7 março 2023 · 1 Min
AKDN / Nayyir Damani
Apenas 28% dos médicos em toda a África são do sexo feminino, ao passo que as mulheres ocupam 65% das funções de enfermagem de mais baixo estatuto e menos bem pagas.
AKDN
Em primeiro lugar, os trabalhos em STEM não são todos iguais. As mulheres estão sub-representadas nos empregos mais bem pagos nas áreas da engenharia, tecnologia e digital. Isto também é verdade numa profissão: apenas 28% dos médicos em toda a África são do sexo feminino, ao passo que as mulheres ocupam 65% das funções de enfermagem de mais baixo estatuto e menos bem pagas.
Em segundo lugar, dentro de cada profissão, os homens ocupam desproporcionalmente os cargos de topo. A nível mundial, as mulheres representavam 33% dos investigadores científicos em 2018, mas apenas 12% dos membros das academias nacionais de ciências, as que lideram em matéria de tomada de decisões – e um número ainda menor nas áreas que estão a impulsionar a revolução digital. A diferenciação começa cedo: existem mais mulheres do que homens em cursos universitários como saúde e ciências naturais, mas isto inverte-se ao nível dos doutoramentos.
As mulheres ocupam 12% dos cargos de chefia enquanto membros das academias nacionais de ciêncas.
AKDN
Em terceiro lugar, existem igualmente grandes disparidades entre os países onde trabalhamos. As mulheres representam quase metade da força de trabalho nas tecnologias de informação na Índia, quando comparado com um quinto em Moçambique.
Em quarto lugar, a revolução digital está a alargar o fosso. Desde a programação à inteligência artificial, a informática tem um grande potencial de inovação, criação de riqueza e soluções que poderiam ser projetados para beneficiar os utilizadores de forma igualitária. Mas esta área está a replicar muitos velhos preconceitos de género no mercado de trabalho, alargando o fosso entre aqueles com as ferramentas para atuar neste novo mundo e aqueles que são excluídos, e ameaçando automatizar os empregos menos bem pagos, 70% dos quais são ocupados por mulheres. E as disparidades digitais entre rapazes e raparigas começam logo na escola primária. Se, como prevê a ONU, mais de 60% das crianças que estão agora a entrar na escola primária virão a trabalhar em empregos que ainda não existem, os seus professores são quem tem o poder para moldar o seu futuro.
Waseema Khawaja, Diretora do Infantário da Academia Aga Khan de Nairobi, diz: “Não me disseram diretamente que os cursos de STEM são principalmente para homens. Mas quando chegamos a uma certa idade, percebemos que, apesar de não nos dizerem diretamente que não, temos de ter isso presente na nossa mente. As ações daqueles que nos rodeiam, as omissões subtis na nossa educação, a lembrança constante daquilo que é uma mulher, tendem a fazer com que o nosso cérebro pense que existe um caminho feminino já definido para nós.
6% das ilustrações nos manuais de matemática e ciências apresentam raparigas.
Quando prosseguem os estudos, as jovens enfrentam muitas vezes obstáculos adicionais.
“Quando era criança, sonhava prosseguir os estudos superiores em universidades de renome bem equipadas com laboratórios, mas essas universidades não existiam na minha pequena cidade”, diz Ira Shrivastav, a principal professora de ciências do Programa de Ensino Preparatório da Academia Aga Khan de Daca. “E eu não tinha autorização para sair da minha cidade para ir estudar para a universidade e nem sequer deixar a minha família por causa da minha educação. Hoje em dia, em entrevistas, olham para mim e perguntam onde fica esta universidade. Nunca ninguém ouviu falar dela e isso faz uma enorme diferença no processo de entrevista.”
Sujana Veeramachaneni, antiga diretora do departamento de ciências da Academia Aga Khan de Hyderabad, recorda como a universidade criou novos obstáculos. “As normas sociais e as mentalidades eram uma barreira. Ainda que os nossos laboratórios estivessem abertos para todos, devido às regras e regulamentos para raparigas, como termos de nos apresentar no dormitório antes do jantar, nós estávamos dependentes dos nossos colegas do sexo masculino para fazer as medições nos laboratórios.
As mulheres formadas em STEM nem sempre usam os seus diplomas, talvez devido às expectativas dos pais ou às obrigações ao nível da prestação de assistência. Um estudo de 2019 do Hospital da Universidade Aga Khan de Karachi revelou que 72% das cirurgiãs entrevistadas enfrentaram barreiras culturais no decurso da carreira cirúrgica, em comparação com 25% dos homens. Outras entram no mercado de trabalho, mas deparam-se com mais obstáculos. A UNICEF concluiu que 50% das mulheres em STEM em todo o mundo dizem ter sofrido discriminação.
Terá havido uma mudança cultural geracional?
