área geográfica, deu-se a oportunidade de criar uma abordagem de equipa aos cuidados de saúde e às vias de reencaminhamento.”
Aumentar a aceitação?
“Assim que recebi a aprovação para criar o Instituto, foi declarada a pandemia da COVID. Confinadas às suas casas, privadas de coisas que lhes eram cultural e socialmente importantes, as pessoas começaram a perceber que somos todos vulneráveis. Começaram a falar mais do que nunca sobre problemas de saúde mental de forma muito mais aberta. Agora as conversas são muito mais fáceis”, conclui Zul.