Aga Khan Schools
Uma sessão no laboratório de informática na Escola Secundária Feminina do Jubileu de Diamante em Bombaim. As alunas participaram na Maratona de Programação da Hindustan Times em 2020
Aga Khan Schools
“Naquela altura, os pais estavam mais concentrados em ver os filhos arranjarem um emprego no governo”, explica Ira. “Agora já perceberam que as crianças devem estudar fora para desenvolverem também as competências para o mercado de trabalho no sector privado. E só têm um ou dois filhos, por isso investem todas as suas economias na sua educação e estão disponíveis a deixá-los ir para fora”.
Mas em vez disso, ela vê as crianças a precisarem de ser incentivadas a entrar na área das artes. "As filhas têm de ser médicas e os filhos têm de ser engenheiros ou abrir o próprio negócio em Daca."
Fotima Safar-Ali, professora de química no Liceu Aga Khan de Khorog, diz: “Tanto os rapazes como as raparigas estudam ciências com grande interesse, porque sabem que com este conhecimento podem viver em condições confortáveis."
Uma aula de licenciatura em ciências na Universidade da Ásia Central.
AKDN / Akbar Hakim
Arzoo Parbatani, professora de ciências da Academia Aga Khan de Maputo, conclui que “a maioria dos rapazes agora quer escolher a área dos negócios em vez das ciências, enquanto as raparigas estão a ir mais para as ciências. Mas o que me incomoda é o facto de estas ciências estarem limitadas a áreas associadas à saúde; a engenharia ainda é um sonho distante para muitas das minhas alunas."
Waseema Khawaja, Diretora do Infantário da Academia Aga Khan de Nairobi
Que estão as nossas instituições a fazer para tornar as STEM mais inclusivas?
Seja incentivando raparigas e rapazes em idade pré-escolar a brincarem aos médicos e bombeiros, fazendo que os alunos do ensino primário construam torres e moinhos de vento ou fornecendo uma plataforma para os ativistas de género partilharem os seus conhecimentos, as creches, escolas e universidades da AKDN incorporam a questão da igualdade de género em todo o seu sistema de valores.
Clique nas histórias abaixo para saber mais.
"Cada tarefa partilhada com as crianças procura torná-las capazes em todos os aspetos da sua vida, para que nunca deixem de aproveitar uma oportunidade devido ao seu género. Ao nível dos infantários, é importante assegurar que existe um crescimento coletivo, igualdade de oportunidades e uma representação igual para todas as crianças.” Waseema Khawaja, Diretora do Infantário da Academia Aga Khan de Nairobi.
AKDN / Georgina Goodwin
As alunas do Liceu Aga Khan de Khorog frequentam aulas no Makerspace, ministradas por duas estudantes da Universidade de Stanford.
As alunas também partilham a sua aprendizagem em STEM. Aqui, as alunas da Academia Aga Khan de Mombaça desenvolveram um plano de aulas de química para partilhar com a Escola Primária Feminina de Mbaraki.
AKDN / Lucas Cuervo Moura
Uma aula de ciências na Academia Aga Khan de Maputo. "Cada aluna pode escolher a sua disciplina sem influências. Só ter esta oportunidade, algo que eu não tive quando estava a estudar, faz uma enorme diferença.” Arzoo Parbatani, Professora de Ciências na Academia Aga Khan de Maputo.
AKDN / Nayyir Damani
A Escola para a Promoção da Igualdade de Género (SAGE) da Universidade da Ásia Central oferece formação e uma plataforma de apoio entre pares para organizações, ativistas e outros que trabalhem na área da igualdade de género. Peritos internacionais partilham as suas experiências e as melhores práticas de todo o mundo, criando uma comunidade ativa para o futuro.
A SAGE também atribui pequenas bolsas para projetos-piloto inovadores. Um dos beneficiários foi a Iniciativa da Fundação Pública Roza Otunbayeva, que promove as STEM junto das raparigas e mulheres na República do Quirguistão. A Iniciativa está atualmente a trabalhar com universidades técnicas em Bisqueque e Osh para avaliar a eficácia das suas comunicações com os candidatos. Dogdurgul Kendirbaeva, Diretora Executiva da Iniciativa, observa que “em 2019, o número de mulheres candidatas às ciências técnicas era apenas um terço do total de homens. Existe uma baixa proporção de mulheres nos sectores industriais promissores de alto rendimento e as raparigas não estão preparadas para as profissões do futuro. É na escola que se criam os estereótipos educacionais, o que reduz a motivação das raparigas para adquirirem competências em STEM. É necessário prestar atenção ao papel opressivo dos estereótipos sociais e pedagógicos de género, que dividem as crianças entre futuros “chefes de família” e “donas de casa”, com todas as consequências que isso terá na sua educação posterior."
“QUANDO UMA IDEIA CIENTÍFICA SURGE, ELA NÃO ESCOLHE GÉNERO, APENAS SURGE NA MENTE DE QUEM A PENSA.” – Arzoo Parbatani, Professora de Ciências na Academia Aga Khan de Maputo
AKDN
Quando uma mulher consegue trabalhar numa área profissional que é predominantemente masculina", diz Waseema, "isso mostra que o sistema pode ser reconstruído. Quando uma jovem olha para a presidente de um banco, ela não vê aquilo que as mulheres não devem poder fazer, mas sim aquilo que são capazes de fazer. Para um rapaz, é importante que para ele seja normal ver uma mulher como engenheira. É importante que a questão do género seja retirada da equação no que diz respeito à inteligência, competências e capacidade de ter sucesso, e a única maneira de fazer isso é ter uma representação igualitária de género para tornar esta área o mais inclusiva possível."
As crianças experimentam ser médicas no Infantário da Academia Aga Khan de Nairobi.
AKDN / Georgina Goodwin
Arzoo concorda: “As necessidades de cada género podem ser melhor compreendidas e atendidas se houver uma representação e voz iguais. O condicionamento cultural tem de ser reduzido e só depois poderá haver alguma esperança de alcançar a igualdade. Convidem as raparigas para um debate ativo sobre grandes ideias, ouçam as suas perspetivas e incluam-nas na tomada de decisões."
“A programação é vista como uma área masculina”, diz Ana Rita Dias, 21 anos, que participou na Bytes4Future, uma iniciativa em Portugal que prepara jovens marginalizados para carreiras digitais.
“Mas é uma área que ainda está a evoluir… por isso as mulheres devem fazer parte dela para garantir que se torna um sector que também aborda os problemas das mulheres”.
A UNICEF calcula que mais de 90% dos empregos em todo o mundo têm um componente digital, e a AKDN pretende preparar as crianças e os jovens nesse sentido, independentemente do seu género.
Clique nos vídeos abaixo para ver as aplicações criadas por adolescentes no Tajiquistão, como os estudantes na Índia estão a aprender a usar as redes sociais com segurança e como os jovens em Portugal estão a ser contratados como programadores graças aos programas intensivos digitais.
Os estudantes do Liceu Aga Khan de Khorog, no Tajiquistão, aprendem a desenvolver aplicações móveis no âmbito do seu clube de programação em regime pós-escolar, combinando a capacitação dos alunos, as competências para o século XXI e a responsabilidade social.
A Bytes4Future, criada pela Fundação Aga Khan e parceiros, permite que jovens socioeconomicamente marginalizados desenvolvam as suas competências em programação, multimédia e inglês, envolvendo-se ao mesmo tempo com potenciais empregadores. “A programação é vista como uma área masculina”, diz a participante Ana Rita Dias, de 21 anos, “mas é uma área que ainda está a evoluir, particularmente em Portugal, por isso as mulheres devem fazer parte dela para garantir que se torna um sector que também aborda os problemas das mulheres."
Uma sessão no laboratório de informática na Escola Secundária Feminina do Jubileu de Diamante em Bombaim. As alunas participaram na Maratona de Programação da Hindustan Times em 2020.AKDN
AKDN
As alunas da Academia Aga Khan de Hyderabad aprendem a publicar em blogues e no Twitter com segurança.
Para as mulheres envolvidas, sim, os benefícios desperdiçados seriam claros: os salários mais altos oferecidos pelas empresas de alta tecnologia dominadas por homens, a possibilidade de fazer avançar os limites da ciência e da tecnologia, e o risco reduzido de perder um emprego para a automatização.
Mas a igualdade de género é uma questão mais profunda.
De cintos de segurança a softwares, os resultados científicos dependem de contributos humanos. O software de reconhecimento de voz do Google, por exemplo, é projetado e testado principalmente por homens. É 70% mais propenso a reconhecer um discurso masculino do que um feminino. Se as mulheres continuarem a não estarem envolvidas enquanto investigadoras e continuarem a ser marginalizadas enquanto utilizadores finais, a inovação não as beneficiará. As alturas dos bancos de carro e os fatos espaciais continuarão a estar adaptados ao corpo dos homens. Os sintomas de ataques cardíacos em mulheres continuarão a ser relativamente desconhecidos. O envolvimento das mulheres pode ser uma questão de vida ou morte.
Entretanto, impedir que metade da população cumpra o seu potencial económico e social prejudica todas as sociedades. O New York Times escreveu que, se as mulheres na Índia estivessem representadas no mercado de trabalho formal na mesma proporção que os homens, em vez dos atuais 20%, a economia da Índia poderia expandir-se em mais 60% até 2025. Seja através do aumento da produtividade nacional, da viabilização de tomadas de decisões inclusivas ou da melhoria das perspetivas da próxima geração, a representação igualitária das mulheres é parte integrante do trabalho de desenvolvimento da AKDN.